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Especialistas defendem entrada do Brasil em aliança do lítio com Argentina, Bolívia, Chile e México

Conhecido por "ouro branco" ou "petróleo branco", o lítio é um minério cuja importância tem crescido nos últimos anos. A América Latina concentra grandes reservas, o que coloca a região em uma posição estratégica. E o Brasil, onde fica nesta corrida do lítio?
Sputnik
O lítio ganhou esse status de mineral do futuro em razão da sua utilização em baterias de aparelhos de celular e, principalmente, de carros elétricos. Essa nova geração automotiva, que se projeta como menos poluente em razão da baixa emissão de CO2, depende do mineral. Segundo estudo da Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês), ligada à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a demanda pelo lítio deve crescer 40 vezes até 2040, em especial por conta das baterias automotivas.
Estudo recente da Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM), do Serviço Geológico do Brasil (SGB), promoveu uma atualização das reservas de lítio no Brasil. Segundo a pesquisa "Avaliação do Potencial do Lítio no Brasil", o país saltou de 0,5% para 8% das reservas mundiais do minério. Bolívia, Argentina e Chile, que compõem o chamado "Triângulo do Lítio", possuem mais da metade das reservas mundiais. Outro país latino-americano que recentemente descobriu amplas reservas foi o México.
Especialistas ouvidos pela Sputnik Brasil apontam que o Brasil precisa investir em mais pesquisas para se posicionar melhor no mercado internacional de lítio — e ter um mapa mais preciso sobre seu potencial de exploração — e que o país deve buscar uma aliança com Bolívia, Chile, Argentina e México.

CELAC do lítio? OPEP do lítio?

Durante encontro do fórum Perspectivas do Lítio da América Latina, realizado em abril com a presença dos quatro países, a Bolívia anunciou que buscava forjar uma aliança com as nações exploradoras de lítio com o objetivo de industrializar e beneficiar suas populações. O ministro boliviano de Hidrocarbonetos e Energias, Franklin Molina, defende que os 33 países da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC) devem ser incorporados.
"Deve haver uma CELAC do lítio. Para integrá-la, não deveria ser uma condição ser produtor ou ter reservas de lítio, mas sim ter mercado", disse Molina na ocasião.
O geólogo Daniel Pasin, professor de economia mineral e geologia econômica da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), acredita que o Brasil deve se integrar a essa iniciativa puxada pela Bolívia, que ele classifica de uma espécie de Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) do lítio.

"Esses países vão criar tipo uma OPEP para o lítio para controlar os preços. O Brasil pode entrar nisso", aponta Pasin à Sputnik Brasil.

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Giorgio Romano Schutte, professor de relações internacionais e economia da Universidade Federal do ABC (UFABC) e membro do Observatório de Política Externa e da Inserção Internacional do Brasil (OPEB), tem uma avaliação parecida. O especialista acredita que a união do Brasil com outros países produtores é fundamental para uma valorização da produção.

"Há uma corrida pelo lítio. As baterias vão ser uma questão-chave, não só pelos carros elétricos. Tem grandes mercados, grandes empresas disputando. Se os países que têm reservas apostarem no 'cada um por si', têm menos poder de barganha. Como tem muita concentração na América do Sul, você pode imaginar uma organização para se posicionar conjuntamente nesse mercado. É muito difícil, mas faz sentido. Faz sentido coordenar para negociar melhor com chineses, europeus, americanos", aponta à Sputnik Brasil.

Diante do aumento das reservas, Schutte defende que o Brasil pense em um modelo de desenvolvimento para a exploração do lítio com o objetivo de aumentar o valor agregado. O pesquisador aponta que é preciso um plano robusto, com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e empresas presentes. Não simplesmente fazer um edital.

"Se isso [esse aumento das reservas] se confirmar, há mais um motivo para coordenar essa atuação. Argentina está no Mercosul. Bolívia e Chile são membros plenos [associados]. [...] É uma pauta possível de atuação conjunta", disse Schutte.

As reservas nacionais de lítio

Pensando no estímulo da exploração do lítio, o governo brasileiro decidiu eliminar entraves, retirando as regras que o colocavam na mesma categoria dos minerais e insumos radioativos, cuja exploração precisa passar pela aprovação da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN). Com isso, o Ministério de Minas e Energia avalia que a produção de lítio e derivados poderá receber investimentos de cerca de R$ 15 bilhões até 2030.
Os especialistas avaliam essa medida como positiva. "O lítio não é radioativo igual urânio e tório. Por conta dessa ação do governo, houve uma facilitação para a prospecção e exploração do lítio", aponta Pasin.
O professor da UERJ acredita que isso está diretamente ligado com a expectativa de demanda do lítio. Há uma projeção que aponta que o número de carros elétricos vai saltar de 5 milhões para 35 milhões até 2030. Para Pasin, é importante realizar mais pesquisas sobre os pegmatitos de lítio presentes no território brasileiro para se ter uma dimensão melhor.

"Se revisitarem alguns lugares-chave em que ocorrem esses pegmatitos, pode ser que o Brasil suba em reservas. Esses pegmatitos não foram totalmente avaliados. Tem que fazer um trabalho de pesquisa e avaliação econômica geológica robusto. Ainda pode haver novas descobertas de jazidas de lítio no Brasil", aponta Pasin.

Isso é fundamental para posicionar o Brasil internacionalmente e estimular investimentos no país. Atualmente, apenas três empresas atuam no país, AMG Mineração, Sigma e Companhia Brasileira de Lítio (CBL).

"O Brasil ainda não é um país que se coloca como exportador de lítio, mas tem como ser", afirma o professor da UERJ.

O especialista reforça que o principal meio para se alcançar esse status é o investimento em pesquisa, avaliação econômica geológica e valorização da produção. Entre as possibilidades que podem impulsionar a produção nacional está a de revisitar os rejeitos de lítio que não foram bem aproveitados anteriormente.

Questão ambiental e fortalecimento diplomático

Pasin destaca ainda outros benefícios que uma união com outros países poderia trazer. O fator ambiental é um dos principais.
"[Como o carro elétrico está na moda], dizem que é uma energia limpa porque emite menos CO2. Vendem uma ideia de uma matriz energética mais limpa, mas, por trás disso, toda bateria precisa de elementos que precisam ser explorados na natureza, o que causa um impacto ambiental", destaca.
Ele cita o Salar de Uyuni, na Bolívia, que considera um patrimônio da natureza. "É preciso pensar em explorar de uma maneira sustentável. Explorar detonando com tudo não dá. O lítio tem passado por uma exploração mais devagar mesmo."
Turistas no Salar de Uyuni, rico em lítio, na Bolívia, em 5 de fevereiro de 2022
Uma exploração mais sustentável passa por avanços tecnológicos e uma legislação mais consistente, o que poderia ser articulado em conjunto pelos países da possível aliança do lítio.
Pasin enxerga o lítio como um ponto de partida para uma maior sinergia dos países em termos de cooperação.

"A opção conjunta pode trazer benefícios no fortalecimento até de outras commodities. Começa com o lítio, mas um convênio diplomático pode promover uma sinergia maior entre esses países em outras áreas. O lítio pode ser o gatilho para que acordos bilaterais e multilaterais saiam do papel. Começa no lítio, depois vai para outra coisa", finaliza o pesquisador.

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