Tendo introduzido sanções abrangentes contra fornecedores de energia russos, a União Europeia (UE) está cortejando produtores africanos de hidrocarbonetos para reduzir sua dependência de Moscou, de acordo com a Bloomberg.
No entanto, esse "desligamento" levaria anos, ou até mesmo pode nunca ser realizado em sua totalidade, segundo especialistas.
"A União Europeia está se agarrando a canudos. Os esforços [do bloco] para diversificar suas necessidades de gás para longe da Rússia é um trabalho árduo que levará anos para ser realizado, ou nunca", disse à Sputnik o dr. Mamdouh G. Salameh, economista internacional do petróleo e professor visitante de economia de energia na ESCP Europe Business School, em Londres.
A virada do bloco europeu para a África não é surpresa por conta dos vastos recursos energéticos do continente africano. De acordo com algumas estimativas, a Nigéria provou depósitos de gás de 5,83 bilhões de metros cúbicos, a Argélia, que ocupa o segundo lugar, tem aproximadamente 4,50 bilhões de metros cúbicos e o Senegal 3,40 bilhões de metros cúbicos, entre outros.
Contudo, observadores indicam que o principal obstáculo para explorar essas vastas reservas de energia é superar a infraestrutura subdesenvolvida.
"Os dois exportadores relativamente significativos de GNL africanos são a Argélia e a Nigéria. O restante dos produtores africanos tem capacidades limitadas de produção e exportação sem usinas de GNL nem gasodutos", aponta Salameh.
Ainda assim, o especialista enxerga como única opção realista "transportar o gás na forma compactada em vez da forma liquefeita".
"Isso pode ser feito com as tecnologias existentes, comprimindo o gás em navios dedicados e descarregando-o no lado receptor. Essa abordagem dispensa a necessidade de construir instalações de liquefação e regaseificação. Mas também aqui, embora a tecnologia já exista, levará tempo para construir os navios-tanque dedicados. Também não está claro se o norte da África tem a capacidade de aumentar o fornecimento de gás no curto prazo. Isso exigirá um investimento significativo e não há plano de quem investirá", acrescenta.
Desde o início da operação especial da Rússia na Ucrânia, autoridades da UE introduziram várias rodadas de sanções contra Moscou. Na quarta-feira (4), o bloco informou que vai sancionar o petróleo russo, proibindo as importações de petróleo bruto dentro de seis meses e produtos refinados até o final do ano.
Alguns Estados-membros se opuseram a medida, como a Eslováquia e a Hungria, dizendo que o prazo estabelecido pelo bloco é irreal diante da demanda dos países e que tal ação poderia "destruir a economia europeia", segundo declarações feitas na quarta-feira (4) pelo ministro de Energia eslovaco, Karol Galek.
Atualmente, a UE pode começar a reduzir sua dependência da Rússia gradualmente ao longo de um período de 10 a 15 anos, e então, possivelmente, o continente africano poderá fornecer à Europa uma alternativa digna, explica Salameh.
Apesar do cortejo a países africanos, o bloco está tentando fechar um acordo com os EUA para entregar 15 bilhões de metros cúbicos de combustível liquefeito adicional em 2022 e mais 50 bilhões de metros cúbicos por ano até 2030.
Ao mesmo tempo, Bruxelas também está considerando assinar um memorando de entendimento trilateral com Egito e Israel para aumentar o fornecimento de GNL à Europa até o verão de 2022.
Um funcionário gira uma válvula em um oleoduto na estação de compressor de gás Bulgartransgaz em Ihtiman em 5 de maio de 2022, uma semana após a interrupção do fornecimento de gás russo à Bulgária pela não aceitação do país para pagar o combustível em rublos
© AFP 2023 / Nikolay Doychinov
No entanto, Salameh argumenta que parece improvável que os grandes produtores de GNL sejam capazes de preencher rapidamente o espaço deixado pela energia russa após o embargo de energia. "A União Europeia nunca poderá substituir o suprimento de gás russo agora ou no futuro próximo", enfatiza o professor.
Salameh também observa que as exportações totais combinadas de GNL dos Estados Unidos, Catar e Austrália mal poderiam substituir o atual fornecimento de gás russo para o bloco europeu.
Ele explica que essa situação decorre em parte pelo fato de que a maior parte das exportações de GNL proveniente desses países são compradas com anos de antecedência por clientes da região Ásia-Pacífico, e também pelo fato da UE ter capacidade limitada de importação de GNL em termos de terminais de GNL e espaços de armazenamento.
Em suma, a União Europeia parece estar dando "um tiro no próprio pé ao cortar abruptamente os laços energéticos com a Rússia", pois pode levar até uma década para o bloco construir infraestrutura suficiente para satisfazer suas necessidades, complementou o economista.