A XV Conferência de Ministros da Defesa das Américas (CMDA), realizada nesta semana, não foi construtiva para o desenvolvimento da região e serviu como instrumento dos Estados Unidos na busca de hegemonia no continente.
Esta é a avaliação da pesquisadora pós-doutoranda da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME) Isabela Gama, especialista em teoria das relações internacionais e em segurança.
Segundo ela, os temas mais tratados, como ciberdefesa, mulher, paz e segurança deveriam ter dado espaço a assistência humanitária e questões relacionadas ao progresso econômico latino-americano.
Além disso, no evento, os países reafirmaram compromisso com a Carta da Organização dos Estados Americanos (OEA) sobre "princípios democráticos".
"Do meu ponto de vista, acabou sendo uma forma de os EUA tentarem assumir, mais fortemente, um papel hegemônico no continente americano, por conta da crescente influência chinesa", avaliou Gama em entrevista à Sputnik Brasil.
O ministro da Defesa do Brasil, Paulo Sergio Nogueira, à esquerda, o secretário de Defesa dos EUA, Lloyd Austin, ao centro, e o secretário de Assuntos Internacionais de Defesa da Argentina, Francisco José, à direita, posam para uma foto de grupo na XV Conferência de Ministros da Defesa das Américas, em Brasília, no Brasil, em 26 de julho de 2022. Foto de arquivo
© AP Photo / Eraldo Peres
Em discurso na terça-feira (26), o secretário de Defesa dos Estados Unidos, Lloyd Austin, afirmou que a estabilidade democrática na região estaria, eventualmente, ameaçada pelo "esforço da China para obter influência". Em flagrante cutucada no país asiático, o secretário declarou ainda que "a democracia é o símbolo das Américas".
Para a especialista em relações internacionais, Austin tentou sugerir que a China seria "um risco à democracia das Américas". Segundo Gama, ao contrário dos EUA, a presença chinesa no continente é bem mais econômica do que política.
"Já há algum tempo, [Joe] Biden vem fazendo críticas a presença chinesa no continente americano, porque os EUA estão se preparando para uma retomada de relações econômicas, uma reconstrução de laços, com o fortalecimento do Banco Interamericano de Desenvolvimento [BID], por exemplo", afirmou a pesquisadora.
Ela aponta que o objetivo dos EUA é isolar a China no continente. Gama diz que, principalmente após o convite de Pequim para a Argentina ingressar no BRICS, o governo americano acelerou o movimento, por medo de "maior influência do grupo nas América".
A investida do secretário de Defesa dos EUA contra a China não ficou sem resposta. A Embaixada chinesa em Brasília rebateu afirmando que as declarações de Austin remontam à Guerra Fria e está repleta de preconceitos ideológicos.
"O gesto revela, mais uma vez, as intenções sinistras de certas forças nos EUA que visam cercear o desenvolvimento da China, prejudicar as relações China-América Latina e manter sua hegemonia no mundo. Manifestamos veemente objeção a esta atitude", diz um trecho da nota da Embaixada.
Na foto, Lloyd Austin, secretário de Defesa dos Estados Unidos, em Brasília, em 26 de julho de 2022. Foto de arquivo
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Para Isabela Gama, a repercussão das declarações de Austin expõem como a conferência foi palco de provocações, e não de planos concretos de ação para problemas reais que os países das Américas enfrentam.
A especialista diz que não vê esforços dos americanos em contribuir para o desenvolvimento da região, e sim "no sentido de excluir determinados Estados ditos autoritários". Venezuela, Nicarágua e Cuba não foram convidadas para a Cúpula das Américas organizada por Biden, neste ano, e sofrem com a política externa de Washington.
"Isso é uma forma de colonialismo. Cada estado precisa resolver suas questões, a menos que não seja capaz de fazê-lo. As intervenções precisam ser bem pensadas e delimitadas", disse ela.
Sobre a visão americana de modelos políticos, a pesquisadora diz que "a democracia é uma luta constante". Gama afirma que a democracia "é uma escolha e não deve ser imposta, muito menos pelos EUA".
"O que vejo são os EUA se preparando realmente para aumentar sua influência no continente, tentando expulsar, especialmente, China e Rússia", indicou.
China e Rússia como inimigas é o 'combo preferido' dos EUA
A especialista afirma que a Rússia possui grande influência na América do Sul, seja na Venezuela, e até no Brasil, como "parceira estratégia". Por isso, para a professora, não é surpresa que o cerco dos EUA contra China e Rússia continue presente.
"É o combo preferido dos EUA quando precisam de um inimigo externo comum. Encontraram a China e a Rússia", disse. "Me parece que os EUA estão tentando recriar um momento de intervencionismo e de políticas pró-americanas".
Apesar disso, de acordo com a pesquisadora, a perspectiva futura deverá ser de uma maior influência do BRICS na América Latina e em outras regiões do globo. Gama afirma que a expansão da aliança, abarcando novos membros, indica a mudança de patamar do grupo para um "bloco antiocidental".