Notícias do Brasil

'A disputa eleitoral estava na mente de Bolsonaro', diz analista sobre discurso na ONU

Nesta terça-feira (20), o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, fez o tradicional discurso de abertura durante a 77ª sessão da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU). A Sputnik Brasil ouviu um especialista em relações internacionais que apontou que Bolsonaro refletiu posições do Itamaraty e tentou consolidar apoio político.
Sputnik
Há 73 anos o Brasil abre os discursos dos chefes de Estado durante a Assembleia Geral da ONU. Há quatro anos, Bolsonaro é o representante do Brasil nesse que é um dos principais compromissos da diplomacia internacional. O discurso do presidente brasileiro nesta terça-feira (20) durou cerca de 20 minutos e teve foco principal nas questões da política interna. O aceno era aguardado, uma vez que Bolsonaro segue atrás nas pesquisas de intenção de voto a menos de duas semanas do primeiro turno das eleições presidenciais.
Para Robson Cardoch Valdez, pesquisador do Núcleo de Estudos Latino-Americanos (NEL) da Universidade de Brasília (Unb), Bolsonaro tentou projetar internacionalmente uma imagem de recuperação econômica no Brasil, em um discurso voltado a consolidar o apoio de seu eleitorado para os possíveis cenários nas urnas. "A disputa eleitoral estava na mente do governo do presidente Bolsonaro ao fazer esse discurso", disse Valdez em entrevista à Sputnik Brasil.
O presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, discursa durante a 77ª Assembleia Geral da ONU, em Nova York, em 20 de setembro de 2022

Discurso na ONU e presença em Londres refletem busca por projeção

Bolsonaro está em viagem internacional desde sábado (17) para participar de atividades em Londres em meio ao funeral da rainha Elizabeth II. A liderança ganhou as manchetes por polêmicas relacionadas a essa passagem pela capital inglesa, onde o presidente fez a embaixada brasileira de palanque eleitoral e discutiu com jornalistas. Segundo Robson Valdez, esses fatos geraram impacto negativo na imagem internacional do país, o que pode ser prejudicial para Bolsonaro.
Para o especialista, a viagem do presidente brasileiro a Londres antes do discurso na ONU seria uma tentativa de projetar sua imagem internacionalmente para garantir sua relevância política em uma eventual derrota nas eleições presidenciais. Segundo o pesquisador, essa projeção é uma forma de consolidar poder político e mobilizar apoiadores. "Ir ao velório da rainha, fazer um discurso público da Embaixada do Brasil em Londres, tudo isso é possível capitalizar em imagens e em discurso junto ao seu eleitorado", diz.

"É possível pensar que Bolsonaro esteja projetando seu capital político para além das fronteiras nacionais para que isso volte como capital político domesticamente e para que ele se mantenha como uma força política a partir de 2023, em uma eventual derrota eleitoral", avalia.

O presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, assina livro de condolências à rainha Elizabeth II, na Lancaster House, em Londres, em 18 de setembro de 2022
Para Valdez, essa movimentação internacional precisa ser olhada com atenção, uma vez que Bolsonaro também poderia estar tentando se projetar como uma liderança internacional da extrema-direita, segundo ele. A agenda de Bolsonaro na ONU inclui encontros com os presidentes da Polônia, Andrzej Duda, e do Equador, Guillermo Lasso.

"É preciso ficar atento a essa estratégia de o Bolsonaro sair, a menos de duas semanas da eleição, em uma agenda internacional para justamente continuar com o mesmo discurso negacionista, de ódio, enfim, para mobilizar domesticamente sua base eleitoral e para projetar internacionalmente o Bolsonaro como líder da extrema-direita na América Latina e no mundo", afirma.

Posição sobre a Ucrânia reflete orientação tradicional do Itamaraty

O principal tema abordado pelo presidente brasileiro no âmbito internacional durante seu discurso na ONU foi o conflito na Ucrânia. Bolsonaro defendeu um cessar-fogo imediato e se posicionou contra a imposição de sanções econômicas.

"Defendemos um cessar-fogo imediato, a proteção de civis e não combatentes, a preservação de infraestrutura crítica para assistência à população e a manutenção de todos os canais de diálogo entre as partes em conflito [...]. Não acreditamos que o melhor caminho seja a adoção de sanções unilaterais e seletivas, contrárias ao direito internacional", disse Bolsonaro.

Para Valdez, esse é um típico posicionamento do Itamaraty e condiz com a história da diplomacia brasileira. A representação diplomática do Brasil tem mostrado neutralidade em relação ao conflito no Leste Europeu em votações na ONU.

"É difícil dizer se o Bolsonaro realmente acredita nessa postura, mas essa é uma postura muito tradicional da diplomacia brasileira, que sempre se pautou pela solução negociada dos conflitos. [...] É uma posição pragmática, porque, como se sabe, a guerra vem atingindo sobremaneira os países emergentes, países do sul global, no que diz respeito ao aumento do preço da energia, do gás, dos alimentos. E isso tem um impacto muito grande nos países de renda média, como o Brasil", afirma.

Centenas de apoiadores de verde e amarelo recebem o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, em frente à Embaixada do Brasil em Londres
Para Valdez, a posição contra a imposição de sanções é também um reflexo da postura tradicional do Itamaraty de defesa da manutenção de canais de diálogo.

"Apesar de todas as ingerências de Bolsonaro, de seu estilo mais truculento de governar, o Itamaraty consegue, de alguma forma, impor alguns parâmetros, algumas balizas para ação da política externa brasileira em situações críticas, como no caso do conflito russo-ucraniano", conclui.

Comentar