Entre os dias 6 e 10 de junho, representantes dos países do continente americano se reunirão em Los Angeles para a Cúpula das Américas. A primeira a ser sediada pelos EUA desde 1994, reunirá líderes para debater assuntos como promoção da democracia, meio ambiente e demonstrar que Washington está de olho nos assuntos da região.
Os EUA enfrentam dificuldades para garantir a participação dos principais líderes regionais, que questionam a decisão de excluir países como Cuba, Nicarágua e Venezuela da lista de convidados.
O presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, declarou que não participará da Cúpula caso países da região sejam excluídos do encontro. Os presidentes da Bolívia, Luis Arce, e de Honduras, Xiomara Castro, adotaram posição semelhante.
Para o professor de Relações Internacionais da FACAMP Pedro Costa Júnior, os EUA não devem mudar a sua posição tradicional de excluir países que de alguma forma ameaçam os interesses norte-americanos.
"Quando estudamos política externa norte-americana [...] vemos que ela funciona punindo seus inimigos", disse Costa Júnior à Sputnik Brasil. "Então, quem ousa desafiar os interesses dos EUA nessa região, que eles consideram a sua zona de influência direta, será punido de maneira exemplar."
Autor do livro "Colapso ou Mito do Colapso?" sobre o poderio norte-americano, Costa Júnior acredita que a política de isolamento de países rebeldes é mantida, "não importa se é Obama, se é Bush, se é Trump ou Biden. É assim que funciona a política do poder norte-americano: você pune e dá o exemplo, para que outros não se levantem".
Presidente de Cuba, Miguel Díaz-Canel
© AP Photo / Ariel Ley Royero
Em resposta, países excluídos da lista norte-americana se reuniram na Cúpula da Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América (ALBA), na capital cubana Havana, no dia 27 de maio.
"A prática de excluir não é nova, e confirma o interesse dos EUA em controlar o sistema interamericano para fins hegemônicos e impor seu poder de supervisionar a democracia. Esse direito não cabe a eles politicamente ou moralmente", disse o presidente de Cuba, Miguel Diaz-Canel, durante o encontro. "Eles afirmam ser promotores da democracia [...] mas são incapazes de garantir um espaço plural."
Para garantir o quórum da Cúpula das Américas, funcionários do governo norte-americano cumpriram extensa agenda na América Latina nas duas últimas semanas. A ofensiva diplomática deu resultado, e os presidentes da Argentina, Alberto Fernandez, e do Brasil, Jair Bolsonaro, confirmaram presença no evento sediado por Biden.
Bolsonaro em Los Angeles
Após semanas de hesitação, o presidente Jair Bolsonaro decidiu pela viagem aos EUA onde, além de participar da Cúpula, realizará reunião bilateral com Joe Biden.
De acordo com o presidente, "será uma reunião bilateral, reservada, em que a gente vai reatar para valer nosso relacionamento. Os governos são passageiros, mas os países são eternos. Há interesse dele [Joe Biden] em conversar conosco. Nós temos um bom relacionamento com todos os países. Dialogamos com a Rússia, com a Coreia do Sul, Japão, Israel, enfim, com todos", afirmou em entrevista à CNN Brasil.
Focado em sua campanha à reeleição, Bolsonaro afirmou que não tem a intenção de ir aos EUA "somente para sorrir, cumprimentar e posar para uma foto". Porém, uma foto com Joe Biden pode trazer ganhos ao presidente brasileiro.
O presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, discursa durante evento da Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos, em Washington, 18 de março de 2019
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Para Antonio Marcelo Jackson, cientista político e professor do Departamento de Educação e Tecnologias da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), Bolsonaro pode utilizar o encontro com Biden para angariar votos de eleitores de centro.
"Uma foto de Bolsonaro apertando a mão de Biden será bem vista pelo eleitorado de centro em termos de imagem", disse Jackson à Sputnik Brasil. "Bolsonaro precisa estender seu eleitorado para o centro, e essa foto pode favorecer isso."
Para este grupo, a mensagem de que Bolsonaro não está isolado internacionalmente também tem impacto positivo.
"Bolsonaro tem interesse em mostrar que tem contato internacional e pode ser recebido por grandes lideranças do mundo ocidental", disse Jackson.
Para sua base eleitoral, Bolsonaro poderá frisar que o encontro com Biden foi uma vitória política de seu governo. "Agora, os ganhos vão depender de como Biden receber Bolsonaro e quão bem os líderes vão sair na foto."
