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'Aumentar supervisão civil' é o caminho para evitar interferências na PF, diz especialista

Na semana passada, o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro (PL), mudou novamente o comando da Polícia Federal (PF). A medida levantou suspeitas de ingerência do mandatário na instituição. A Sputnik Brasil ouviu uma especialista em estudos estratégicos para discutir o atual formato de nomeação do comando da PF.
Sputnik
Na última sexta-feira (25), o governo federal confirmou a dispensa de Paulo Maiurino da direção-geral da PF e a nomeação do delegado Márcio Nunes de Oliveira. Conforme publicou O Globo, essa troca pegou de surpresa a cúpula da organização e seria um pedido do ministro da Justiça, Anderson Torres. Ainda segundo o jornal, Torres estaria incomodado com a proximidade de Maiurino com ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).
A mudança na direção da PF se dá em meio ao avanço de inquéritos da instituição sobre o presidente Jair Bolsonaro (PL). Em fevereiro deste ano, ela chegou a acusar o presidente de violação de sigilo funcional pelo vazamento de documentos de uma investigação. Bolsonaro já mudou o comando da Polícia Federal outras três vezes desde o início de sua gestão.
Em Brasília, o então diretor-geral da Polícia Federal (PF), Paulo Maiurino, em 19 de outubro de 2010.
O formato de nomeação da direção da PF está em uma encruzilhada entre o exercício da autoridade política e a autonomia das organizações profissionais, algo presente em toda a burocracia pública. É o que aponta Mariana Janot, especialista em estudos estratégicos e pesquisadora ligada ao Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (UNESP, Unicamp, PUC-SP). Ela indica, porém, que no caso da Polícia Federal há agravantes relacionados ao poder e ao tipo de atuação da instituição, que envolve a operação da violência do Estado.

"Quem assume a posição de chefia de uma força policial como a Polícia Federal comanda um grupo de profissionais que são armados, mas que também são especializados e, principalmente, têm a função de operar com as leis e informações que vão atuar em diversas frentes, com o potencial tremendo de causar danos, seja no nível individual da vida das pessoas, mas também na sociedade, na política e na economia como um todo", explica Janot em entrevista à Sputnik Brasil.

A especialista salienta que o corpo de profissionais de instituições de segurança como a PF precisa respeitar suas lideranças indicadas, reconhecendo na pessoa nomeada o cumprimento de requisitos mínimos da carreira para observar os valores da organização. "Sem hierarquia e disciplina, essas organizações não funcionam", afirma.

"Tudo isso tem que estar de alguma maneira equacionado na confiança da sociedade na legitimidade desse processo. Essa parte é frequentemente escamoteada. É o famoso 'em tese', porque, na prática, o que se observa é que a nomeação dos cargos pode abrir margem para interferências, como formar alianças personalistas, que atendem muito mais a interesses de grupos privados do que qualquer outra coisa. Então, assim, a dança das cadeiras da nomeação do diretor-geral da Polícia Federal nesses últimos anos tem indicado essa linha", aponta.

Policiais federais realizam operação que apura superfaturamento na venda de ventiladores pulmonares para o governo de São Paulo durante a pandemia, 22 de fevereiro de 2022.
Apesar disso, Janot pondera que os problemas atuais não significam que uma autonomia maior do corpo profissional da PF seria necessariamente uma resposta efetiva para barrar interferências políticas. Para a especialista, um exemplo disso é justamente a atuação das Forças Armadas no atual governo.

"O maior exemplo para observar o problema dessa solução — que costuma ser divulgada como uma solução — são as próprias Forças Armadas brasileiras. São, sim, um corpo profissionalizado, especializado, autônomo, que escolheram participar do atual projeto político, mas mantiveram seu espírito corporativo e têm angariado vantagens para a corporação."

Segundo ela, uma solução viável para melhorar o modelo de nomeação é firmar uma vontade política da sociedade de assumir as rédeas das discussões sobre segurança e de controle sobre essas instituições.

"[É necessário] principalmente fazer pressão por reformas urgentes nas forças de segurança: diminuir a autonomia e aumentar a supervisão civil, a gerência civil sobre o que se estuda e o que se aprende em todas essas organizações. O caminho me parece que está por aí", conclui.

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