Diante do aumento dos preços internacionais do barril de petróleo após o início do conflito na Ucrânia, a Petrobras tem mantido o preço do diesel abaixo do mercado internacional. Devido à dependência parcial brasileira de importações de diesel, que pode chegar a 30% de todo o volume do combustível consumido no Brasil, essa situação pode acarretar risco de desabastecimento nos próximos meses.
Além dos preços, a oferta internacional do combustível deve ser reduzida por fatores sazonais, gerando temores de que as demandas brasileiras não sejam atendidas. Conforme publicou o jornal O Globo, o governo federal recebeu o alerta de que a demanda pode superar a oferta de diesel no Brasil já no próximo mês.
Em nota publicada na sexta-feira (3), a Federação Única dos Petroleiros (FUP) alertou para o risco de o preço do litro do óleo diesel chegar a R$ 10 nas próximas semanas. Segundo a organização, os estoques de combustíveis no Brasil estão em níveis "historicamente baixos" e faltam ações do governo federal para prevenir a crise que bate à porta.
Caminhões-tanque são carregados com combustíveis em distribuidora de São Paulo, Brasil, 10 de abril de 2019
© Folhapress / Eduardo Knapp
O cenário é agravado por expectativas de que o preço do barril de petróleo atinja até US$ 140 (cerca de R$ 680), como previu, na quarta-feira (7), o banco Goldman Sachs, segundo o site Oil Price. Atualmente o barril de petróleo é negociado por cerca de US$ 120 (cerca de R$ 588) — maior valor desde 2008, conforme dados do site Trading Economics.
A Sputnik Brasil questionou o Ministério de Minas e Energia sobre a situação, que em resposta enviou nota emitida no fim de maio em que afirma que monitora o cenário de "forma intensa" e que pode "adotar medidas tempestivas" de acordo com a evolução do cenário. Segundo o ministério, há estoques de diesel no Brasil para abastecer o país por 38 dias em caso de falta de importações.
Desabastecimento é fruto de 'incompetência' do governo
Para o coordenador-geral da Federação Única dos Petroleiros (FUP), Deyvid Bacelar, o risco de desabastecimento de diesel no Brasil é fruto de um misto de crise da oferta internacional do combustível e de "incompetência" do governo federal. Segundo ele, o país precisa de pelo menos mais duas refinarias para suprir a demanda nacional de diesel e já poderia ser autossuficiente em refino.
"O Brasil importa entre 25% e 30% de todo o diesel que precisa para abastecer o mercado interno, principalmente dos Estados Unidos [...]. Com os bloqueios econômicos contra a Rússia, os EUA também estão exportando para a Europa, reduzindo a exportação de diesel para o Brasil", afirma Bacelar em entrevista à Sputnik Brasil.
O petroleiro aponta que essa situação fez o país buscar outros fornecedores de derivados de petróleo, como a Índia — que aumentou as importações de petróleo cru da Rússia. Apesar disso, o aumento sazonal da demanda por combustíveis a partir de julho, tanto no Brasil como em países do hemisfério norte, coloca em risco a oferta global de diesel no território brasileiro.
Presidente da República Jair Bolsonaro durante reunião com ministro da Economia Paulo Guedes. Foto de arquivo
© Isac Nóbrega / Palácio do Planalto / CCBY 2.0
Recentemente, diante do risco de desabastecimento, a Petrobras anunciou investimentos em refinarias para aumentar a produção de diesel nos próximos anos. Os investimentos devem ocorrer na Refinaria de Paulínia (Replan), em São Paulo, e na Refinaria Abreu e Lima (Rnest), em Pernambuco — que foi colocada à venda com outras unidades de refino pela estatal. Para Bacelar, esses anúncios são tardios.
"Essas obras de ampliação das refinarias já existentes para que elas possam produzir mais diesel deveriam ter sido feitas antes, no início do governo [de Jair] Bolsonaro. As obras que ainda estão paradas deveriam ter sido reiniciadas antes. E não fizeram isso por sua incompetência, infelizmente", avalia o coordenador-geral da FUP, que lamenta a venda de ativos da Petrobras como as refinarias e aponta riscos de abastecimento ligados a esse processo.
Proposta sobre o ICMS é 'eleitoreira' e não resolve problema
Na segunda-feira (6), o governo do presidente brasileiro, Jair Bolsonaro (PL), apresentou uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para zerar o ICMS sobre o diesel e reduzir o imposto sobre gasolina e etanol. Bolsonaro prometeu uma compensação financeira aos estados incluindo recursos da privatização da Eletrobras. Segundo o governo, a medida ajudará a reduzir os preços dos combustíveis, que se tornaram vilões devido ao impacto direto sobre a inflação e a renda das famílias.
Para Bacelar, a proposta de mudanças no ICMS como solução para a crise dos preços dos combustíveis é "eleitoreira" e não tem como resolver a situação. Segundo o petroleiro, a proposição busca manter os interesses de acionistas minoritários da Petrobras, dado que a política de preços da empresa permanece inalterada.
Instalações da Refinaria de Paulínia (Replan), da Petrobras, em São Paulo, Brasil, 3 de maio de 2022
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Segundo o coordenador-geral da FUP, a solução para a crise dos combustíveis passa pelo fim do preço de paridade internacional (PPI) da estatal, que atrela a precificação de derivados do petróleo no Brasil ao mercado internacional. Além disso, Bacelar reitera a necessidade de investimentos na capacidade nacional de refino.
"Ele [Bolsonaro] tenta mais uma vez colocar a culpa desse grande problema em outros atores. Ele deveria assumir essa responsabilidade e mudar a política de preços dos combustíveis e, além disso, garantir que a Petrobras cumpra seu papel social de abastecimento do mercado nacional", aponta.