Panorama internacional

Crise na Ucrânia pode levar a guerra nuclear entre EUA e Rússia? Especialistas debatem

Em meio a declarações sobre a possibilidade de uma guerra nuclear entre Moscou e Washington, especialistas norte-americanos e russos se reúnem para debater se estamos, de fato, próximos de uma catástrofe atômica.
Sputnik
Nesta quinta-feira (12), o representante permanente da Rússia junto à União Europeia, Vladimir Chizhov, disse que a Rússia espera que a OTAN não recorra ao uso de armas nucleares na Ucrânia.
"Será que a OTAN irá usar armas nucleares na Ucrânia? Espero que não", disse o diplomata russo em entrevista ao canal britânico SkyNews.
O comentário foi feito após o ex-presidente russo e membro do Conselho de Segurança do país Dmitry Medvedev afirmar que existe risco de conflito nuclear entre a aliança militar ocidental e a Rússia.
"Sempre há o risco de um conflito como esse escalar para uma guerra nuclear de larga escala, um cenário que seria catastrófico para todos", disse Medvedev.
O vice-presidente do Conselho de Segurança da Rússia, Dmitry Medvedev, durante uma reunião em Moscou, em 4 de dezembro de 2020
Para responder ao endurecimento da retórica de líderes mundiais, o clube de discussão Valdai promoveu um debate entre especialistas russos e norte-americanos para definir qual o risco real de uma guerra nuclear.
"A situação atual não é mais grave do que a que tivemos em outubro de 1962 [durante a Crise dos Mísseis em Cuba], quando chegamos de fato muito perto de uma troca de ataques nucleares", declarou o professor emérito da Universidade de Columbia e diretor da Iniciativa de Segurança Euro-Atlântica, Robert Legvold. "Mas desde o fim da Guerra Fria não tínhamos uma crise dessa envergadura."
Legvold disse que a hipótese de um conflito nuclear "ainda é considerada como remota pelos especialistas".
"A diferença é que agora esse cenário é considerado possível, enquanto antes da crise ucraniana era considerado impensável", notou Legvold.
O especialista lembrou o desenvolvimento de doutrinas militares que preveem o uso limitado de armas nucleares, com ogivas de potência reduzida instaladas em mísseis táticos.
Veículo militar BTR-82A do Exército russo na fronteira com a Ucrânia
O pesquisador do Centro de Segurança Internacional do Instituto de Economia Mundial e Relações Internacionais da Academia de Ciências da Rússia (IMEMO-RAN, na sigla em russo) Dmitry Stefanovich lembrou que a dissuasão nuclear entre as potências continua eficaz.
"Apesar de declarações sobre uso de armas nucleares nem sempre soarem bem aos nossos ouvidos, elas funcionam", considerou Stefanovich. "A prova disso é que a OTAN em geral e os EUA em particular não estão dispostos a enviar tropas para o teatro militar ucraniano."
Para ele, não está claro se alguma das partes do conflito poderia se beneficiar do uso de armas nucleares.
"O elemento nuclear ainda não está presente neste conflito", declarou Stefanovich. "Mesmo assim, como disse Medvedev, a ameaça nuclear está conosco sempre, não é algo abstrato. Não podemos excluir totalmente essa possibilidade."

