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Carnavalesco Leandro Vieira acusa 'hipocrisia' do Carnaval de 2022

Embora o carnaval de rua tenha sido cancelado, a cidade do Rio de Janeiro foi tomada por festas pagas. Em entrevista à Sputnik Brasil, Leandro Vieira, carnavalesco da Mangueira e do Império Serrano, disse que há uma hipocrisia na "privatização do Carnaval".
Sputnik
"A Prefeitura do Rio de Janeiro estima que o Carnaval de 2020 injetou cerca de R$ 4 bilhões na economia local. Nenhuma cidade no mundo pode dispensar esse valor. Desfilar em abril é tentar salvar o que se perdeu, e tentar salvar parte desse valor". O depoimento de Leandro Vieira à Sputnik Brasil resume o "sentimento" de parte da indústria carnavalesca carioca.
Enquanto aguardam o início dos desfiles na Sapucaí, marcados para abril, as escolas de samba assistem à cidade ser tomada por festas pagas e blocos de rua clandestinos. Embora reconheça que Eduardo Paes seja um prefeito que valoriza as festas populares, Leandro Vieira denunciou a hipocrisia do Carnaval de 2022, enfatizando que o trabalhador da festa popular mais importante do país não é devidamente valorizado.
Para o carnavalesco, a ausência dos desfiles em meio às festas de rua na cidade revela uma política de dois pesos e duas medidas do poder público. "O carnaval de rua foi proibido sob alegações sanitárias que não se justificam e soam como hipocrisia. O desfile de abril salva alguma coisa que está ligada ao emprego e à cadeia produtiva da cidade", comentou.
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O poder do Carnaval

O Brasil "celebra" neste ano o seu segundo Carnaval em meio ao surto da COVID-19 no país. Com as restrições impostas pelo prefeito Eduardo Paes, a expectativa é a de que a festa de 2022 movimente valores 33% menores do que aqueles verificados em 2020, antes da pandemia.
Ao falar a respeito dos números para o período, em especial dada a sua capacidade de movimentar os setores hoteleiro, de turismo e de alimentação, Leandro Vieira destaca que é "preciso falar também sobre os trabalhadores do Carnaval".

"Essa festa bonita que passa na televisão, celebrada internacionalmente, que gera uma série de benefícios econômicos para a cidade, para essa festa acontecer, existe uma série de atividades de trabalho que a prefeitura estima empregar cerca de 43 mil pessoas. Ficar dois anos sem Carnaval é uma derrota muito grande. É preciso entender que, além da festa, Carnaval é trabalho", afirmou.

O prefeito carioca tentou conciliar as festas, o orçamento para a cidade e a geração de empregos. Ele chegou a propor aos blocos e patrocinadores a organização de eventos ao longo do mês de fevereiro, com os principais blocos em três lugares da cidade onde pudesse haver controle sanitário, como o Parque Madureira ou o Parque Olímpico. Em janeiro, pressionada pelos anunciantes e sem conseguir fechar um acordo, a prefeitura se viu obrigada a cancelar o carnaval de rua.
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Eduardo Paes ainda explicou que estava tomando aquela medida porque os blocos precisariam se organizar com muita antecedência e citou o aumento de casos da COVID-19 e o avanço comunitário da Ômicron.

Vulnerabilidade e abandono

Leandro Vieira considera que, para falar em cancelamento do Carnaval, é preciso compreender que há vidas que dependem do setor cultural do Brasil. Nesse sentido, explicou que historicamente "o país trata muito mal a cultura" e falta um "olhar atento do poder público para esse tema".
Para ele, a ausência de políticas públicas para os trabalhadores do segmento significou um aumento muito grande da vulnerabilidade social dos envolvidos no processo de construção dos desfiles na Sapucaí. "O emprego de Carnaval merece ainda um estudo mais atento para a qualidade e o tipo de pessoas que a festa emprega", comentou.
Bateria da Beija-Flor desfila na Sapucaí. Foto de arquivo

"A atividade cultural artística é uma expressão do povo. Faltam políticas públicas que garantam o mínimo de condição para trabalhadores do universo da cultura, que ficaram em extrema vulnerabilidade nos últimos anos", afirmou o carnavalesco.

Segundo Vieira, "tudo o que a sociedade brasileira costuma desprezar, o Carnaval carioca abraça, oferece abrigo e contrata. O Carnaval ajuda muito as pessoas que estão em grave estado de vulnerabilidade social, principalmente as que trabalham na área festiva, como costureiras, carpinteiros, aderecistas, ritmistas e ambulantes".
Nesta foto tirada em 12 de fevereiro de 2018, Nelson Sargento é visto desfilando com sua escola de coração, a Estação Primeira de Mangueira, durante o Carnaval do Rio de Janeiro, no Sambódromo da Marquês de Sapucaí. Foto de arquivo

Enquanto isso...

Embora o prefeito Eduardo Paes tenha cancelado o carnaval de rua no Rio de Janeiro, os blocos pagos foram mantidos, situação que gerou uma série de críticas nas redes sociais, que denunciaram a "privatização de uma importante festa popular". A cidade terá pelo menos 80 blocos particulares na próxima semana.
A prefeitura argumenta que as festas pagas podem exigir o comprovante de vacina contra a COVID-19, diferentemente dos blocos de rua. Os preços mudam de acordo com os lotes e custam, em sua maioria, entre R$ 20 e R$ 180. Segundo um levantamento da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis (Abih), a cidade registra, até o momento, 78% de lotação hoteleira.
Bloco Cordão do Boi Tolo, no bairro da Gamboa, no Rio de Janeiro, em desfile no dia 23 de fevereiro de 2020. Foto de arquivo
Questionado a respeito das determinações do prefeito, Leandro Vieira disse que defende a realização dos desfiles em abril, assim como defendeu "que ele poderia ser em fevereiro". Afinal, segundo ele, estão ocorrendo inúmeras festas fechadas pela cidade.

"A sensação é de que o Carnaval foi privatizado", comentou, enaltecendo mais uma vez que as celebrações de rua foram proibidas sob alegações sanitárias que não se justificam "e soam como hipocrisia".

Para um dos carnavalescos mais vitoriosos na história da Sapucaí, "a não realização dos desfiles em fevereiro é um balde de água fria para quem acreditou em promessas e seguiu a ciência. Era possível desfilar em fevereiro, mas preferiram privatizar as festas", analisou.

"O Carnaval de verdade, em acordo com as tradições culturais do Rio, se dará em 2023. Tivemos dois anos de ausência, em 2021 e 2022. Isso que está acontecendo não é Carnaval. Cadê o Bola Preta? Cadê o Cacique de Ramos? O Cordão do Boitatá? Falta a expressão da cultura popular nas ruas."

Desfile do bloco Cordão da Bola Preta, no Centro do Rio de Janeiro, no dia 10 de fevereiro de 2018.
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