A entrada do Brasil na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) ajudará a destravar a ratificação do acordo entre o Mercosul e a União Europeia (UE), afirmou o chanceler Carlos França, em entrevista à EBC, na última quinta-feira (23), durante participação na semana Brasil-OCDE.
Para o ministro das Relações Exteriores, o processo deverá durar de dois a três anos, mas o governo brasileiro está trabalhando para acelerá-lo e antecipar o prazo. A semana Brasil-OCDE contemplou uma série de eventos com discussões sobre o Brasil, a América Latina e o Caribe.
"Sem dúvida que, com o Brasil passando a ter assento na OCDE, que congrega embaixadores da maioria dos países da União Europeia, passaremos a ter um diálogo privilegiado com esses países. Esse, sim, é um fator facilitador para que possamos transmitir a esses países a visão brasileira sobre todos esses assuntos que temos aqui: meio ambiente, produtividade, inclusão social e governança pública e privada", disse o chanceler.
O ministro das Relações Exteriores, Carlos França, em 20 de janeiro de 2022. Foto de arquivo
© Pedro Ladeira
Para o especialista em relações internacionais Charles Pennaforte, professor da Universidade Federal de Pelotas (Ufpel), a declaração do chanceler expressa "uma visão extremamente otimista", tendo em vista o que o Brasil ofereceu em sua agenda internacional durante o governo do presidente Jair Bolsonaro (PL).
Por outro lado, segundo ele, um eventual novo governo a partir de 2023 poderia contribuir para a evolução dos acordos com os europeus.
Ele diz que a possibilidade de um governo com agenda mais "próxima da realidade defendida pela comunidade internacional na atualidade" abriria espaço de fato para as discussões avançarem.
"Certamente, um novo governo encontrará um ambiente extremamente favorável. Outrossim, não vejo que possa ser tão simples assim", avaliou.
Pennaforte indicou também outro aspecto que poderia fazer a União Europeia se interessar no ingresso do Brasil à OCDE: o momento geopolítico, em que o Ocidente busca impedir o avanço do BRICS, liderado por China e Rússia.
Dessa forma, ao atrair o Brasil para o seu polo, a Europa enfraqueceria o grupo formado em 2009 por países emergentes.
"Nada é feito por acaso. Veja o caso da Ucrânia: não possui as condições mínimas para entrar na UE e sua proposta foi aceita, enquanto a Turquia pleiteia a sua entrada há décadas. Ou seja, os 'critérios' são volúveis, de acordo com o 'cliente'", afirmou.
'Histórico protecionismo' pode impedir acordo UE-Mercosul
Embaixadores da UE já informaram ao Brasil que o pacto de livre-comércio com o Mercosul, acordado no início de 2019, não será ratificado a menos que medidas concretas sejam tomadas para impedir o desmatamento na floresta amazônica.
Em fevereiro de 2021, um grupo de 65 eurodeputados enviaram uma carta ao primeiro-ministro português, António Costa, pedindo a suspensão das negociações entre a União Europeia e o bloco sul-americano, devido à política ambiental brasileira.
Em entrevista em maio deste ano à agência Reuters, o comissário do bloco europeu, Virginijus Sinkevicius, mudou o tom e afirmou que a UE e o Mercosul podem resolver até o final deste ano as preocupações ambientais que impedem o acordo.
Para Charles Pennaforte, o que há até agora entre europeus e sul-americanos é "uma carta de intenções". Segundo o especialista em relações internacionais, um eventual pacto "envolve questões muito complexas que vão além de um mero acordo comercial, de compra e venda de produtos, bens e serviços".
Ele afirma que, neste caso, está em jogo o "histórico protecionismo" que afeta a política doméstica de países europeus, principalmente no setor agrícola.
"Vejo com ressalvas o acordo, pois sequer sabemos realmente suas bases reais, no máximo alguns pontos. Sejam quais forem as bases, a nossa combalida indústria sentirá os efeitos da concorrência assimétrica com os europeus", indicou.