Após meses de turbulência política, Boris Johnson renunciou ao cargo de primeiro-ministro britânico nesta quinta-feira (7).
Johnson foi alçado ao cargo em julho de 2019, substituindo Theresa May, que renunciou diante de pressão popular e insatisfação em relação ao seu governo. Ele consolidou a saída do país da União Europeia e aproximou o Reino Unido do Brasil, com conversas sobre possíveis acordos bilaterais.
Porém a gestão de Johnson sucumbiu diante de escândalos envolvendo conselhos ilegais à rainha Elizabeth II, festas dadas em meio ao lockdown no auge da pandemia e, por fim, denúncias de assédio sexual contra membros de seu partido. A pressão aumentou quando um grande número de funcionários do governo renunciou em protesto contra a gestão de Johnson.
Para saber como a renúncia de Johnson pode impactar o Brasil, a Sputnik Brasil entrevistou Charles Pennaforte, professor da Universidade Federal de Pelotas (Ufpel) e coordenador do Laboratório de Geopolítica, Relações Internacionais e Movimentos Antissistêmicos (Labgrima), e Pedro Feliú, professor de relações internacionais da Universidade de São Paulo (USP).
Pennaforte explica que, na prática, a renúncia não muda em nada as relações bilaterais entre os dois países, pois "o Reino Unido tem uma política bem definida em assuntos de segurança, comércio e meio ambiente". "O próximo mandatário manterá as linhas de interesse do Estado britânico. A tendência é perseguir uma aproximação com o Brasil", diz Pennaforte.
Questionado sobre os benefícios que essa aproximação pode trazer para o Brasil, Pennaforte destaca que seria boa sobretudo para o setor de energia. Ele afirma que o Brasil "necessita de uma diversificação de parceiros", mas que "o predomínio de produtos primários traz pouco retorno em termos de tecnologia e rentabilidade".
"Como estamos em processo de desindustrialização acentuado ao longo das últimas três décadas, nos resta pouco a oferecer em produtos de valor agregado aos britânicos", diz o especialista. Por outro lado, ele destaca que "há setores de energia renovável e economia alternativa que podem atrair investimentos".
Perda de força da direita populista
Para Pedro Feliú, professor de relações internacionais da Universidade de São Paulo (USP), a renúncia de Johnson repercutiu no cenário econômico interno do Reino Unido, com "uma melhora da libra esterlina e da Bolsa de Londres". Porém ele afirma que essa melhora é "fruto de especulação". Ele destaca que o episódio "pode ser mais uma sinalização da decadência da direita mais populista, mesmo dentro das fileiras do Partido Conservador". "Deve fortalecer de novo o grupo conservador antes liderado pelo David Cameron. Sempre coloca uma dúvida no incompleto processo do Brexit", explica Feliú.
Feliú também afirma que para o Brasil, muito próximo das eleições, a renúncia de Johnson "sinaliza a decadência internacional do movimento de direita populista". "Não só na América do Sul, com a esquerda ganhando eleições, como também internacionalmente. Diria que a curto prazo [a renúncia] enfraquece o grupo um dia liderado por [Donald] Trump", diz Feliú.
Pennaforte também falou sobre o futuro da relação entre os países após as eleições presidenciais deste ano. Alçado ao cargo de primeiro-ministro com a mesma retórica conservadora e nacionalista que elegeu Donald Trump, nos EUA, e Jair Bolsonaro, no Brasil, Johnson sempre cultivou uma boa relação com o atual presidente brasileiro.
O presidente Jair Bolsonaro (à esquerda) e o então primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, durante reunião bilateral na residência diplomática do Reino Unido em Nova York, EUA, em 20 de setembro de 2021
© AFP 2023 / MICHAEL M. SANTIAGO
Questionado se poderia haver mudanças na política externa em uma eventual mudança de governo a partir de 2023, Pennaforte ressalta que "o atual governo provocou um isolamento internacional jamais visto" no Brasil.
"Perdemos todo o nosso soft power nesses quase quatro anos. Um fato lamentável. A vitória de qualquer governo terá capacidade de melhorar a nossa imagem e contará com o apoio da comunidade internacional", diz o especialista.
Pennaforte finaliza afirmando que, no que tange ao Reino Unido, com a chegada de um novo governo "certamente as relações serão infinitamente melhores e com chance de avançar, mesmo com as assimetrias existentes". "O Brasil precisa voltar a viver", finaliza Pennaforte.