Analistas pedem 'ataque' à escalada dos preços de combustíveis e alertam governo para 2023
Cientista política e economista ouvidas pela Sputnik Brasil fazem previsões negativas para o país se governo eleito em outubro minimizar problema a partir de janeiro do ano que vem.
SputnikA
bomba-relógio dos combustíveis parece estar sempre assombrando governantes em todo o mundo. A depender das políticas públicas, ou da falta delas, o tempo para a crise pode diminuir e culminar na explosão de protestos e paralisações antes do previsto.
Segundo especialistas consultadas pela Sputnik Brasil, o
aumento generalizado nos preços dos combustíveis no país não será resolvido no curto prazo e não poderá ser desprezado no ano que vem. Seja quem estiver no Palácio do Planalto a partir de 1º de janeiro de 2023 — o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que
lidera todas as pesquisas de intenção de voto, ou o atual presidente, Jair Bolsonaro (PL), segundo colocado na corrida presidencial —, terá que encarar a questão se desejar ter governabilidade e o mínimo de apoio popular.
A cientista política Mayra Goulart, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), afirma que, pela evolução das pesquisas eleitorais, Lula e Bolsonaro são os únicos com viabilidade eleitoral.
Para ela, uma continuidade da escalada dos preços ou, por outro lado, uma redução dos valores com medidas do governo não devem alterar o cenário eleitoral, já que as intenções de voto estão cada vez mais consolidadas.
"Aqueles que tendem a perceber com desconforto essa situação econômica e atrelar isso a Bolsonaro já o fazem e não são afetados por questões conjunturais. Não acredito que o cenário dos combustíveis vá se alterar, porque a margem via redução tarifária na bomba é pequena. E mesmo que isso aconteça, não acho que terá grande impacto nos votos", disse Goulart.
Em março, o governo Bolsonaro sancionou lei aprovada pelo Congresso Nacional que zera até o fim do ano os tributos federais sobre o diesel e o gás de cozinha.
Além disso, na última quinta-feira (23),
entrou em vigor o projeto que limita o
Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre o diesel, a gasolina, a energia elétrica, comunicações e o transporte coletivo.
Os itens passam a ser classificados como essenciais e indispensáveis, impedindo que os estados cobrem taxa superior à alíquota geral de ICMS, que varia de 17% a 18%, dependendo da localidade. Até então, os combustíveis e os outros bens eram considerados supérfluos e geravam, em alguns estados, até 30% de ICMS.
Em outra frente, o governo tenta ter mais controle sobre os reajustes dos preços dos combustíveis feitos pela Petrobras. Devido a pressões do chefe do Executivo contra as altas, em menos de quatro anos a companhia já terá seu quarto presidente. Caio Paes de Andrade foi aprovado para o cargo na segunda-feira (27) pelo Conselho de Administração da empresa.
Juliana Inhasz, professora e coordenadora do curso de graduação em economia do Insper, afirma que, no curto prazo, as medidas devem reduzir a pressão sobre os preços e beneficiar os consumidores.
Para ela, outra alternativa seriam os chamados fundos de estabilização, cujo projeto foi aprovado pelo Senado em março, mas está parado na Câmara dos Deputados. Pelo texto, a Conta de Estabilização de Preços dos combustíveis (CEP) seria abastecida, entre outras fontes de receita, com dividendos da Petrobras.
Quanto a essa proposta, o governo sinalizou contrariedade. Nesta terça-feira (28), o ministro de Minas e Energia, Adolfo Sachsida, disse que o projeto poderia gerar "
instabilidade no mercado", conforme
noticiou o G1.
"O governo pode pensar em alternativas mais centralizadas, como os fundos de estabilização. Mas o maior cuidado que o governo tem que tomar hoje é com a política de preços que se pratica nos combustíveis, evitando ao máximo que se tenha qualquer tipo de interferência em preços determinados pela Petrobras, porque isso poderia causar um custo maior para o brasileiro, especialmente no médio e longo prazos", indicou Inhasz.
Governo terá dificuldades sem 'atacar' preços
Segundo a economista, aumentos de preços persistentes podem desviar ainda mais a inflação das metas estabelecidas pelo governo, inclusive já pensando em 2023, "comprometendo tentativas de crescimento mais sustentável".
"Caso a crise dos combustíveis persista até o ano que vem, o próximo governo, seja uma continuidade ou uma sucessão, vai ter um problema sério nas mãos. Temos, neste ano ainda, pressões inflacionárias que vão continuar deixando o poder de compra menor", disse Inhasz.
A coordenadora do curso de graduação em economia do Insper avalia que os principais desafios do governo estarão baseados no descompasso entre a oferta e a demanda mundial por combustíveis, devido à instabilidade econômica em meio ao conflito na Ucrânia e às sanções do Ocidente à Rússia.
Segundo ela, nesse cenário, enquanto produtores buscarem
aumentar a produção de petróleo, muitos países precisarão encontrar formas paliativas de substituir o combustível para não sofrerem.
"Não sabemos até onde vai o conflito e, eventualmente, podemos ter outros elementos que desfavoreçam a oferta de petróleo. Por outro lado, a recuperação mundo afora deve elevar a demanda ao longo de 2022 e 2023", disse a especialista.
Para Mayra Goulart, da UFRJ, esse será um grave problema para quem vencer as eleições em outubro. Ela afirma que se o governo não "atacar" a escalada de preços dos combustíveis, terá dificuldades de governar, "seja pela percepção de insatisfação da população, seja pela menor margem de manobra no próprio orçamento".
"Acho que, politicamente, é preciso deixar claro que há um compromisso de reduzir as margens de lucro da Petrobras, que não pode ser uma empresa de mercado apenas, precisa ser uma empresa com uma função social mais demarcada", apontou.