Agroflorestas podem garantir soberania e liderança do Brasil no setor de alimentos, diz especialista
11:22, 7 de setembro 2022
Em entrevista à Sputnik Brasil, fundador de hub de inteligência agroflorestal diz que o sistema pode ampliar e diversificar a produção de alimentos do país, elevando sua posição global, caso seja adotado pelos grandes produtores nacionais.
SputnikNão há dúvidas de que o Brasil é um gigante na produção de alimentos. O país
figura entre os quatro maiores produtores de alimentos do mundo, com China, Estados Unidos e Índia. Mas há espaço para subir ainda mais.
Em entrevista à Sputnik Brasil, Valter Ziantoni, fundador e CEO do hub de inteligência agroflorestal PRETATERRA, explica que o Brasil tem potencial para ser líder global no setor e garantir a segurança alimentar no mercado interno, em um momento em que o conflito entre Rússia e Ucrânia, a guerra de sanções contra Moscou e problemas logísticos e climáticos, entre outros transtornos, escancaram a importância da autossuficiência na produção de alimentos. Segundo o especialista, a chave para isso está no sistema agroflorestal.
A agrofloresta é uma forma de cultivo que permite ampliar e diversificar a produção de alimentos preservando a floresta. Diferentemente da monocultura, ela não necessita
que sejam abertas grandes áreas para se produzir. Em vez disso, ela faz das árvores suas maiores aliadas.
"Ela é agro porque produz alimentos, mas ela produz alimentos replicando a lógica da natureza na floresta. Essa é a grande diferença. A agrofloresta sempre usa árvores, e quando ela usa árvores ela replica a lógica da floresta, mimetiza os processos da natureza na interação das árvores com os cultivos produtivos. Isso é o mais importante", afirma Ziantoni.
É importante destacar que agrofloresta não é o mesmo que ecofloresta, uma vez que o nome pode sugerir alguma semelhança. "Ecofloresta é tudo que é conservação e preservação de florestas, sendo conservação o uso sustentável e preservação o não uso, ou seja, a preservação absoluta. A agrofloresta é um sistema de cultivo milenar", explica o CEO.
Ampliação e diversificação da produção
Mas que benefícios essa forma de cultivo pode trazer para a produção de alimentos no Brasil? Poderia elevar a posição do país no ranking mundial de produtores de alimentos? Questionado sobre o assunto, Ziantoni diz "não haver dúvida de que o Brasil pode subir no ranking". Um dos motivos é a ampliação e diversificação na produção que o sistema agroflorestal traz.
"Ele pode subir simplesmente pelo número de andares que a agrofloresta pode oferecer. No primeiro estrato, você pode ter, por exemplo, uma produção de abóboras, amendoim. Já no segundo estrato, você pode ter produção de café, como se fosse na monocultura, porém replicando a natureza. Logo acima, você pode ter o cacau ou outra espécie madeireira ou frutífera, que ocupa um espaço um pouco mais alto, como bananeiras, sombreando parcialmente o café. Em um estrato superior, você pode ter as madeireiras ou, com elas, produtos florestais não madeireiros, como castanhas."
O especialista acrescenta que dessa forma, "em uma mesma área, em um hectare, em vez de [se] ter só produção agrícola, tem-se andares de produção. É possível ter quatro, cinco andares e, sem dúvida, subir no ranking".
Atualmente a agrofloresta está bastante ligada à agricultura familiar, que tem participação significativa na produção dos alimentos que chegam à mesa dos brasileiros. Segundo Ziantoni, isso ocorre porque no Brasil a agrofloresta parte da pequena escala.
"Ela parte do horto agroflorestal, do quintal agroflorestal, feito pelo pequeno produtor. Ela tem tudo a ver com a agricultura familiar. Se a gente vai para a Amazônia, a gente vê os ribeirinhos produzindo em sistema agroflorestal, sem nem mesmo saber que tem esse nome ou entender técnicas, mas sabendo de forma empírica como fazer isso", explica.
E nada impede que grandes produtores se beneficiem aderindo ao sistema agroflorestal. Ao contrário, seria benéfico para o grande produtor, para a população e para a economia.
Ziantoni ressalta que, plantando agroflorestas, o grande produtor pode ter todos os benefícios já citados, mas, principalmente, alcançar a resiliência climática. Em outras palavras, ele pode blindar sua produção dos efeitos do clima.
"Tendo vários andares cobertos com as copas das árvores, com diferentes estratos ocupados, de forma tridimensional, esse sistema fica muito mais resiliente a extremos climáticos, seja de grandes secas, secas prolongadas, El Niño, La Niña, geadas ou inverno muito intenso."
Nesse sistema integrado, a floresta atua como um escudo. Ela é capaz de segurar a umidade quando há uma seca intensa e manter uma boia de calor durante uma geada, de acordo com o fundador do PRETATERRA. Essa resiliência climática, além de garantir maior produtividade por área e diversificação de produtos, garante resiliência de mercado ao produtor.
"Porque você não fica preso em um só produto, em uma commodity, como geralmente acontece com os grandes produtores. Você tem uma gama muito maior de possibilidades. Então os grandes produtores podem se beneficiar do mesmo que os pequenos, que a agricultura familiar, mas ainda mais com a resiliência de mercado, diversificando a produção", destaca.
Brasil rumo à soberania alimentar
Em junho, o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, fez um alerta sobre o agravamento da
insegurança alimentar no mundo. Poderiam as agroflorestas blindar o Brasil de crises como essa? Para Ziantoni, não apenas poderiam, como pavimentariam o caminho para que a produção de alimentos no Brasil não dependa mais da importação de insumos químicos.
"No sistema agroflorestal, grande parte dos nutrientes, dos adubos, são produzidos dentro do próprio sistema, através do uso de árvores de serviço, plantas de serviço, da cobertura do solo, da própria resiliência que o sistema tem e da diversificação. Como tem uma atividade microbiana no solo muito maior, todo o sistema se torna muito mais nutritivo e diminui muito ou até elimina o uso de produtos químicos."
Ziantoni finaliza destacando a importância de se alcançar a soberania alimentar e usa o exemplo da
crise global atual, que reduziu a oferta de muitos produtos.
"Com esse tipo de crise, a gente poderia ficar dependente disso, se a gente tivesse produzido só monocultura, como soja e milho. Mas se houver diversificação, a gente tem soberania alimentar. O Brasil pode ser autossuficiente em alimentos, podendo também exportar, produzindo muito mais."