O Brasil e vários outros países em desenvolvimento enviaram uma carta à Comissão Europeia a fim de impedir que a União Europeia (UE) aplique sanções a países produtores de alimentos. A estratégia é forma de responder às crescentes imposições da União Europeia à economia brasileira e de outros países sob argumentos de proteção ambiental.
Além do Brasil e Indonésia, assinam a carta os embaixadores de Argentina, Colômbia, Gana, Guatemala, Costa do Marfim, Nigéria, Paraguai, Peru, Honduras, Bolívia, Equador e Malásia. Para esses países, medidas comerciais não podem ser usadas para se atingir metas ambientais e ameaçam aprofundar a pobreza. O grupo ainda alerta que a proposta poderia violar os acordos comerciais da Organização Mundial do Comércio (OMC).
Na Europa, governos constantemente avaliam a criação de critérios ambientais para a importação de bens agrícolas, o que poderia representar o fechamento do mercado europeu para exportadores brasileiros. Ao comentar a carta dos países emergentes para a Sputnik Brasil, esse receio foi compartilhado pelo professor das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU) Acácio Miranda da Silva Filho, doutor em direito constitucional.
Segundo ele, "obviamente o Brasil sofreria alguns impactos" caso essa política europeia avançasse. E, em sua opinião, apesar de a iniciativa dos países emergentes servir de "recado", o interesse dos europeus poderia acabar prevalecendo devido ao peso político dos países do bloco.
O professor das FMU enfatiza que "as medidas de proteção econômica da UE violam os tratados internacionais", mas relembra que a ausência de punição para isso está relacionada ao poder dos europeus nos órgãos de discussão e debate internacionais.
"É claro que isso poderia ser levado à ONU [Organização das Nações Unidas], mas essas entidades são pautadas por aspectos políticos internacionais, e a gente sabe que a UE leva a melhor nessas discussões", comentou Miranda.
José Sismeiro, presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja Brasil), critica a atual postura europeia. No Congresso Brasileiro dos Produtores de Soja, no último dia 5 de agosto, ele conta que conversou com embaixadores de diversos países sobre o tema e reforçou a importância de união e parceria neste momento de crise global de abastecimento de alimentos.
Segundo Sismeiro, é hora de o mundo pensar em ações positivas e responsáveis para elevar a produção e evitar o aumento da fome.
"Esse protecionismo não leva a nada, só vai encarecer mais os produtos, fazendo a população mais pobre penar mais ainda. O que temos que fazer é nos unir, usar nosso tempo, inteligência, para que possamos produzir cada vez mais e de forma mais sustentável, para matar a fome do mundo. O protecionismo realmente tem que acabar", alertou.
O presidente da Aprosoja Brasil explica que os produtores não desejam romper nem mesmo criar atritos com os europeus, pois os veem como um grande mercado consumidor. Mas adverte que as medidas restritivas também não seriam nada benéficas para a população dos países do velho continente.
"Para o produtor brasileiro, é claro que é muito importante ter a UE como cliente. A gente exporta não só grãos, mas também alimentos já industrializados, prontos para o consumo. Com certeza, não seria bom para nós, mas também não seria bom para eles, pois vão reduzir um 'pool' de compras muito grande", disse.
Com a carta entregue no fim de julho para a direção da Comissão Europeia, os emergentes indicaram que estão cientes da necessidade de se defender o meio ambiente, apontada como a principal razão pela qual as medidas de proteção econômica dos países da UE estão em vigor. Entretanto, para alguns dos signatários da carta, essa razão esconde outras motivações.
Miranda da Silva Filho disse que a questão ambiental estar sendo usada como subterfúgio para aplicação de medidas protecionistas é "uma faca de dois gumes". Segundo ele, o argumento ambiental está, de fato, "sendo usado como um mecanismo para fomentar esse procedimento", Entretanto, "em compensação, há problemas ambientais a serem superados".
Ele entende que isso deveria ser feito "dentro da soberania" de cada país, pois "são eles que têm gerência sobre esses aspectos. Mas é importante lembrar que dentro das gerações dos direitos humanos, há uma manutenção dos direitos coletivos. É uma questão a ser debatida e equacionada, todos cientes de suas obrigações. É importante que os países da UE também cumpram obrigações nesse sentido".
O grupo de emergentes liderado pelo Brasil ainda afirma estar preocupado com o caráter discriminatório das medidas. Segundo os países, tais barreiras podem ter um impacto social "negativo" e "consequências econômicas" para as economias em desenvolvimento.
E o acordo Mercosul-UE?
Após um longo período de resistência por parte de países europeus em ratificar o acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul, recentemente, representantes do bloco europeu buscaram diálogos com o Brasil para tentar avançar nas negociações. Também nesse imbróglio, a questão ambiental vinha sendo colocada como razão para adiar a efetivação da parceria, mas a crise global de alimentos alterou o cenário.
Para Miranda da Silva Filho, por trás das alegadas preocupações ambientais, não há dúvidas de que há também motivações financeiras importantes relacionadas à pressão europeia para dificultar uma entrada mais ampla dos produtos brasileiros em seu mercado.
"São parte dessa preocupação, mas não são o todo. Ela não corresponde à verdade dos fatos. Há interesse econômico por trás disso. Nós temos condições de produção agrícola muito mais favoráveis do que as condições deles, e um livre mercado nos faria aproveitar essa vantagem."