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Comitiva brasileira vai a Washington por risco às eleições: 'Ninguém sabe mais de golpe que os EUA'

Especialistas ouvidos pela Sputnik Brasil explicam papel político dos Estados Unidos em meio a encontros de organizações ligadas aos direitos humanos com autoridades americanas para criticar postura do governo Bolsonaro em período pré-eleitoral no país.
Sputnik
Uma comitiva de entidades civis brasileiras está em Washington, nesta semana, para debater com autoridades americanas o que classificam como "risco de golpe" nas eleições presidenciais do Brasil em 2022.
O grupo, que reúne organizações nacionais e internacionais com agendas ligadas aos direitos humanos — como a Articulação dos Povos Indígenas Brasileiros (Apib), o Instituto Vladimir Herzog e a Conectas —, fará encontros com o senador Bernie Sanders, pré-candidato à presidência dos EUA em 2016 e 2020, pelo Partido Democrata, e com o deputado Jamie Raskin, também democrata, que integra a comissão especial de investigação da invasão ao Congresso norte-americano em 6 de janeiro de 2021.
Contudo, se os EUA têm tido problemas para lidar com suas próprias eleições, por que seriam uma referência para o Brasil neste quesito? O Brasil não deve demonstrar maturidade e independência suficientes para resolver suas questões internas?
Segundo especialistas consultados pela Sputnik Brasil, o papel dos Estados Unidos em eleições na América Latina não pode ser minimizado. Eles avaliam que, embora o país precise buscar sua autonomia, muitas lideranças políticas e da sociedade civil ainda veem o apoio ou a rejeição dos Estados Unidos como fator capaz de influenciar o processo eleitoral.
Mulher vota em São Bernardo do Campo, em São Paulo, no primeiro turno das eleições municipais no Brasil, em 2020. Foto de arquivo
Para o cientista político e professor de relações internacionais Bruno Lima Rocha, "é inegável que, na relação de forças na América Latina, os EUA projetam poder sobre o país". Ele pontua que a força americana no Brasil, assim como em seus vizinhos, ocorre não apenas de maneira cultural e simbólica, mas também concreta, com históricas interferências em processos políticos.

"Eles operam mesmo, como foi a operação de 'lawfare' na Lava Jato, com agentes do FBI [sigla em inglês para Departamento Federal de Investigação] operando no Brasil livremente, com farta documentação na 'Vaza Jato'. Isso já evidencia que qualquer autoridade brasileira deve ter relações com os EUA, mas também se precaver dessas relações", afirmou Rocha.

Segundo o especialista, o fato de os EUA se anteciparem ao indicar que não admitiriam a contestação do resultado eleitoral no Brasil "é uma espécie de aval para a vitória eleitoral".
Na semana passada, um dia após o presidente Jair Bolsonaro voltar a questionar o sistema eleitoral brasileiro, em reunião com diplomatas estrangeiros, a embaixada dos Estados Unidos em Brasília afirmou que as eleições no país são um "modelo" para o mundo.

"As eleições brasileiras, conduzidas e testadas ao longo do tempo pelo sistema eleitoral e instituições democráticas, servem como modelo para as nações do hemisfério e do mundo", disse a embaixada americana em comunicado.

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Para o professor de relações internacionais, os EUA, da mesma forma que agora avalizam o processo eleitoral brasileiro, já mostraram que sabem influenciar negativamente pleitos e processos políticos em países do continente americano.
"Depende da relação de cada país em cada momento. Ninguém conhece mais de golpe de Estado que os EUA. Então, se eles sabem dar, sabem precaver", analisa Rocha.
Segundo o especialista, não há "nenhuma relação causal de lógica" para entidades brasileiras irem aos EUA para defender as eleições do país. Em sua visão, os norte-americanos poderiam vir ao Brasil para estudar o sistema eleitoral e entender como funcionam o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e as urnas eletrônicas, e não o inverso.
"O que está ocorrendo não é um problema de o sistema eleitoral ser mais ou menos eficiente, e sim de se antecipar as relações internacionais, caso tenhamos uma convulsão da extrema-direita no Brasil por um intento de autogolpe de Bolsonaro e dos militares", disse.
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'Movimento é válido, não é estatal'

Já Robson Valdez, pesquisador do Núcleo de Estudos Latino-Americanos da Universidade de Brasília (Unb), aponta que o grupo em viagem a Washington representa interesses da sociedade civil, com preocupações com o atual cenário eleitoral.
Ele aponta que as entidades não são vinculadas ao Estado brasileiro e que, por isso, "é legitimo que busquem defender seus interesses junto a outros organismos e governos".
"É uma tentativa de chamar atenção para algo que ocorre no seu país, para que essa espécie de constrangimento, em alguma medida, possa surtir efeito. É válido o movimento, é um movimento não estatal", ressaltou.
Urnas eletrônicas são preparadas para as eleições de 2022. Foto de arquivo
O especialista aponta que os EUA vêm passando por um processo de enfraquecimento político, mas continuam sendo a "principal potência militar e econômica do planeta". Para ele, ainda que deem sinais de deterioração, seu "poder estrutural ainda é muito forte".
O pesquisador lembra que a Cúpula das Américas indicaram "o fiasco" norte-americano, com a incapacidade de liderança no continente, mas os EUA "continuam com grande influência no Brasil", onde possui investimentos.

"Qualquer coisa que possa provocar distúrbios aqui terá impactos em investimentos norte-americanos. É nesse sentido que a sociedade civil brasileira tenta sensibilizar as autoridades norte-americanas, que teriam essa preocupação com interesses em investimentos no Brasil", disse.

Ele avalia que, para os EUA, "é interessante que o Brasil tenha um governo razoavelmente estável, com instituições funcionando, para que as articulações de comércio e negócios possam ocorrer".

"O movimento da sociedade civil não está diretamente relacionado ao Estado brasileiro. É um movimento difuso, é difícil controlar essas articulações. Não foi o Ministério Público que pediu uma ajuda oficial ao Brasil. É um movimento que as pessoas julgam necessário para mostrar ao mundo e aos EUA que o presidente vem tentando desacreditar as eleições para justificar a não aceitação de uma eventual derrota nas eleições de outubro", afirmou.

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