O governo dos Estados Unidos anunciou que pretende aliviar algumas das sanções econômicas impostas contra a Venezuela. A Casa Branca emitiu uma licença restrita, autorizando a petroleira norte-americana Chevron a negociar na Venezuela.
Os EUA enfatizaram, no entanto, que a flexibilização das sanções ainda não implica a retomada de projetos conjuntos com a petroleira venezuelana PDVSA.
Sinais de que os EUA estariam dispostos a suspender as sanções impostas contra a Venezuela para estancar a alta dos preços globais do petróleo aumentam desde meados de março, quando o presidente Joe Biden enviou uma delegação a Caracas.
Como resultado das sanções dos EUA impostas à Venezuela de 2014 a 2020, o país perdeu 98% de todas as receitas cambiais externas. Os pagamentos da PDVSA ao Banco Central do país recuaram 99% - de US$ 56 bilhões para US$ 73 milhões por ano.
Tanques de armazenamento do complexo petrolífero estatal da PDVSA perto de El Tigre, cidade localizada no cinturão petrolífero da Venezuela, formalmente conhecido como Cinturão do Orinoco, em 18 de fevereiro de 2015
© AP Photo / Fernando Llano
Os primeiros sinais de reaproximação norte-americana com a Venezuela foram suficientes para que o chanceler brasileiro, Carlos França, aventasse a possibilidade de também o Brasil restabelecer relações diplomáticas com o governo de Maduro.
Durante sabatina no Senado Federal no final de abril, França declarou que a reaproximação com Caracas "é objeto de reflexão diária" e poderia ser iniciada com a retomada das relações consulares.
"Em um momento no qual os EUA analisam abrir exceções ao embargo às exportações venezuelanas de petróleo, realmente me parece que nós podemos pensar em reavaliar essa questão das relações diplomáticas", disse o chanceler brasileiro.
Entre março e abril de 2019, o Brasil fechou suas representações diplomáticas na Venezuela e solicitou que Caracas retirasse seus representantes de Brasília. A medida tinha como objetivo contribuir para o isolamento diplomático e econômico da Venezuela, que poderia levar ao enfraquecimento do governo de Nicolás Maduro.
O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, em 15 de janeiro de 2022
© AP Photo / Matias Delacroix
Passados três anos, especialistas debatem quais os ganhos reais que o Brasil obteve com o rompimento diplomático. De acordo com relatório divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), a medida fez com que o Brasil perdesse espaço político, econômico e diplomático na Venezuela.
“No campo político-diplomático, o Brasil gradualmente perdeu espaço na mediação e como ator regional na crise. A opção brasileira de romper relações diplomáticas com a Venezuela e se distanciar do país abriu mais espaço para as potências extrarregionais, como a China, a Rússia e os Estados Unidos, e para que outros países extrarregionais (Turquia, Irã) e regionais (Colômbia, Peru) aumentassem a sua presença relativa na Venezuela”, versa o relatório do IPEA.
A professora doutora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), Carolina Silva Pedroso, nota que o rompimento diplomático gerou "muito mais perdas do que ganhos" ao Brasil.
“Qualitativamente, as perdas foram grandes”, declarou Pedroso à Sputnik Brasil. “Quando tiramos nossa representação consular e diplomática de um país, isso também é uma maneira de dificultar as relações privadas e o próprio comércio exterior.”
Segundo a especialista, muitas empresas brasileiras enfrentaram dificuldades para receber pagamentos e continuar suas atividades com a Venezuela, e "a partir do momento em que o governo brasileiro se retira e diminui a possibilidade de diálogo e conciliação, isso só prejudica o próprio capital brasileiro".
O relatório do IPEA ainda cita prejuízos para o Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES) e o encarecimento do preço da energia elétrica em estados fronteiriços como Roraima.
Parede pintada na cidade brasileira de Pacaraima, em Roraima, perto da fronteira com a Venezuela
© Sputnik / Renan Lúcio
Para o professor de História da América da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Rafael Pinheiro de Araújo, o Brasil saiu perdendo politicamente. Ele nota que o Brasil perdeu seu papel de líder regional e mediador entre o governo e a oposição venezuelana.
"O Brasil perdeu seu papel de líder regional e intermediário no diálogo entre o governo e a oposição venezuelana", disse Araújo à Sputnik Brasil. "Deixamos um vácuo de liderança, que foi recentemente ocupado pelo México."
Por outro lado, Pedroso aponta que os ganhos auferidos pelo Brasil com o rompimento de relações diplomáticas com Caracas estão restritos à esfera ideológica, uma vez que a Venezuela é um importante elemento no discurso do atual presidente Jair Bolsonaro.
"A narrativa que Bolsonaro vem construindo ao longo dos anos [...] de que 'o Brasil não viraria uma Venezuela' colou, e está presente na campanha de 2022. Infelizmente, a Venezuela virou um pária, um modelo que não queremos seguir", considerou Pedroso.
