Sonho dos EUA é eliminar Defesa brasileira, diz especialista sobre pressão contra submarino nuclear

Especialista em Defesa diz que Washington gostaria de transformar a Marinha do Brasil em uma "guarda costeira", preocupada apenas com o narcotráfico. Segundo fontes consultadas pela Sputnik Brasil, porém, não há justificativas plausíveis para impedir continuidade do projeto brasileiro de produzir submarino nuclear.
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Apesar dos obstáculos criados pelos Estados Unidos, o Brasil seguirá com seu projeto e não poderá ser impedido de construir o Submarino Convencional de Propulsão Nuclear (SCPN) Álvaro Alberto.
De forma sucinta, esta é avaliação do jornalista e especialista em assuntos militares e em relações internacionais Pedro Paulo Rezende. Em conversa com a Sputnik Brasil, ele explicou as restrições e os interesses geopolíticos de Washington no que diz respeito ao desenvolvimento da tecnologia pelos países ao redor do globo.
Se por um lado os EUA não contribuem para o Brasil acelerar seu desenvolvimento, por outro fizeram o pacto Austrália-Reino Unido-Estados Unidos (AUKUS), aliança militar entre os três países, que visa fornecer submarinos nucleares a Camberra.
Recentemente, o Brasil abriu diálogo com a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) sobre o início da produção de combustível para o projeto, em desenvolvimento desde 2008.
A construção de um submarino nuclear é parte do Programa de Desenvolvimento de Submarinos (Prosub), objetivo de décadas da Marinha brasileira.
Maquete exibida na LAAD 2019 do modelo de reator que será o propulsor do Álvaro Alberto, primeiro submarino nuclear do Brasil. Foto de arquivo
O tema é de interesse nacional, já que um submarino nuclear pode aumentar o poder de dissuasão do Brasil no Atlântico, conforme apontou Rezende à reportagem.
Além disso, o projeto coloca o país em um seleto grupo: dos membros do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP), ratificado pelo Estado brasileiro, apenas Rússia, China, Estados Unidos, Reino Unido e França operam submarinos desta categoria. Entre os países fora do TNP, a Índia é o único com submarinos nucleares.
Com isso, o Brasil pode ser o primeiro país sem bombas atômicas a desenvolver esse tipo de embarcação.
Segundo o especialista em assuntos militares, o Brasil não deveria sofrer qualquer impedimento na construção do submarino, nem mesmo da AIEA.

"Um submarino de propulsão nuclear não é uma bomba atômica. São duas coisas completamente diferentes. Não estamos procurando produzir arma nuclear", afirmou Rezende.

Apesar disso, há uma pressão velada dos EUA contra a produção brasileira. O especialista explica que os norte-americanos, assim como os britânicos, mantêm uma visão colonialista sobre o Brasil e os demais países do Hemisfério Sul.
Dessa forma, segundo Rezende, Washington avalia que o Brasil não precisaria de submarinos nucleares, porque os próprios EUA poderiam garantir segurança do país.

"Não deveria haver qualquer obstáculo. Parte dos EUA sempre foi contra a produção do submarino nuclear brasileiro. O que querem é eliminar nossas forças de Defesa e transformar a Marinha em uma guarda costeira. Esse é o sonho americano", disse.

