Panorama internacional

Rússia manterá sua participação no comércio brasileiro independentemente da crise, diz analista

Apesar da crise ucraniana, vendas da Rússia para o Brasil no primeiro quadrimestre de 2022 registraram alta de 89% em relação ao mesmo período do ano passado. Exportações brasileiras para a Rússia também registraram alta de 81,3%.
Sputnik
Dados divulgados pela Secretaria de Comércio Exterior do Ministério da Economia do Brasil (SECEX/ME) apontam para um aumento de 89% nas vendas da Rússia para o Brasil no primeiro quadrimestre de 2022, em relação ao mesmo período do ano passado.
Com um total de US$ 2,4 bilhões (cerca de R$ 11,5 bilhões) de vendas para o Brasil, a Rússia se tornou o quinto maior fornecedor do país, atrás somente da China, EUA, Alemanha e Argentina.
Os russos forneceram ao Brasil produtos como adubos e fertilizantes químicos, carvão e óleos combustíveis.
Encontro Empresarial Brasil-Rússia, com a presença do presidente Jair Bolsonaro e empresários russos, 16 de fevereiro de 2022
A principal alta registrada foi no fornecimento russo de fertilizantes e adubos, que totalizaram US$ 1,65 bilhão (cerca de R$ 7,9 bilhões) no primeiro quadrimestre. O valor representa uma alta de 130,7% em relação ao ano passado.
A alta indica que os fertilizantes estão sendo negociados a preços mais altos no mercado internacional. De acordo com dados da MacroSector obtidos pelo jornal Valor Econômico, a alta nos preços desses produtos nos primeiros meses de 2022 é de 149%, quando comparados ao mesmo período de 2021.
Mas o volume de fertilizantes adquiridos pelos produtores brasileiros também apresentou alta significativa.
"O que houve nesse primeiro quadrimestre foi uma grande antecipação de compra de um volume, quando comparamos com o primeiro quadrimestre de 2021", disse o sócio-diretor da Consultoria MARKESTRAT, especializada em Estratégia de Agronegócios, José Carlos de Lima Júnior à Sputnik Brasil. "O volume que o Brasil importou nesses primeiros três meses do ano foi muito superior ao que ele importou no ano passado."
A antecipação de compras é uma resposta ao risco de desabastecimento de fertilizantes que a agricultura brasileira enfrenta desde o início da pandemia.
O Brasil importa cerca de 85% dos fertilizantes utilizados na agricultura nacional. Cerca de 25% desse montante é oriundo da Rússia, que se encontra sob sanções econômicas impostas pelos EUA e seus aliados.
Trator joga fertilizantes em plantação de soja em Campo Mourão, no centro-oeste do Paraná, em 27 de novembro de 2021
Com os resultados, Lima Júnior acredita que "o fantasma do desabastecimento ficou mais distante". No entanto, o especialista aponta que o Brasil tem diversos desafios à frente para garantir o fornecimento de fertilizantes e, consequentemente, a produtividade de sua safra.

"Não é uma situação que está totalmente superada", alertou Lima Júnior. "Uma coisa é você comprar, outra coisa é receber, e a terceira é entregar."

Ele aponta que o produtor brasileiro precisa que o produto seja entregue em data adequada para que haja planejamento da produção.
"Quando começamos a olhar a ponta da entrega em diversas regiões do Brasil, os canais de distribuição no país ainda enfrentam uma certa insegurança, uma vez que a precificação em sua grande maioria não foi passada pelas indústrias", explicou o especialista.