Tropas no terreno

Para Stefanovich, a ausência de tropas norte-americanas na Ucrânia diminui significativamente o risco de um embate nuclear.
"Na minha opinião, tivemos momentos mais perigosos na Síria, onde havia forças de ambos os lados", notou o especialista russo. "Felizmente conseguimos controlar e evitar uma escalada, o que mostra que ainda temos pessoas responsáveis no gerenciamento desse sistema."
O pesquisador do Centro de Segurança Internacional do Instituto de Economia Mundial e Relações Internacionais da Academia de Ciências da Rússia (IMEMO-RAN, na sigla em russo), Dmitry Stefanovich, durante encontro do clube Valdai, em Moscou, Rússia, 12 de maio de 2022
No caso sírio, no entanto, EUA e Rússia mantinham diversos canais de contato destinados a evitar um confronto direto entre as partes. No caso ucraniano o diálogo direto entre as superpotências parece ser escasso.
"De acordo com fontes norte-americanas, existem canais de contato entre a Rússia e os EUA neste momento", revelou Stefanovich à Sputnik Brasil. "Mas eles ainda não foram utilizados, uma vez que não há tropas norte-americanas na Ucrânia."
Segundo ele, canais oficiais ou não oficiais de contato são fundamentais e "é do interesse dos dois países que eles funcionem".
"O único problema é que muitas vezes esses canais se ocupam demasiado com questões rotineiras", considerou Stefanovich. "Quando acontece algo realmente sério, as partes tendem a desconsiderar esses canais como adequados para troca de informações."
Vladimir Putin, presidente da Rússia (à direita), e Joe Biden, presidente dos EUA, durante cúpula na Villa La Grange, em Genebra, na Suíça, em 16 de junho de 2021
O especialista norte-americano Legvold replicou, dizendo que os EUA tentaram estabelecer um canal de diálogo com a Rússia de nível hierárquico mais elevado, mas sem sucesso.
"Os EUA buscaram estabelecer contato com membros do alto escalão militar russo já no contexto da crise ucraniana e, a não ser que algo tenha mudado, não obtiveram resposta", declarou Legvold à Sputnik Brasil.

Controle de armas

Um dos motivos pelos quais a crise geopolítica atual poderia escalar para uma guerra nuclear é o desmantelamento dos acordos de controle de armamentos entre EUA e Rússia.
"No âmbito das relações entre EUA e Rússia, o sistema de controle de armamentos foi desmantelado paulatinamente", lamentou Legvold.
De fato, o acordo para controle de mísseis antibalísticos foi denunciado pelos EUA em 2002 e as iniciativas para diminuição de ameaças (Programa CTR) se extinguiram em 2015. Washington ainda denunciou o acordo de controle de mísseis de curto e médio alcance, chamado Tratado INF, em 2019 e o Tratado de Céus Abertos em 2020.
Preparação para desmantelamento do sistema de mísseis RSD-10 no âmbito do Tratado INF (foto de arquivo)
O único acordo sobrevivente do que Stefanovich chamou de "um verdadeiro cemitério de tratados", foi o acordo Novo START, que reduz o número de armas nucleares estratégicas ofensivas dos EUA e Rússia.
Até o início da crise ucraniana, Moscou e Washington negociavam o texto do acordo que substituirá o Novo START em 2026.
"Os esforços para elaborar um acordo que substitua o Novo START estão suspensos em função do contexto atual", revelou Levgold. "Não haverá discussões sobre controle de armamentos entre EUA e Rússia até que a situação na Ucrânia melhore fundamentalmente."

Moratórias unilaterais

Por trás da névoa da guerra, EUA e Rússia dão sinais de cautela e restrição. Em 20 de abril, o Pentágono notificou a Rússia antes de realizar um teste rotineiro com um míssil intercontinental a fim de evitar que Moscou interpretasse o ato como uma ameaça.
"Algumas moratórias também já foram anunciadas, tanto do lado russo quanto do lado norte-americano", revelou Stefanovich.
Pela parte russa, foi declarada a moratória na instalação de mísseis de curto e médio alcance em regiões nas quais mísseis norte-americanos desta categoria estão ausentes. Os norte-americanos, por sua vez, declararam moratória de testes efetivos com armas antissatélite.
"Isso pode soar como uma gota de água no oceano, mas mostra que Moscou e Washington estão dispostos a agir", disse Stefanovich.
Ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, e o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, durante reunião fora do programa do Conselho Ártico em Reykjavik, 19 de maio de 2021
A escola realista de Relações Internacionais advoga frequentemente que grandes crises geopolíticas podem levar a grades acordos entre potências.
"Espero que esse seja o caso", declarou Legvold à Sputnik Brasil. "As inspeções e os compromissos do acordo Novo START foram mantidos, o que mostra que as partes tem interesse em manter o acordo. Resta saber se o contexto atual vai permitir isso."
Nesta quinta-feira (12), especialistas russos e norte-americanos se reuniram no clube de discussão Valdai para debater a possibilidade de um confronto nuclear entre Rússia e EUA no contexto da crise ucraniana. O grupo de especialistas foi instituído em 2004 com o intuito promover debates sobre segurança internacional.
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