Nesta quinta-feira (14), o vice-presidente do Conselho de Segurança russo, Dmitry Medvedev, disse que a eventual entrada da Finlândia e da Suécia na Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) colocaria sob risco a manutenção do Báltico como zona livre de armas nucleares.
"Não tem como continuarmos falando sobre um status de zona livre de atividades nucleares no Báltico. O balanço deverá ser retomado", disse Medvedev, que foi presidente da Rússia entre 2008 e 2012.
Segundo ele, caso Finlândia e Suécia abandonem sua neutralidade e se unam à aliança militar ocidental, a Rússia terá que reforçar suas forças terrestres, navais e aéreas, inclusive no enclave russo de Kaliningrado, localizado entre a Polônia e Lituânia.
O vice-presidente do Conselho de Segurança da Rússia, Dmitry Medvedev, durante uma reunião em Moscou, em 4 de dezembro de 2020
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No dia anterior (13), a primeira-ministra da Finlândia, Sanna Marin, disse que iniciará o debate interno sobre adesão formal do país à OTAN.
"Eu não vou estabelecer nenhum prazo de quando tomaremos nossa decisão, mas acho que acontecerá bem rapidamente – em algumas semanas ou meses", disse Marin.
A primeira-ministra da Suécia Magdalena Andersson, por sua vez, afirmou que a situação de segurança de seu país foi alterada pelo início da operação militar russa na Ucrânia.
"O dia 24 de fevereiro foi um marco. A situação de segurança mudou completamente", disse Andersson. "Nesse caso, temos que realmente repensar o que é melhor para a Suécia e para a nossa paz nessa nova situação."
A primeira-ministra da Suécia, Magdalena Andersson, na Comissão Europeia em Bruxelas, na Bélgica, em 10 de dezembro de 2021
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De acordo com o professor e pesquisador da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Fred Leite Siqueira Campos, Suécia e Finlândia arriscam desestruturar seu modelo econômico de sucesso ao abandonar a neutralidade.
"Uma das razões pela alta qualidade de vida e sucesso econômico desses países escandinavos é justamente o fato de que se mantiveram neutros e não criaram inimigos", disse Siqueira Campos à Sputnik Brasil. "Isso é uma vantagem geopolítica extraordinária."
De fato, a Suécia se manteve neutra durante as duas guerras mundiais e não se engaja em conflitos militares há mais de 200 anos. A neutralidade finlandesa data de 1948, quando assinou um tratado com Moscou se comprometendo a não entrar nem na OTAN, nem no Pacto de Varsóvia, aliança militar então liderada pela União Soviética.
Jovens dos EUA, URSS e Finlândia no Acampamento Internacional de Crianças do Festival Mundial da Juventude e Estudantes, 1985
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/ "Ao abandonar a neutralidade, esses países vão ter que arcar com gastos militares, reorientando os seus orçamentos nas áreas de desenvolvimento social, saúde e educação", notou Siqueira Campos, que coordena o grupo de estudos e pesquisa sobre Rússia da UFSC.
Membros da aliança militar do Atlântico Norte se comprometem a gastar 2% do seu Produto Interno Bruto em armas e equipamentos de defesa. Apesar da Suécia ter uma base industrial de defesa, boa parte destes recursos acabam sendo gastos em importação de armamentos de grandes produtores, como os EUA.
"O mais sério, porém, é que esses países vão perder a sua autonomia político-militar, uma vez que vão entrar nos estratos de influência de países como EUA e Reino Unido", disse Siqueira Campos. "Suécia e Finlândia passarão a ter obediência a uma organização exógena aos seus territórios. Não vejo nenhum benefício nisso."
O maior beneficiado da entrada da Suécia e Finlândia na OTAN são os EUA que, segundo Siqueira Campos, usam guerras externas para turbinar sua venda de armas e superar crises econômicas domésticas.
"Para os EUA será muito vantajoso poder colocar armas em um país como a Finlândia, que tem fronteiras secas com a Rússia", disse Siqueira Campos. "A presença norte-americana no Ártico, que é uma região que será muito importante para a economia mundial num futuro próximo, também sairá fortalecida."
Soldados dos EUA fazem treinamento com sapatos especiais para uso na neve, em treinamento chamado "Luz do Ártico", em 2012 (foto de arquivo)
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A atual administração Biden nos EUA parece empenhada em admitir os novos membros escandinavos na aliança militar.
