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Maior zona de livre comércio do planeta: que espaço terá a África na agenda brasileira pós-eleições?

O mundo tem olhado de forma diferente para a África. Enquanto Rússia, EUA e China expandem seus investimentos e vínculos com o continente de olho na reorganização geopolítica global pulsante, o que os candidatos à presidência do Brasil falam sobre o assunto?
Sputnik
A política externa brasileira, embora marcada por um forte interesse pelo sul global há alguns anos, não vem contemplando o continente africano com o devido destaque que a região merece, segundo especialistas. No ano passado, países africanos criaram uma zona de livre comércio continental, a maior do planeta, com 54 países, despertando um potencial econômico enorme.
Em entrevista à Sputnik Brasil, Zilda Mendes, professora de comércio exterior e câmbio no Centro de Ciências Sociais e Aplicadas (CCSA) da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM), falou sobre as propostas dos candidatos à presidência do Brasil para a África e analisou os programas de Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Bolsonaro. A especialista destacou, todavia, que nas entrevistas, sabatinas e debates, "pouco se fala sobre política externa e relações internacionais, e quando falam, é de forma superficial".
Ainda assim, apesar da ausência de debate, ela enfatiza que as oportunidades de negócios com os países africanos "têm um grande potencial" e isso pode ser observado nas ações adotadas pelas associações de classe e pelas câmaras de comércio, como a Afrochamber, Câmara de Comércio Afro-Brasileira. Essas entidades, explica, atuam para identificar oportunidades de negócios para as empresas brasileiras exportadoras e importadoras.
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Por outro lado, ao se analisar o papel do governo brasileiro, ela aponta que o Estado é fundamental para que se criem as medidas de facilitação do comércio, "assim como reduzir a burocratização do arcabouço legislativo, criando formas de incentivos e promoção". Para ela, um primeiro passo para se aumentar a presença na África passa pela formalização de acordos comerciais com os países do continente que ajudarão no aumento das relações comerciais brasileiras.

Relação histórica entre Brasil e África

As exportações do Brasil para a África seguiram uma tendência de crescimento ano após ano desde 2002, chegando ao ápice em 2010. Com exceção dos momentos de crise, o Brasil se beneficiou das trocas comerciais, sucessivamente superavitárias desde 2016 — e em dois anos com recorde. O primeiro em 2011, quando obteve o maior montante exportado, de US$ 12,2 bilhões (R$ 62,83 bilhões, na cotação atual); e depois em 2017, quando atingiu o maior volume exportado: 23 milhões de toneladas.
Apesar dos bons números, o comércio caiu muito nos últimos dois anos, em função da pandemia de COVID-19 e, principalmente, da diminuição do nível das importações de petróleo. Assim, o país que mais sofreu com essa queda foi um grande exportador de petróleo, a Nigéria, que perdeu espaço para o Marrocos no ranking dos principais parceiros do Brasil na região.
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Consequentemente, ao se considerar os parceiros individuais do Brasil na África, o Marrocos foi o maior exportador para o Brasil até 2021, mas, já no início deste ano, a Nigéria recuperou esse posto. Argélia, África do Sul e Egito também estão entre os principais países africanos que exportam para o Brasil.
Conforme dados do Comex Stat, portal de estatísticas de comércio exterior do Brasil, em 2021 e no início deste ano, os principais produtos exportados para a África, em geral, foram açúcares e melaços, seguidos de milho e carnes de aves, em 2021, e soja e trigo, em 2022. Do lado do que o país importa estão principalmente adubos ou fertilizantes químicos e óleos brutos de petróleo.

Propostas de Bolsonaro e Lula para a África

Conforme apontou Zilda Mendes, o PL, partido do atual presidente da República, entende que "o Brasil ocupa uma posição de grande relevo na comunidade internacional", destacando que "é membro de diferentes agrupamentos de países voltados ao enfrentamento de desafios políticos e econômicos globais, tais como o BRICS e o G20".
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"A proposta do candidato Bolsonaro indica uma continuidade da política externa adotada em seu governo, com maior abertura nas relações internacionais e que buscou parcerias comerciais e tecnológicas com todos os países que pudessem atender às necessidades do país. Destacam-se a importância da adesão do Brasil à OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico; o processo ainda está em fase inicial] e a participação em outros organismos internacionais", disse.
A especialista ainda explicou que, dentro da doutrina econômica adotada pelo governo brasileiro para o continente africano, é preciso destacar a abertura econômica, a facilitação e a desburocratização no que diz respeito às operações de comércio exterior e câmbio, "além dos encaminhamentos e assinaturas de vários tipos de acordos internacionais, que deverão ter continuidade".
Já o programa de governo do PT, o partido de Lula, na avaliação da especialista promete a reconstrução da cooperação internacional Sul–Sul entre América Latina e África, além de defender "a ampliação da participação do Brasil nos assentos dos organismos multilaterais". A fim de defender a soberania brasileira, considera "fortalecer novamente o Mercosul, a Unasul [União de Nações Sul-Americanas], a CELAC [Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos] e o BRICS".
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Segundo Zilda Mendes, o programa de Lula pretende "trabalhar pela construção de uma nova ordem global comprometida com o multilateralismo, o respeito à soberania das nações, a paz, a inclusão e a sustentabilidade ambiental, que contemple as necessidades e os interesses dos países em desenvolvimento, com novas diretrizes para o comércio exterior, para a integração comercial e para as parcerias internacionais".
Para ela, "embora não esteja claro em seu plano de governo, em seus discursos e sabatinas críticas à autonomia do Banco Central, ele dá a entender que o controle das exportações de alimentos é uma ferramenta para evitar o desabastecimento do mercado brasileiro e controlar a inflação".
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