Bolsonaro captura 7 de Setembro, mas 'não amplia base' para garantir reeleição, avaliam analistas
09:00, 8 de setembro 2022
Na última quarta-feira (7), o Brasil completou 200 anos de independência. Apesar disso, as comemorações foram transformadas em atos de campanha pelo presidente brasileiro, Jair Bolsonaro (PL), que levou milhares de apoiadores às ruas, afirmam pesquisadores ouvidos pela Sputnik Brasil.
SputnikPelo
segundo ano consecutivo, as
comemorações do Dia da Independência se misturaram com manifestações de apoio ao presidente Jair Bolsonaro. Candidato à reeleição e segundo colocado nas pesquisas de intenção de voto, o chefe de Estado discursou em Brasília e no Rio de Janeiro para multidões de simpatizantes em meio aos atos oficiais de celebração da data.
A Sputnik Brasil ouviu dois cientistas políticos para avaliar o impacto político dos atos que levaram milhares de pessoas às ruas a menos de um mês do primeiro turno da eleição.
'Uma coisa são as ruas, outra coisa são as urnas'
Para o cientista político Cláudio Couto, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) em São Paulo, a manifestação desta quarta-feira (7) foi grande e reflete o apoio considerável de parte da sociedade brasileira a Bolsonaro. Couto, porém, aponta que isso não quer dizer que o apoio seja suficiente para vencer o pleito presidencial.
"Uma coisa é o número de pessoas na rua, que é grande. Outra coisa é o número de pessoas na urna — que tem que ser muito maior do que esse número de pessoas na rua. Então uma multidão na rua impressiona, mas ela está longe de ser um contingente suficiente para assegurar uma eleição presidencial", avalia o pesquisador da FGV em entrevista à Sputnik Brasil.
Couto afirma que o volume de pessoas nas ruas em apoio a Bolsonaro neste 7 de Setembro "pode até ser muito pouco significativo". O professor recorda que no Chile, mesmo com multidões indo às ruas, o novo projeto de Constituição do país foi derrotado. "A capacidade de mobilização impressiona, mas não é o 'data-povo', como o Bolsonaro gosta de dizer".
A cientista social Maria do Socorro Sousa Braga, professora da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar), especialista em processo eleitoral e partidos, ressalta que
Bolsonaro conseguiu levar às ruas apoiadores em estados nos quais acumula forças, como Rio de Janeiro e São Paulo, além do Distrito Federal.
"Pelas imagens dos atos nas ruas, [Bolsonaro] teve importante apoio de parte da população de estados onde já apresenta apoio mais consistente. Agora temos que acompanhar os desdobramentos. Não deve ter sido a última cartada, afinal ainda temos três semanas de campanha", aponta Braga em entrevista à Sputnik Brasil.
Para o pesquisador Cláudio Couto, as manifestações também não devem ser encaradas como um último grande movimento de Bolsonaro em sua campanha, uma vez que o presidente seria capaz de criar surpresas.
"Do Bolsonaro tudo se pode esperar. Ele pode tentar criar algum novo fato que possa melhorar a sua posição nas pesquisas de intenção de voto e, claro, na eleição propriamente dita", avalia.
Discurso 'surreal' não surpreendente
No início do dia, em um dos momentos mais comentados das manifestações nas redes sociais, o presidente Jair Bolsonaro discursou em Brasília e incitou que seus apoiadores fizessem um coro o chamando de "imbrochável". Para o pesquisador Cláudio Couto, a fala, considerada por ele "surreal", não surpreende, mas pode trazer efeitos negativos para Bolsonaro.
"Não é uma postura, evidentemente, presidencial, mas que mobiliza os seus. Só que eu acho que pode ter um efeito oposto com pessoas que, digamos, guardam ressalvas em relação ao Bolsonaro e que estão ainda indecisas. Que presidente é esse que fica se autoproclamando imbrochável de cima de um palanque ou de cima de um caminhão? Não é exatamente um presidente com uma postura esperada de um chefe de Estado e de um chefe de governo", pondera.
Já a pesquisadora Maria do Socorro Braga acredita que essa fala de Bolsonaro reforçou uma imagem de machista que parte da sociedade tem dele, frequentemente apontada por críticos e opositores. Além disso, ela avalia que o presidente não conseguiu ampliar seu apoio com os atos de ontem (7).
"Ele não conseguiu ampliar sua base, sair da bolha, não contou com apoio de lideranças políticas importantes. Sua tentativa, portanto, de ampliar seu apoio eleitoral não parece ter ocorrido. As próximas pesquisas dirão. O maior impacto foi o uso dessa data histórica e popular, para parte significativa da população, em sua campanha eleitoral. Esse ato reforçou seu posicionamento machista e misógino", argumenta.
De acordo com o professor Cláudio Couto, a presença de faixas entre os manifestantes com pedidos de intervenção militar e fechamento de instituições como o Supremo Tribunal Federal (STF) também não surpreende, uma vez que isso já ocorreu em diversas manifestações. Segundo ele, assim como o discurso do presidente, esse tom nos atos pode afastar eleitores.
"É um tipo de clamor — esse de fechamento do STF, de ruptura institucional — que mobiliza os já convertidos, os bolsonaristas que já estão lá, mas um eleitor um pouco mais centrista, que fica na dúvida e não gostaria de votar nem em Lula nem em Bolsonaro, pode ser muito mais espantado com esse tipo de conduta do que propriamente atraído", afirma.
Uso político do 7 de Setembro pode afastar militares?
Para o pesquisador Cláudio Couto, a
utilização "político-partidária" da data de comemoração da Independência não deve gerar impacto na relação do presidente com as Forças Armadas que, em parte,
aderiram à mobilização.
"Não creio que isso muda muita coisa. Os que já não gostavam dele no meio militar certamente continuam mal impressionados com ele, e os que já estavam com ele já estavam, a meu ver, dispostos a isso daí mesmo", afirma.
A pesquisadora Maria do Socorro Braga também afirma algo nesse sentido, acrescentando que, no seu entendimento, essas manifestações podem reforçar a relação de Bolsonaro com os militares.
"A cúpula das Forças Armadas tem grande responsabilidade neste governo. Seus interesses estão sendo atendidos."
Dia da Independência virou data bolsonarista?
Historicamente, o Dia da Independência tem laços importantes com os militares brasileiros, mas é considerada uma data cívica. Apesar da associação entre a data e o movimento de apoio ao presidente Bolsonaro nos últimos anos, Braga acredita que o bolsonarismo não tem peso para ressignificar a data de forma permanente.
"Não vejo que o bolsonarismo consiga toda essa força para tanto. O 7 de Setembro, apesar das controvérsias, é uma data nacional, ou seja, representa um marco no imaginário da sociedade brasileira", aponta.
Já para Cláudio Couto, o esforço bolsonarista de captura da data provavelmente continuará.
"Não tenho dúvida nenhuma de que o bolsonarismo vai fazer tudo o que puder para utilizar essa data como se fosse uma data sua, e até não duvidaria que eles criassem um movimento, tentassem criar um partido, fazendo menção ao 7 de Setembro — um 'movimento 7 de Setembro' ou coisa do tipo. A gente já viu algo parecido em outros lugares", conclui.