"Sem citar países em particular, nós não estaríamos preocupados que a expansão de uma aliança defensiva nada faria além de promover a estabilidade no continente europeu", disse o porta-voz do Departamento de Estado dos EUA, Ned Price.
No entanto, a adesão deve passar pelo crivo de dois terços do Senado norte-americano. De acordo com o jornal norte-americano Washington Post, senadores do Partido Republicano podem minar a adesão, argumentando que nova expansão da OTAN poderia ser recebida por outras potências militares como uma provocação.
Para a Rússia, a entrada da Finlândia e Suécia exigirá reforços na defesa da zona setentrional do país. No entanto, o ex-presidente Dmitry Medvedev acredita que elas não devem ser comparadas a uma eventual entrada da Ucrânia na aliança militar ocidental.
"Não temos disputas territoriais com esses países [Finlândia e Suécia] como temos com a Ucrânia. Então o preço da filiação deles é diferente para nós", disse o ex-presidente russo.
Ele ainda lembrou que a opinião pública dos países escandinavos segue dividida em relação à adesão à OTAN "apesar do esforço máximo dos propagandistas locais".
"Nenhuma pessoa sensata quer preços mais altos, mais impostos, mais tensões nas suas fronteiras, [sistema de mísseis balísticos] Iskanders, armas hipersônicas e navios carregados com armas nucleares do lado da sua casa", disse Medvedev. "Esperamos que o bom senso prevaleça entre os nossos vizinhos do norte."
Brasil na OTAN
A expansão da OTAN não se resume à região geográfica na qual, em tese, ela deveria operar: o Atlântico Norte. A organização possui iniciativas como o Diálogo Mediterrâneo, que inclui países como Israel, Jordânia e Egito, e a Iniciativa de Cooperação de Istanbul, que conta com Bahrein, Kuwait, Catar e Emirados Árabes Unidos.
Na América Latina, o único parceiro extrarregional da OTAN até o momento é a Colômbia. Desde o governo Michel Temer, no entanto, o Brasil busca a obtenção desse status.
"Mas o passo cabal do ponto de vista do Brasil foi dado durante a gestão Bolsonaro, primeiramente na chancelaria do Ernesto Araújo, junto ao governo [do ex-presidente norte-americano] Donald Trump", disse o cientista político e professor de Relações Internacionais da Faculdade de Campinas (FACAMP) Pedro Costa Júnior.
Segundo ele, a entrada do Brasil na OTAN é uma ideia que avançou enquanto os governos de Bolsonaro e Trump se encontravam "umbilicalmente ligados". A partir da chegada à Casa Branca de Joe Biden, em janeiro de 2021, a iniciativa tende a perder força.
O presidente do Brasil, Jair Bolsonaro (à esquerda), e o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump (à direita), deixam uma coletiva de imprensa na Casa Branca em 19 de março de 2019.
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"A adesão do Brasil à OTAN perde força a partir da não reeleição de Trump", lembrou Costa Júnior. "Com o governo Biden, as relações entre Brasil e EUA sofrem uma espécie de fratura."
Ademais, o especialista em política externa dos EUA e autor do livro "Colapso ou Mito do Colapso?" acredita que a crise na Ucrânia deve levar a OTAN a focar suas atenções na Europa.
"A prioridade da aliança será sua expansão na Europa, por exemplo entre países historicamente neutros, como Suíça, Suécia e Finlândia", notou Costa Júnior. "Isso tira o foco do Brasil."
O especialista acredita, no entanto, que a adesão de Brasília à aliança militar não faz sentido "nem do ponto de vista geopolítico, nem do geoestratégico".
"Não estamos inseridos no teatro geopolítico [do Atlântico Norte] historicamente […] e teríamos que enviar tropas para combater guerras na Europa?", questionou o professor.
Adestramento conjunto de salto livre operacional (SLOP) entre as Forças Singulares: Marinha do Brasil, Exército Brasileiro e Força Aérea Brasileira
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Para ele, não seria do interesse do Brasil se envolver em conflitos exógenos, uma vez que o país "tem fronteiras bem resolvidas e administradas com dez países, é pacífico e não possui armas nucleares".
Portanto, em contextos de crise geopolítica, estar fora do foco de uma aliança militar como a OTAN pode ser, de fato, uma vantagem.
Nesta quarta-feira (13), as primeiras-ministras da Suécia e Finlândia, Magdalena Andersson e Sanna Marin, respectivamente, realizaram um encontro para debater a eventual filiação de seus países à aliança militar Organização do Tratado do Atlântico Norte.