Bolsonaristas protestam contra a vacina e pedem impeachment do governador João Doria, na avenida Paulista, em São Paulo, 1º de outubro de 2020
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Joe Biden, por sua vez, tem pouco a ganhar politicamente ao se reunir com Bolsonaro, acredita Costa Júnior. A própria realização do encontro pode ser considerada um recuo da equipe de política externa de Biden para garantir a participação de líderes e evitar um fiasco na Cúpula das Américas.
"O Biden voltou atrás, teve que se curvar diante da exigência de Bolsonaro", disse Costa Júnior. "O fato é que Biden teve que retroceder e apertar a mão daquele presidente que foi o último a reconhecê-lo como presidente legítimo dos EUA. Então terá um custo político muito alto para o Biden."
Enquadrar Bolsonaro
A agenda da reunião será focada em temas como combate ao aquecimento global e à insegurança alimentar e sanitária, informou o diretor do Conselho de Segurança Nacional para o Hemisfério Ocidental da Casa Branca, Juan González, conforme reportou o jornal O Globo.
Segundo Costa Júnior, o Brasil terá poucos ganhos na reunião bilateral, uma vez que o governo Bolsonaro está próximo do fim e a agenda norte-americana seria pouco propositiva.
"O que o Biden vai fazer é enquadrar o governo Bolsonaro em relação às eleições e à pauta ambiental", disse Costa Júnior. "Um terceiro tópico será uma pressionada para que o Brasil se coloque mais claramente contra a Rússia."
A realização da Cúpula também tem o intuito de demostrar à região que a administração Biden tem uma nova política para a América Latina. A administração Trump demonstrou pouco interesse pelos assuntos hemisféricos e não compareceu à Cúpula das Américas de 2018, realizada em Lima, no Peru.
O presidente dos EUA, Joe Biden, fala em cerimônia de mudança de comando da Guarda Costeira dos EUA (USCG, na sigla em inglês) na sede da USCG em Washington, DC, em 1º de junho de 2022
© AFP 2023 / SAUL LOEB
Para Costa Júnior, no entanto, a agenda do governo democrata para a região não é diferente da de Trump.
"A administração Biden não mostra nenhuma agenda específica para a América Latina ou do Sul e neste sentido é uma continuação do governo Trump", disse Costa Júnior. "Não há uma agenda de desenvolvimento, algo como um Plano Marshall, ou algo equivalente às Novas Rotas da Seda, muito pelo contrário."
Segundo o especialista, "a única agenda clara dos EUA para a América Latina é a contenção da expansão chinesa na região."
Críticas da China
Se a política norte-americana para a América Latina segue a mesma, a política da China para a região está cada vez mais ativa.
Em movimento incomum, o porta-voz da chancelaria chinesa, Zhao Lijian, se pronunciou sobre a Cúpula das Américas criticando a atuação dos EUA na América Latina.
"Esperamos que o lado americano respeite seriamente a soberania e a dignidade dos países latino-americanos", disse Zhao. "Os EUA têm falado sobre Américas para os americanos, mas é para o povo norte-americano apenas."
Zhao ainda acusou Washington de tratar a região como se fosse seu quintal, de não demonstrar comprometimento com seu desenvolvimento econômico e recorrer a práticas de exploração e interferência para atingir seus interesses.
Delegação chinesa liderada por Yang Jiechi (centro) e Wang Yi (segundo à esquerda) durante reunião com homólogos norte-americanos em Anchorage, no Alasca, em 18 de março de 2021
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Para Costa Júnior, as declarações chinesas buscam provar que, diferentemente de Washington, Pequim tem uma agenda de desenvolvimento econômico para a região.
"A China tem um projeto de desenvolvimento econômico para a região, que passa tanto pelo BRICS como pelo projeto das Novas Rotas da Seda, que é de integração em infraestrutura. Coisa que os EUA nunca ofereceram", considera o especialista.
Além disso, Costa Júnior considera que a declaração chinesa possa ser uma retaliação à crescente interferência de Washington no seu entorno regional, em particular na questão de Taiwan.
Estranhamente, a Cúpula pode ter repercutido mais em Pequim do que na própria América Latina. Com uma agenda que interessa pouco aos líderes regionais, a Cúpula ainda corre o risco de ser um fracasso diplomático.
"A Cúpula e o encontro entre os presidentes do Brasil e dos EUA demonstram a fraqueza do governo Biden, que se mostra muito fraco em termos de política externa e não consegue se projetar como uma liderança mundial. Se Biden não conseguir convocar os países da sua região, seria uma derrota de política externa sem precedentes na história da hegemonia norte-americana", concluiu o especialista.
A Cúpula das Américas reúne chefes de Estado do continente americano desde 1994. Neste ano, o evento será realizado na cidade norte-americana de Los Angeles entre os dias 6 e 10 de junho.