O ex-inspetor de armas da ONU e denunciante de armas de destruição em massa Scott Ritter conversou com a Sputnik para discutir a operação militar especial da Rússia na Ucrânia. Para ele, diferentemente de outras operações de mesma natureza, "a Rússia não pretende ocupar a Ucrânia. Isso é algo que a liderança russa disse desde o início".
Segundo Ritter, a operação russa está focada em dois pontos de esforços militares não geográficos.
"O primeiro é a desnazificação, a eliminação das formações militares neonazistas de extrema direita e dos partidos políticos que as apoiam, e também a desmilitarização, a eliminação da infraestrutura militar da OTAN [Organização do Tratado do Atlântico Norte] que havia sido instalada na Ucrânia", afirma ele.
Desde o início da operação especial, o Ocidente tem tentado antecipar uma possível ocupação russa da Ucrânia, o que para o especialista não tem qualquer fundamento, uma vez que exigiria mais tropas e um certo grau de complexidade maior.
"[...] O progresso que está sendo feito pelas forças russas, eles [o Ocidente] caracterizam como 'parado' porque os russos não estão capturando Kiev, não estão capturando Kharkov, não estão conquistando recursos físicos no terreno. Eles não estão entendendo que o objetivo russo não é conquistar território, mas destruir a capacidade militar, o que os russos estão fazendo muito bem", observou Ritter.
Para o ex-funcionário da ONU, muito do que se tem noticiado no Ocidente tem a função clara de estabelecer uma narrativa na guerra econômica declarada contra Moscou, cujo objetivo é provocar uma agitação interna na Rússia para, quem sabe, até mesmo provocar a queda do presidente Vladimir Putin, em uma espécie de revolução colorida.
"A imagem de um desastre militar na Ucrânia [...] projeta essa narrativa de volta à Rússia em um esforço para desmoralizar a população russa e fornecer o ímpeto para manifestações populares massivas contra o governo russo", apontou ele.
Recentemente, as forças russas identificaram laboratórios bioquímicos na Ucrânia com profundas ligações com o governo norte-americano. Países como Israel e China já instaram os EUA a explicar tais evidências que só aumentam a certeza do Kremlin sobre o porquê de a OTAN nunca ter tido interesse no fim dos conflitos em Donbass. Segundo Scott Ritter, a ideia de que a Rússia estaria planejando um ataque com armas químicas na Ucrânia é uma velha tática na guerra de informações a que todo conflito acaba sujeito.
"[Essa] é uma reação padrão quando um lado é pego fazendo algo que não deveria estar fazendo, eles procuram projetar a culpa no outro lado. Não tenho dúvidas de que os russos não estão preparando um ataque com armas químicas. Isso não faz sentido, tanto do ponto de vista militar quanto político", afirmou.
Sem justificar o fato a respeito das conexões do Departamento de Defesa dos EUA com os laboratórios encontrados na Ucrânia, o governo norte-americano busca junto do Ocidente, através de uma campanha midiática, disseminar informações falsas, tanto sobre o caráter da operação militar especial russa quanto sobre as expectativas de um ataque com armas biológicas, algo que, segundo Ritter, apenas os EUA e não a Rússia, estariam capacitados a fazer.
"É um absurdo. É ridículo, mas é parte integrante da campanha de guerra de informação que está sendo travada pelo Ocidente contra a Rússia", disse.
Com a retirada desmoralizante da OTAN no Afeganistão, Ritter não tem dúvida de que sua expansão para o leste não passa de um exercício de construção de autoconfiança. Questionando o propósito de existência da aliança como uma força militar nos dias de hoje, o especialista argumenta que os investimentos feitos no âmbito dessa cooperação militar precisam ser justificados.
"Quero dizer, qual é o propósito da OTAN? A incursão russa na Ucrânia deu nova vida àqueles que acreditam que há um propósito contínuo para a OTAN. Mas uma coisa é dizer que a OTAN é relevante, outra coisa é tornar a OTAN relevante. E uma das coisas que sabemos sobre a OTAN na última década é que ela é militarmente impotente. Não tem capacidade militar viável."
O papel da OTAN no conflito tem se desenhado de maneira preocupante na medida em que milhões e milhões de ucranianos buscam refúgio nos países da Aliança Atlântica, o que, para Ritter, por si só já é uma catástrofe econômica e humanitária.
"Quanto mais essa crise durar, quanto mais refugiados aparecerem na fronteira, quanto mais refugiados forem acolhidos pelas nações da OTAN, mais provável será que alguém na OTAN pense que colocar as chamadas forças de manutenção da paz no oeste da Ucrânia seja uma boa ideia. Se isso acontecer, de repente passamos de zero chance de um conflito entre a OTAN e a Rússia para 100% de chance de um conflito entre a OTAN e a Rússia. Agora, eu diria que é cinquenta e cinquenta."