Nesta quarta-feira (6), o diretor do departamento da América Latina do Ministério das Relações Exteriores da Rússia, Aleksandr Schetinin, disse que os EUA e seus aliados exercem pressão para que países da região adotem sanções contra a Rússia.
"A América Latina está sob enorme pressão do coletivo ocidental, que utiliza um arsenal de instrumentos, tais como influência política, promessas e chantagens econômicas, subestimando as consequências globais, sociais e econômicas das sanções impostas contra a Rússia, em particular em setores como energia, finanças e segurança alimentar", disse Schetinin à Sputnik.
Parte significativa dos países latino-americanos não aderiu às sanções impostas contra a Rússia pelos EUA e seus aliados. Em audiência no Senado Federal nesta quarta-feira (6), o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Carlos França, criticou as sanções, dizendo que elas "tendem a atender os interesses de um grupo pequeno de países, prejudicando a larga maioria, que depende de insumos básicos".
O diretor do Instituto da América Latina da Academia de Ciências da Rússia, Dmitry Razumovsky, no entanto, lembra que "não podemos ter a ilusão" de que a América Latina é unânime em sua posição em relação à Rússia.
"A América Latina recebe informações sobretudo de agências de notícias ocidentais. E, claro, isso deixa a sua marca", disse Razumovsky à Sputnik Brasil. "Além disso, os latino-americanos têm bastante apreço pela questão da integridade territorial e não intervenção, por sua experiência própria dolorosa com esses temas."
Apesar de grande parte dos países da América Latina não endossarem o início da operação militar especial russa na Ucrânia, a imposição de sanções econômicas e o discurso moralizante do Ocidente são vistos com desconfiança na região.
"A rejeição às sanções econômicas ocorre porque a região já foi objeto de sanções e bloqueios econômicos", notou Razumovsky. "E há uma forte rejeição do discurso moralizante dos EUA, questionando o direito de um país que adota postura imperialista ao redor do mundo de julgar os demais."
Diretor do Instituto de América Latina da Academia de Ciências da Rússia, Dmitry Razumovsky, durante palestra na agência de notícias Sputnik, Moscou, Rússia, 27 de setembro de 2021
© Sputnik / Nina Zotina
Além disso, elites políticas em países como o Brasil temem que o sistema de sanções montado por Washington possa um dia ser usado contra elas.
"No nível de governantes claro que isso não será dito, mas acadêmicos e especialistas lembram bem que durante a campanha do [presidente dos EUA, Joe] Biden houve ameaça pública e aberta de imposição de sanções contra o Brasil em função da política do governo na Amazônia", lembrou Razumovsky.
Portanto, o acadêmico acredita que "a América Latina vai resistir às pressões e não adotar sanções econômicas contra a Rússia".
Sanções secundárias
A rejeição regional das sanções econômicas unilaterais não impede que as transações com Moscou sejam dificultadas no curto e médio prazo.
Segundo Razumovsky, grande parte do comércio entre Rússia e América Latina era realizado pelo porto de Rotterdam, nos Países Baixos, que se encontra bloqueado, e por intermédio de grandes empresas logísticas ocidentais, como a Maersk.
"Não é fácil manter o comércio, mesmo que os países não imponham sanções", disse o especialista. "Precisamos desenvolver um sistema de comércio mais independente com a América Latina [...] que não dependa de empresas logísticas ou bancos ocidentais."
Contêiner sendo descarregado de um navio de carga enquanto está atracado no Porto de Haifa, Israel, 8 de agosto de 2021
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Segundo ele, "precisamos reconhecer" que haverá uma redução no volume de comércio no primeiro semestre de 2022, em função de "uma parada brusca nos fluxos logísticos". Mas, "como isso se desenvolverá daqui para a frente, vai depender da nossa proatividade".
O diretor do departamento da América Latina do Ministério das Relações Exteriores da Rússia, Aleksandr Schetinin, disse à Sputnik que a Rússia e os países da região estão discutindo a adoção de sistemas de pagamentos em moedas nacionais.
Razumovsky lembra ainda que os países do BRICS, que reúne Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, elaboraram um sistema de pagamentos próprio, chamado BRICS Pay, que pode ser reativado.
"Caso essas soluções não sejam possíveis, podemos usar moedas de países terceiros, como o yuan, por exemplo. Essa possibilidade existe e falar sobre isso é necessário", disse o especialista.
Passado o choque inicial, o especialista acredita que as perspectivas de comércio entre as partes são positivas, uma vez que "a América Latina é um dos principais mercados que se manterão abertos para a Rússia, ao lado de Ásia e África".
A Rússia e a esquerda latino-americana
Razumovsky comentou um tema bastante em voga no debate público brasileiro: o de que a Rússia seria um país mais alinhado com a esquerda latino-americana. A relação de Moscou com países como Venezuela, Nicarágua e Cuba e a herança soviética são as bases desse argumento que associa a Rússia moderna ao socialismo.
"A concepção de política externa da Rússia está baseada em três pilares básicos: pragmatismo, desideologização e o amparo no interesse nacional", explica o acadêmico. "Então a dimensão ideológica, de esquerda-direita, não é algo em que a Rússia tenha interesse em se associar."
Ele reconhece que, durante a chamada "onda rosa" de governos de esquerda na América Latina, entre o começo dos anos 2000 e meados da década de 2010, houve uma forte demanda por relações mais próximas com a Rússia.
"Políticos de centro esquerda e esquerda radical consideravam, por inércia, a Rússia um país de esquerda [...] e demandavam dela um papel de contrabalanço ao peso dos EUA na região", relatou Razumovsky. "A Rússia atendeu a essa demanda, mas não necessariamente a elaborou ou a promoveu."
Venezuelano vestido de camiseta com Hugo Chavez
© AP Photo / Alejandro Cegarra
O especialista lembra que a Rússia foi convidada para aderir como membro associado e Estado observador tanto da ALBA (Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América), capitaneada pela Venezuela, como da Aliança do Pacífico, formada por países considerados mais próximos a Washington, como Colômbia, Chile e Peru. Moscou, no entanto, optou por não consolidar a adesão a nenhuma das duas agremiações.
"Essa política de equilíbrio foi importante para a Rússia quando diversos países realizaram a transição de governos mais à esquerda para governos mais à direita, como na eleição de [Maurício] Macri na Argentina e, claro, de [Jair] Bolsonaro no Brasil", declarou.
Após um período de relativa desaceleração do comércio entre Rússia e América Latina, as trocas comerciais bateram recorde histórico em 2021, ultrapassando os US$ 10 bilhões (cerca de R$ 47 bilhões).
Jair Bolsonaro, presidente do Brasil (à direita), e Vladimir Putin, presidente da Rússia, se encontram durante cúpula do BRICS em Brasília
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Independente do grupo que esteja no poder nos principais países latino-americanos, a Rússia está aberta à cooperação, assegurou o diretor do departamento da América Latina da chancelaria russa, Aleksandr Schetinin.
"Estamos abertos para continuar a cooperação construtiva, pragmática e desideologizada com os latino-americanos e adaptar-nos juntos às novas realidades", disse Schetinin à Sputnik. "Uma crise nos métodos antigos abre uma janela para novas oportunidades."