Embora a Rússia tenha denunciado, em reiteradas e documentadas ocasiões, a existência de um projeto de armas biológicas dos Estados Unidos em laboratórios na Ucrânia, parece haver pouco interesse da imprensa ocidental pelo assunto. O tema, nas raras vezes em que é abordado, recebe um tratamento "simplório", como se se tratasse de uma guerra de narrativas.
As provas do crime, entretanto, como definiu Charles Pennaforte à Sputink Brasil, atestam que existe "um perigo para a comunidade internacional" que precisa ser "explicado por Washington e qualquer outro país que esteja envolvido em situação similar".
O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, quando questionado sobre o assunto, rebateu as acusações e negou a participação norte-americana. Valendo-se da simpatia da mídia ocidental, ele ainda afirmou que Moscou apresenta sinais de que estaria estudando usar armas químicas na Ucrânia.
A localização de laboratórios biológicos dos Estados Unidos na Ucrânia
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A acusação norte-americana visa encobrir um fato notório divulgado recentemente pelo Ministério da Defesa da Rússia: a divulgação dos nomes dos envolvidos no projeto secreto promovido por Washington.
Um dos citados foi o norte-americano Curtis Bjelajac, que ocupava o cargo de diretor-executivo do Centro de Ciência e Tecnologia Ucraniano (STCU, na sigla em inglês). Nascido na Califórnia, ele trabalha na Ucrânia desde 1994.
Igor Kirillov, chefe das Forças de Defesa Química, Biológica e de Radiação da Rússia, observou, na última quinta-feira (14), que os documentos obtidos pelo Ministério da Defesa da Rússia confirmam a conexão entre o STCU e o departamento militar dos EUA por meio do principal contratado do Pentágono, a empresa de engenharia Black & Veatch.
Valores destinados às empresas contratadas pela Agência de Defesa para a Redução de Ameaças (DTRA, na sigla em inglês) na Ucrânia.
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O ministério russo tem a correspondência do vice-presidente dessa empresa, Matthew Webber, na qual ele expressa disponibilidade para trabalhar com o STCU na pesquisa biológica militar em andamento na Ucrânia.
Para Charles Pennaforte, "a existência de centros de pesquisas biológicas com subsídios governamentais representa um perigo para a comunidade internacional. Em situação de conflito, esse perigo aumenta ainda mais. Sabemos que muitos países atualmente manipulam tecnologias biológicas que podem ser utilizadas sob forma militar".
O especialista se refere aos documentos que revelaram que os EUA gastaram mais de US$ 200 milhões (R$ 1 bilhão) em trabalhos de diversos laboratórios biológicos na Ucrânia. Sob o direcionamento de cientistas norte-americanos, especialistas ucranianos estudavam a possibilidade de disseminar cólera, febre tifoide e hepatites A e E pela água.
No início de março, após a descoberta dos laboratórios, o diretor das Forças de Defesa Química, Biológica e de Radiação já havia afirmado que as atividades eram uma violação dos EUA e da Ucrânia da convenção da ONU (Organização das Nações Unidas) sobre a proibição de armas biológicas e à base de toxinas.
"Acredito que a atual situação deva ser explicada de maneira concreta tanto por Washington como por qualquer outro país que esteja envolvido em situação similar", declarou Charles Pennaforte.
Segundo Igor Kirillov, países promoveram experimentos com bactérias da peste, antraz e brucelose em um laboratório biológico de Lvov e com patógenos da difteria, salmonelose e disenteria nos laboratórios de Carcóvia e Poltava. Apenas em Lvov foram destruídos 232 recipientes com leptospirose, 30 com tularemia, dez com brucelose e cinco com peste.
Operação secreta dos EUA
Há três empresas dos EUA com operações na Ucrânia: Metabiota Inc., Southern Research Institute e a Black & Veatch. Todas têm ex-militares e ex-funcionários da inteligência dos EUA em posições no alto escalão. Além do Pentágono, essas empresas operam projetos de pesquisa biológica para a CIA (Agência Central de Inteligência, na sigla em inglês) e outras agências de governo.
Segundo um acordo de 2005 entre o Departamento de Defesa dos EUA e o Ministério da Saúde da Ucrânia, o governo de Kiev está proibido de divulgar qualquer informação "sensível" sobre o programa norte-americano.
Enquanto isso, a Ucrânia tem a obrigação de transferir patógenos perigosos dos laboratórios em seu território para o Pentágono para pesquisas biológicas adicionais. Em troca, os militares dos EUA têm acesso aos segredos de Estado da Ucrânia relacionados aos projetos em andamento.
Nos últimos 20 anos, o STCU canalizou US$ 285 milhões (cerca de R$ 1,3 bilhão) em financiamento e administrou cerca de 1.850 projetos ao redor do mundo.
Tendo em vista que a Ucrânia, Belarus e o Cazaquistão destruíram seus arsenais de armas nucleares, o programa teria terminado em 2013. No entanto, em 2021, uma lei foi introduzida no Congresso dos EUA para renovar o programa de forma ostensiva para a "renovada ameaça de proliferação de armas de aniquilação em massa".
Em 2013, uma das empresas contratadas pela Agência de Defesa para a Redução de Ameaças (DTRA, na sigla em inglês) para a execução do programa era a Raytheon Technical Services Company LLC, com um contrato no valor de US$ 43,9 milhões (cerca de R$ 208 milhões).
Em 2016, a STCU recebeu um contrato de cinco anos da DTRA para providenciar serviços técnicos e científicos na quantia de US$ 10 milhões (cerca de R$ 47 milhões). Atualmente não há clareza quanto ao tipo de atuação da STCU na Ucrânia.