Thomas Shannon, de 64 anos, foi embaixador no Brasil durante quase quatro anos (2009-2013). Estava em Brasília quando estourou o escândalo da espionagem da Agência de Segurança Nacional (NSA), que levou a ex-presidente, Dilma Rousseff, a cancelar sua visita de Estado a Washington, em 2013.
Depois, de volta a Washington, frequentemente era enviado à Venezuela para negociar com Nicolás Maduro.
Em entrevista à Folha, o diplomata diz que é notória a apreensão estadunidense em relação às eleições no Brasil, uma vez que a "embaixada [norte-americana] divulgou um comunicado, seguido de manifestação do porta-voz do Departamento de Estado [Ned Price], [isso] significa que o governo dos EUA está muito preocupado", declarou.
Shannon também acredita que o presidente, Jair Bolsonaro, e a equipe do presidente "estudaram muito atentamente os eventos de 6 de janeiro [de 2021] [a invasão ao Capitólio]" e que assim chegaram a uma conclusão:
"Primeiro, que Trump fracassou porque dependia de uma multidão pouco disciplinada e não tinha apoio institucional — de lideranças partidárias, tribunais, Forças Armadas. Bolsonaro e sua equipe avaliaram que, na hipótese de tentar algo parecido, precisariam de apoio institucional."
E, talvez por tal fato, o mandatário brasileiro tenha convocado embaixadores para uma reunião na última segunda-feira (18) onde expôs seus questionamentos sobre a segurança do sistema de urnas eletrônicas,
Porém, Shannon chama atenção para um ponto crucial: nos EUA a diferença de votos entre Joe Biden e Donald Trump foram bem acirradas, mas no Brasil, até onde mostram as pesquisas de intenção de votos, a diferença de Bolsonaro para Lula é larga.
"Na eleição de Joe Biden, embora no voto popular tenha ocorrido uma diferença de sete milhões de votos, no Colégio Eleitoral houve um resultado bem apertado, o que permitiu que Trump argumentasse que houve fraude. No Brasil as pesquisas indicam no momento que a disputa não está apertada. Então a pergunta a ser feita é: qual o plano do presidente Bolsonaro? Esperar a votação ocorrer e declará-la inválida? Ou impedir que a eleição ocorra ao desqualificar todo o processo agora?", questiona.
O jornal comenta com o diplomata que "há no Brasil analistas que argumentam que a reação internacional seria suficiente para impedir uma ruptura institucional" e pergunta a Shannon se ele concorda com isso.
Para o norte-americano, "cabe aos brasileiros protegerem sua democracia, assim como cabe aos americanos protegerem a nossa. Não podemos depender de britânicos, franceses ou japoneses. Mas o que o mundo está dizendo é que é falso o argumento de que o sistema eleitoral brasileiro é fraudulento".
O diplomata também acrescenta que, caso o resultado das eleições seja questionado e até mesmo invalidado por Bolsonaro "o Brasil ficaria isolado, ao menos no hemisfério Ocidental e na Europa. Sob muita pressão política e econômica".
Ainda sobre a reunião promovida pelo chefe do Executivo brasileiro com embaixadores, Shannon acrescentou que acha "totalmente surpreendente que um presidente, eleito por esse sistema e que chefia um governo que representa a vontade popular, coloque em questão o sistema eleitoral do próprio país. E fazer essa argumentação para uma audiência diplomática o transforma surpreendente em perigoso. Ele parece estar preparando o caminho para não aceitar o resultado das eleições", complementou.