Não há segredo no fato de que a China é o maior importador de soja do Brasil e o maior importador mundial do grão, sendo que boa parte dessas importações é direcionada para alimentar o setor de suinocultura (criação de porcos), principal proteína consumida no mercado chinês. O problema, no entanto, é que os produtores chineses de porcos vêm apresentando indícios de uma eventual recessão.
O cenário foi descrito em uma publicação da Bloomberg, que sustenta que os cinco maiores criadores de suínos da China registraram mais de R$ 29,6 bilhões em perdas líquidas somente no ano passado. Para completar o cenário, ontem (21) a Reuters informou que as importações de soja brasileira pela China caíram em maio (enquanto as cargas vindas dos Estados Unidos tiveram alta acentuada).
A carne suína é a proteína mais popular nas mesas chinesas, e a criação de porcos pode ser muito lucrativa, com margens brutas de mais de 30% para alguns produtores quando há escassez. Em uma avaliação para a Sputnik Brasil, André Nassar, presidente da Abiove, falou sobre o cenário e garantiu que, pela natureza do mercado chinês, a situação deve se ajustar no futuro, mas precisará de tempo e ações concretas dos produtores de soja no Brasil.
Ele explicou que, "de acordo com o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, o consumo de farelo de soja na temporada de 2020/2021 foi de 72,6 milhões de toneladas. Já na temporada de 2021/2022 (corrente) será de 69,9 milhões de toneladas, indicando demanda um pouco menor por conta da crise financeira".
Apesar da queda, André Nassar manteve o otimismo. Segundo ele, "a produção de suínos de forma profissionalizada, ou seja, com uso de tecnologias de performance elevada e alimentação com rações balanceadas, passa por ciclos. Tais ciclos ocorrem em todas as regiões produtoras, e não somente na China. Havendo realmente uma crise financeira na produção de suínos da China, conforme alerta a matéria da Bloomberg, o consumo de farelo de soja deve se estabilizar".
A crise chinesa, evidentemente, pode gerar impacto negativo sobre o Brasil e suas exportações de soja. Nesse sentido, Nassar aponta que há duas questões importantes que precisam ser levadas em conta: "O impacto no consumo de farelo de soja (que já apresenta pequena queda em 2021/22) e nas importações de soja (que será utilizada para a produção do farelo de soja)".
Segundo ele, as importações de soja pela China no ano corrente serão menores, principalmente por conta da quebra de safra no Brasil (que vai exportar menos neste ano). Assim, em 2022, "o Brasil vai exportar menos soja para a China por conta da menor oferta brasileira".
O maior comprador de soja do mundo importou 7,79 milhões de toneladas da oleaginosa do Brasil em maio, ante 9,23 milhões de toneladas um ano antes. Cargas vindas dos Estados Unidos, por outro lado, chegaram a 1,73 milhão de toneladas no mês de maio, bem acima das 244.431 toneladas do ano anterior.
Os compradores chineses se voltaram para a soja dos EUA para obter melhores lucros durante o pico da temporada de exportação de soja brasileira, já que o mau tempo elevou os preços da oleaginosa no país sul-americano. Nos primeiros cinco meses do ano, a China comprou 20,47 milhões de toneladas de soja brasileira, ante 15,66 milhões de toneladas no mesmo período do ano passado.
A demanda por farelo de soja do setor de rações está sob pressão, pois o setor agrícola tem lutado para obter lucros. As restrições da pandemia de COVID-19 também limitaram o movimento de mercadorias e pessoas, interrompendo o comércio normal de ração e prejudicando os negócios. Dada a expectativa de elevação dos preços dos suínos, a demanda por farelo de soja pode aumentar e levar as margens de moagem para território positivo em alguns meses. É nesse cenário que o Brasil pode voltar a "ganhar".
Diante da boa perspectiva, André Nassar também falou sobre as iniciativas que os produtores da commodity devem adotar para se preparar para o futuro. Ele reafirmou que não acredita que haverá queda de demanda por soja e farelo de soja no ano que vem. Segundo ele, "embora as margens da produção de suínos estejam baixas, o mercado chinês é muito dinâmico e deve se ajustar rapidamente, como se ajustou na recuperação do caso da peste suína africana".
Ele ainda ressaltou que dados do governo norte-americano mostram que no ano passado "o consumo de farelo de soja foi o mais alto da história, provando que o rebanho já tinha sido recuperado. Assim, não vejo esse fator como relevante no mercado para gerar mais demanda por soja e farelo de soja. O fator principal são os custos baixarem, dando mais fôlego financeiro para os produtores de suínos".
De acordo com a Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (ANEC), a exportação de farelo de soja do Brasil deve ser maior do que o esperado para o mês de junho, alcançando 2,27 milhões de toneladas. Até a semana passada, a ANEC previa embarques de 2,19 milhões de toneladas. Se confirmada a nova previsão, 400 mil toneladas serão exportadas a mais ante o mesmo mês de 2021.