Cerimônia de Inauguração da Unidade Básica de Saúde (UBS) dr. Severino Elias de Paiva Araújo, Gurinhém, 5 de maio de 2022
© Foto / Alan Santos / Palácio do Planalto / CCBY 2.0
De fato, o presidente Jair Bolsonaro segue fazendo declarações que associam a Venezuela a uma "ameaça comunista". No dia 15 de maio, o presidente escreveu em rede social que "Chaves e Fidel já morreram, mas as consequências nefastas do comunismo continuam. Alguns ainda querem isso para o Brasil", escreveu o presidente, conforme reportou o Poder 360.
Nesse sentido, Pedroso vê com ressalvas a possibilidade de o governo Bolsonaro acatar a reaproximação com a Venezuela em pleno ano eleitoral.
"Para o atual governo brasileiro, essa aproximação é problemática e pode trazer prejuízos eleitorais que o governo pode não querer incorrer, sobretudo junto à sua base mais fiel", considerou a especialista.
Nesse contexto, a especialista revelou ter dúvidas quanto à autonomia de Carlos França para levar adiante a proposta de reatar laços diplomáticos com Caracas.
Inflação e petróleo
Apesar das considerações de cunho político em relação à Venezuela, a alta mundial nos preços dos combustíveis pode ser mais um incentivo para dialogar com Caracas.
Nos EUA, o preço da gasolina sofreu alta de 20% desde o início do conflito ucraniano, levando a inflação a atingir os maiores níveis dos últimos 40 anos.
"O aumento do preço do petróleo joga luz sobre a Venezuela, porque ela tem 91,7% do petróleo latino-americano e cerca de 20% das reservas mundiais", disse Araújo. "Eles têm uma capacidade de produção constatada de em torno de 304 bilhões de barris de petróleo, o dobro da capacidade do Irã."
Nesse sentido, a aproximação norte-americana com Caracas teria o objetivo de aumentar a oferta de petróleo no mercado internacional e reduzir o preço do bem no seu mercado doméstico.
"O potencial de produção da Venezuela é de 3 milhões de barris diários. Mas, em 2020, logo após o auge do efeito das sanções [impostas pelos] EUA, ela produziu somente 350 mil barris diários", revelou Araújo.
Petroleiro venezuelano caminha na refinaria de El Palito durante a chegada do petroleiro iraniano Fortune, perto de Puerto Cabello, na Venezuela
© AP Photo / Ernesto Vargas
Segundo o especialista, nos seus anos mais produtivos, no fim da primeira década deste século, a Venezuela chegou a produzir de 1,8 a 2 milhões de barris por dia. Em contraste, atualmente a produção está em cerca de 760 mil barris diários.
"O contexto atual de inflação e alta nos preços dos combustíveis faz com que seja muito difícil manter a 'Arábia Saudita dos trópicos' geopoliticamente isolada", considerou Araújo.
Nesta semana, investidores e membros de governos se reuniram no Fórum Econômico de Davos para debater a retomada dos investimentos internacionais na Venezuela e a liberação da produção potencial de petróleo do país no mercado internacional, reportou a Bloomberg.
Fator Rússia
Do ponto de vista geopolítico, a reaproximação entre EUA e Caracas pode ter o objetivo de reduzir a influência russa na Venezuela. Ademais, a injeção de petróleo venezuelano no mercado internacional poderia diminuir o papel da Rússia como fornecedora mundial de hidrocarbonetos.
Após o início do conflito ucraniano, o democrata e líder da minoria do Senado, Dick Durbin, argumentou que a retomada do diálogo com a Venezuela seria um instrumento eficaz para conter a Rússia.
Em Moscou, o presidente venezuelano, Nicolás Maduro (à esquerda), cumprimenta o presidente russo, Vladimir Putin, em 5 de dezembro de 2018
© AP Photo / Maxim Shemetov
"A questão é o que é pior: o massacre de ucranianos inocentes por Putin todos os dias ou fazer negócios com o diabo por alguns dias ?", disse o senador democrata, conforme reportou a BBC Brasil.
Para Pedroso, a influência russa é o fator determinante na mudança de postura norte-americana em relação à Venezuela.
"Acredito que a aproximação seja menos pelo petróleo, afinal a dependência dos EUA do petróleo venezuelano é ínfima, e muito mais por uma questão geopolítica, de tentar isolar a influência russa na América Latina como uma forma de retaliação ao conflito na Ucrânia", considerou Pedroso.
Apesar dos esforços, as relações entre Moscou e Caracas dão sinais de estar decorrendo normalmente. Nesta segunda-feira (23), o parlamento russo ratificou o acordo de cooperação na esfera espacial com Caracas. Nesta quarta-feira (25), delegações de Venezuela e Rússia se reuniram em Genebra para debater os trabalhos da Organização Mundial da Saúde. Nesta sexta-feira (27), a Venezuela confirmou a presença da Força Armada Nacional Bolivariana nos Jogos Militares Internacionais da Rússia de 2022.
Desde março deste ano, o governo norte-americano estuda a possibilidade de retirar as sanções econômicas impostas contra a Venezuela. Na semana passada, a Casa Branca autorizou a empresa norte-americana a negociar futuros projetos com a petrolífera venezuelana PDVSA.