O capitão da Marinha brasileira Ferreira Marques mostrando uma réplica do futuro submarino nuclear Álvaro Alberto. Foto de arquivo
O especialista aponta que, segundo a visão "preconceituosa e enviesada" dos EUA, o Brasil deveria apenas se preocupar em combater o narcotráfico e grupos insurgentes.
Segundo uma fonte familiarizada com o assunto, não existe entrave para produzir combustível. O que há é uma discussão sobre como será a avaliação da agência sobre o material utilizado, com o objetivo de garantir que não haverá desvio para outros fins.
Ele explica que, para desenvolver bomba atômica, é preciso enriquecer urânio 235 a uma taxa de mais de 90%, e o Brasil só está licenciado a chegar a 20%. Para produzir combustível para o submarino, é necessário chegar apenas entre 6% e 7% de enriquecimento do material. Segundo a fonte, a tentativa de controle da AIEA sobre a produção brasileira "é algo exagerado".
No biênio 2023-2024, o Brasil presidirá o Grupo de Supridores Nucleares (NSG), regime de controle de exportações de transferência de bens e tecnologias sensíveis na área nuclear.
Os especialistas ouvidos pela Sputnik Brasil, porém, não acreditam que a posição possa ser usada como diferencial para o Brasil superar as resistências dos EUA e da AIEA.
"É um projeto estratégico do Brasil. O país não vai abandonar, vai continuar insistindo. Não vamos parar de produzir urânio enriquecido para nossas usinas e nosso submarino nuclear", disse Rezende.
O especialista explica que um submarino nuclear "nega o oceano" a potenciais adversários. Embora o Brasil não tenha conflitos internacionais atualmente, o projeto é fundamental para garantir a defesa da soberania nacional.
"Os próprios EUA são uma ameaça para nós quando falam de Amazônia. É uma ameaça. Nunca se sabe se pode virar algo concreto ou não, mas não custa estar preparado para a eventualidade", advertiu.
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AUKUS 'não tem solidez'

A AIEA também observa o acordo de cooperação política e militar de EUA, Reino Unido e Austrália. Através do AUKUS, as duas potências nucleares pretendem fornecer oito submarinos movidos a energia nuclear para Camberra. O objetivo do acordo é se contrapor aos interesses militares chineses no Indo-Pacífico.
Os modelos norte-americanos e britânicos de submarinos usam urânio com grau maior de enriquecimento do que no caso previsto para o Brasil, mas a expectativa é a de que a AIEA não dificulte a transferência dos veículos à Austrália.
Um relatório recente divulgado pela China aponta que o o projeto implicaria no envio de toneladas de material nuclear de grau de armamento, o suficiente para fabricar quase uma centena de armas nucleares.
Em artigo publicado no Sky News Australia, o colunista Joseph Siracusa, professor de história política e diplomacia de uma universidade australiana, afirmou que o compromisso da Austrália com a não proliferação nuclear "é tênue" e que o país poderá construir um arsenal nuclear "se a segurança nacional exigir" no futuro.
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De acordo com fontes da Sputnik Brasil, no entanto, os submarinos do projeto chegariam prontos à Austrália, sem qualquer transferência de tecnologia. Ou seja, o país não teria a capacitação técnica necessária para enriquecer o material e, possivelmente, produzir bombas nucleares.
Eles ressalvam que, para isso, a Austrália precisaria investir em pesquisa e tecnologia para ser capaz de realizar o que Pequim aponta como um risco a partir da transferência dos submarinos.
Pedro Paulo Rezende lembra que, para fechar o acordo com EUA e Reino Unido, a Austrália encerrou seu projeto com o governo francês para a produção de submarinos convencionais. Segundo ele, o programa era interessante para o país, pois, além de Camberra de fato precisar de submarinos, havia intercâmbio tecnológico e de capacitação técnica.
Ele aponta ainda que os submarinos do projeto francês poderiam no futuro até virarem nucleares. Em vez disso, o governo australiano interrompeu o programa para aguardar os submarinos nucleares de EUA e Reino Unido, mesmo sem previsão.

"Simplesmente agora ficaram sem nada. Precisam se virar com seis submarinos ultrapassados e problemáticos, da Suécia. Os suecos são bons em fabricar submarinos pequenos, esses foram os primeiros de grande porte. Vão ter que usá-los além da vida útil prevista enquanto aguardam os submarinos do projeto AUKUS", disse Rezende.

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Segundo ele, os australianos receberiam os veículos da França em no máximo dez anos. Agora precisarão esperar até três décadas. Para o especialista, a Austrália substituiu um projeto concreto por "algo que não tem solidez".
Segundo o relato de uma fonte da Sputnik Brasil, a partir do momento em que as Forças Armadas dos EUA indicam a importância de submarinos nucleares na Austrália para se contrapor a movimento bélicos da China, as autoridades passam a priorizar o projeto.
Rezende aponta que os EUA acreditam no "Destino Manifesto", crença de que o povo norte-americano teria vocação divina para expandir seu domínio no mundo.
"É uma forma para justificar o avanço. Acreditam no direito de serem policiais do mundo, uma coisa colonial. Acreditam piamente nisso", disse o especialista.
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