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'Controle emergencial' de preços na Petrobras pode ajudar no combate à fome, dizem economistas

A fome voltou às ruas brasileiras e pode ser agravada pelo cenário internacional. A Sputnik Brasil ouviu economistas para explicar as razões internas e externas para o crescimento da fome no país e possíveis medidas de combate à crise econômica que impulsiona a insegurança alimentar.
Sputnik
Cerca de 116 milhões de brasileiros vivenciam algum nível de insegurança alimentar e 19 milhões estão passando fome. Esses são dados de 2021 do Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no contexto da pandemia da COVID-19 no Brasil, relatório da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Penssan).
O cenário de crescimento da fome no Brasil se dá em um contexto de crise econômica, com baixo crescimento, alto desemprego e inflação de dois dígitos. Produtos básicos como a gasolina e os alimentos vivem uma disparada nos preços. Essa situação foi agravada ao longo da pandemia da COVID-19 e pode se intensificar com os efeitos do conflito na Ucrânia.
O economista Rafael Ribeiro, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), afirma que a crise ucraniana afeta diretamente a fome no Brasil por meio do aumento dos preços dos alimentos. Ribeiro explica que o país europeu é um grande produtor de milho e trigo, produtos utilizados tanto na alimentação humana como na criação de animais.

"Isso tende a encarecer não só esses produtos, como milho e trigo, mas também a produção da carne e, certamente, o encarecimento dos bens alimentícios tem impacto sobre a fome", diz o pesquisador em entrevista à Sputnik Brasil.

Ribeiro lembra que a oscilação do gás e do petróleo, produtos exportados pela Rússia, também afeta esse cenário. O economista explica que a variação no preço dos combustíveis influencia o custo do transporte e, por consequência, dos produtos em geral. Segundo ele, com o aumento do custo de vida e a redução do poder de compra das famílias, há uma tendência de agravamento do problema da fome.
Uma bandeira chinesa é vista em frente a contêineres no porto de águas profundas de Yangshan, um cais de carga automatizado, em Xangai (foto de arquivo)
Já o economista Marco Antonio Rocha, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) recorda que o Brasil vivencia o aumento dos preços de combustíveis e alimentos desde 2020, principalmente devido à desvalorização cambial e à disparada dos preços das commodities. Segundo ele, a situação na Ucrânia pode intensificar um problema que já é "crítico" no Brasil.

"Esse cenário é muito preocupante porque a gente já vem de pelo menos um ano de inflação alta em um momento em que a taxa de desemprego é muito alta e a atividade econômica é baixa. Isso dificulta muito negociações de reposição de perdas salariais. A gente teve um declínio acentuado do rendimento médio do trabalho e isso significou uma perda de renda significativa para as famílias brasileiras", avalia o pesquisador em entrevista à Sputnik Brasil.

Possíveis medidas emergenciais

Para o economista Marco Antonio Rocha, alterar a política de preços da Petrobras "seria uma medida urgente". Segundo ele, essa seria uma forma de deter a escalada de preços no país. O economista Rafael Ribeiro também avalia que o governo poderia realizar uma ação de controle emergencial dos preços de combustíveis na estatal.

"Nesse caso, seria possível fazer um controle emergencial dos preços da Petrobras, haja vista que a empresa teria margem para acomodar uma queda dos preços, dado que os lucros da companhia têm crescido fortemente", explica Ribeiro.

Logotipo da Petrobras no Aeroporto Internacional de Cabo Frio
Além disso, Marco Antonio Rocha salienta que é necessário recuperar o investimento em estoques reguladores de alimentos e sugere medidas fiscais sobre a exportação desses produtos.
"Seria interessante que o governo pensasse em um imposto para exportações. Isso diminuiria o fluxo de alimentos ao mercado internacional, suavizaria o preço para o mercado doméstico e poderia fornecer uma fonte de renda ao governo que ele poderia utilizar, inclusive, para políticas de combate à fome", sugere.
O pesquisador vislumbra que com essa medida seria possível financiar cozinhas públicas e organizações que já vêm atuando no campo do combate à insegurança alimentar no Brasil, ampliando a capilaridade das políticas públicas.
Nesse sentido o economista Rafael Ribeiro acredita que uma solução possível para reduzir a fome de forma rápida seria a criação de algum tipo de auxílio financeiro. Dessa forma, o governo poderia minimizar de forma emergencial o impacto do aumento dos preços dos alimentos sobre a população.

'Pior dos mundos': economia travada dificulta combate à fome

O combate ao crescimento da fome no Brasil se dá em um contexto de desafios econômicos. Conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o desemprego no país está em 11,1%, enquanto o principal índice de inflação, o IPCA, acumula alta de 11,3%. Para o economista Rafael Ribeiro, esses são indicadores de todos os motores de crescimento da economia brasileira estão travados.

"A gente tem o consumo das famílias estagnado, o investimento das firmas também estagnado em função das incertezas decorrentes do cenário da economia brasileira. Os gastos do governo também estão estagnados, principalmente por causa das amarras fiscais. A única fonte possível de crescimento seriam as exportações", afirma Ribeiro, acrescentando que essa solução é travada pelo "forte grau de incerteza no comércio internacional" devido à crise ucraniana e aos lockdowns na China.

O economista Marco Antonio Rocha, da Unicamp, salienta que houve erros nas políticas governamentais desde 2016 que levaram a esse cenário de crise e aumento da fome. Entre eles, Rocha destaca a falta de recomposição dos estoques reguladores e a queda da área cultivada de alimentos básicos em prol da produção de commodities.

"Há uma conjuntura marcada pela inflação alta, acompanhada de um nível de atividade econômica muito baixa e alto desemprego. É o pior dos mundos", afirma.

Além disso, o economista critica a atuação do Banco Central, que teria empurrado o Brasil para um cenário de estagflação.
"No curto prazo, a gente tem uma gestão do Banco Central muito infeliz durante 2020, que forçou uma baixa de juros muito acentuada, o que resultou em uma volatilidade alta da taxa de câmbio e em uma desvalorização significativa — isso em plena pandemia. Isso já provocou o início de um choque inflacionário na economia brasileira", afirma.
Em Brasília, uma imagem da fachada do Banco Central em 18 de janeiro de 2021
Para Rafael Ribeiro, o quadro geral de problemas na economia brasileira se dá por uma série de políticas adotadas ao longo dos últimos anos, como a reforma trabalhista e a implementação do teto de gastos. Segundo ele, o resultado dessas políticas foi uma situação de instabilidade e estagnação econômica.
"O que a gente viu foi um aumento do desemprego, uma piora nas condições do mercado de trabalho, no qual as famílias se colocaram em postos de trabalho mais precarizados. Isso gerou uma queda na massa de salários, aumento da informalidade, aumento do endividamento das famílias. Essas políticas geraram forte instabilidade política e econômica, o que gera incertezas e retrai os investimentos do setor privado", avalia.
Diante desse cenário, o pesquisador aponta que para sanar a situação seriam necessárias medidas estruturais que dependem essencialmente de investimentos públicos. "É preciso destravar alguns mecanismos de crescimento como, por exemplo, a capacidade do Estado de voltar a investir em infraestrutura e diversificação da matriz energética", diz.
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