Dependência externa

Apesar das compras antecipadas de fertilizantes, a dependência brasileira dos fertilizantes russos deve se manter no médio e longo prazo, acredita Lima Júnior.
"O Brasil tem uma alta necessidade de importação e um custo muito grande de trazer esse produto lá do Leste Europeu, principalmente de países como Rússia e Belarus", explicou o especialista.
Com o aumento da área plantada na última década, o Brasil passou a depender cada vez mais de fertilizantes produzidos fora do país.
Ministra da Agricultura, Tereza Cristina, durante cerimônia de lançamento do Plano Nacional de Fertilizantes no Palácio do Planalto em Brasília, 11 de março de 2022
"Dificilmente a Rússia vai perder a posição de um importante fornecedor do Brasil, não num curto espaço de tempo", disse Lima Júnior. "O que podemos vir a ter é o desenvolvimento de outras parcerias internacionais [...] e o investimento em produção aqui no Brasil."
Segundo ele, eventos como a pandemia acenderam um alerta mundial para que os países garantam "um mínimo de produção local", não só na agricultura, "mas em várias cadeias de suprimento".

Rússia no páreo brasileiro

Os dados revelados pela SECEX/ME surpreenderam analistas, que acreditavam que o comércio entre Rússia e Brasil ficaria debilitado em função das sanções econômicas impostas pelos EUA e parceiros contra Moscou.
Além do aumento das importações de produtos russos, o Brasil também ampliou suas exportações para a Rússia. As vendas brasileiras para os russos no primeiro quadrimestre totalizaram US$ 741,5 milhões (cerca de R$ 3,5 bilhões), uma alta de 81,4% em relação ao mesmo período do ano passado.
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Os principais produtos exportados para a Rússia foram os do complexo soja, açúcares, café, máquinas não elétricas e carnes.
Com a diminuição do comércio entre a Rússia e parceiros europeus, a expectativa de especialistas em Moscou é que haja maior interação com países da Ásia, América Latina e África.
"No contexto atual, de mudança do cenário global, nossos países [Brasil e Rússia], em parceria com China, Índia, Turquia, países asiáticos e africanos, devem desempenhar um papel importante na formação da nova ordem mundial", disse a brasilianista e professora de Relações Internacionais da Universidade russa da Amizade dos Povos (RUDN) Alla Borzova à Sputnik Brasil.
Segundo ela, as interações entre Rússia e Brasil tendem a aumentar, uma vez que o Brasil não aderiu à política de sanções contra Moscou.
"As sanções impostas contra a Rússia representam uma séria ameaça ao abastecimento de alimentos de uma parte significativa da população mundial, pois dificultam a realização de acordos nas transações de exportação e importação. E tanto o Brasil quanto a Rússia fornecem alimentos para uma parte significativa da população mundial", apontou Borzova.
Professora de Relações Internacionais da Universidade russa da Amizade dos Povos (RUDN), Alla Borzova, durante conferência, 17 de maio de 2022, Moscou, Rússia
Para a brasilianista, a posição brasileira em relação às sanções contra a Rússia não surpreende, uma vez que tradicionalmente o Brasil não apoia sanções que não sejam aprovadas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas.
"A política externa brasileira é caracterizada pela continuidade, fidelidade às normas do direito internacional e pragmatismo na defesa dos interesses nacionais", considerou Borzova. "E o Brasil também já experienciou a pressão norte-americana sobre a sua economia, obstaculizando o desenvolvimento de seu parque de energia nuclear desenvolvido para fins pacíficos."
O ministro das Relações Exteriores do Brasil, Carlos França, declarou em audiência no Senado Federal, em 24 de março, que as sanções impostas contra a Rússia são 'unilaterais' e 'seletivas'.
Apesar dos bons resultados divulgados pela SECEX/ME, a retirada de bancos russos do sistema SWIFT de pagamentos internacionais segue dificultando o comércio entre Brasil e Rússia, principalmente entre empresas de médio e pequeno porte.
De acordo com a SECEX/ME, o Brasil exportou US$ 72,3 bilhões (cerca de R$ 350 bilhões) no primeiro quadrimestre de 2022, um aumento de 29,9% em relação ao mesmo período do ano anterior, e importou US$ 60,5 bilhões (cerca de R$ 292 bilhões) de seus parceiros ao redor do mundo. A corrente de comércio total foi de US$ 132,8 bilhões (cerca de R$ 641 bilhões), com superávit comercial de US$ 11,8 bilhões (cerca de R$ 57 bilhões).
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