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FAB precisa de mais investimentos para manter avanços recentes e ampliar capacidade, diz analista

No domingo (23), é comemorado o Dia do Aviador e da Força Aérea Brasileira (FAB). Para discutir o atual estado e os recentes avanços da FAB, como no caso da incorporação de jatos Gripen, a Sputnik Brasil conversou com um especialista em aviação e defesa, que ressaltou o destaque regional da força e as necessidades de investimentos e melhorias.
Sputnik
As comemorações do dia 23 de outubro são uma referência direta a Alberto Santos Dumont, considerado o pai da aviação mundial. Na data, em 1906, Santos Dumont inscreveu seu nome e o do Brasil na história ao realizar o primeiro voo do famoso 14-bis, no campo de Bagatelle, na França.
Em função da data comemorativa, a Sputnik Brasil conversou com o economista Marcos José Barbieri, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e especialista em aviação e Defesa, sobre a atual situação da FAB e os avanços recentes, como no caso da incorporação de caças Gripen, da sueca SAAB.
A aquisição dos famosos caças foi negociada durante o governo de Dilma Rousseff (PT), incluindo a transferência de tecnologia para o Brasil. Batizado de F-39E Gripen, o caça da FAB fez seu primeiro voo no Brasil em 2020.
Barbieri ressalta que os jatos Gripen são aeronaves que, apesar de não serem de quinta geração, estão na fronteira tecnológica do setor em vários atributos. Nesse sentido, a incorporação desse modelo traz diversas vantagens técnicas, inclusive de quinta geração, à frota da FAB.

"São aeronaves de primeira linha, aeronaves de caça, aviões de combate. Essas aeronaves exercem múltiplas funções. Funções de interceptação, combate aéreo, garantia de superioridade aérea, combate aéreo com outras aeronaves e operações de ataque — ataque a alvos em solo, a alvos navais, de reconhecimento", afirma Barbieri em entrevista à Sputnik Brasil, ressaltando que, além da transferência de tecnologia, parte do arcabouço técnico do Gripen foi desenvolvido em parceria com brasileiros.

O pesquisador destaca entre as tecnologias do Gripen o painel da aeronave, que emprega alguns dos sistemas mais modernos do mundo — uma demanda da FAB. Parte desse equipamento foi desenvolvido no Brasil. Além disso, o professor da Unicamp aponta que os Gripen são capazes de se manter em velocidades supersônicas por um tempo considerado "bastante elevado" e estão sendo equipados no Brasil com armas avançadas, como o míssil de curto alcance IRIS-T e o míssil de longo alcance Meteor.
Em Linkoping, na Suécia, a então presidente do Brasil, Dilma Rousseff (PT), participa de apresentação do caça Gripen durante visita à SAAB, em 19 de outubro de 2015

"É uma aeronave que está, do ponto de vista tecnológico, entre as mais avançadas do mundo. Não acredito que, no Brasil, ao longo da história, tenhamos tido uma aeronave com um nível tecnológico tão próximo, digamos assim, da fronteira tecnológica", afirma.

Barbieri destaca ainda que, com a chegada dos caças suecos, o Brasil deixa de usar aeronaves ultrapassadas, como os jatos supersônicos F-5, da Northrop. O especialista comenta que essas aeronaves foram compradas em lotes a partir dos anos 1970 e modernizadas entre o fim da década de 1990 e o começo dos anos 2000 no Brasil. "Então ela [aeronave Gripen] tem uma importância muito grande, porque ela vem a ser a principal aeronave de combate da Força Aérea Brasileira. A aeronave de primeira linha", aponta.

FAB sofre com política fiscal e precisa de mais investimentos

Segundo Barbieri, o investimento na FAB é algo central. O pesquisador aponta que a força passa por um processo de modernização ao longo do século XXI, particularmente a partir de 2004 e 2005 e mais ainda a partir de 2008 e 2009, após a implementação da Estratégia Nacional de Defesa.

"A Força Aérea Brasileira vem avançando dentro de um processo de modernização dos seus meios. Novas aeronaves, novos equipamentos, novos armamentos e novas doutrinas de aplicação dessas aeronaves e desses equipamentos, que vêm colocando a Força Aérea Brasileira em uma capacidade operacional muito maior ao longo desse tempo", aponta.

Barbieri destaca que a incorporação e o desenvolvimento de novas aeronaves, como o Gripen e o KC-390, são parte desse movimento que, segundo ele, está levando a FAB a "um patamar tecnológico e de capacidade operacional muito mais avançado".
A FAB realizou missões em um cenário de conflito fictício envolvendo até 40 aeronaves para elevar a interoperabilidade entre as forças aéreas participantes do Exercício Multinacional Salitre 2022
No entanto o pesquisador pondera que, a partir de 2015, esse avanço vem sendo atrapalhado por crises econômicas e por uma política fiscal "severa" que restringe recursos públicos e investimentos. Segundo ele, esse cenário "vem prejudicando muito a Força Aérea Brasileira".

"Há uma carência de recursos, e isso causa impacto. Muitos projetos têm sido postergados, [...] em outros projetos a quantidade de encomendas vem sendo reduzida e outros projetos, inclusive, foram cancelados", aponta.

Barbieri acrescenta que a falta de investimentos prejudica não só a FAB, mas também o desenvolvimento tecnológico e a autonomia tecnológica nacional.

"De um lado prejudica essa modernização. Nós temos uma quantidade insuficiente de aeronaves, apesar de serem aeronaves modernas, que vêm sendo incorporadas. E [a falta de investimento] prejudica a indústria brasileira e o desenvolvimento tecnológico nacional", aponta.

Atrás das grandes potências, FAB se destaca na região

Para Barbieri, a Força Aérea Brasileira é mais moderna e capacitada que suas equivalentes na região latino-americana e alcança uma posição de destaque mesmo entre países emergentes.

"Quando analiso a Força Aérea Brasileira dentro desse processo de modernização comparado, por exemplo, com as demais forças aéreas da América Latina, nós temos uma capacidade operacional, militar e, principalmente, uma capacidade de desenvolvimento tecnológico dentro do país que nos coloca muito à frente de qualquer outro país da América Latina", disse o especialista.

Barbieri acrescentou que o Brasil tem o diferencial de estar adquirindo tecnologia no processo de modernização. Segundo ele, esse processo é importante para que o Brasil não só tenha o domínio de tecnologias estratégicas como também para que essas tecnologias cheguem a outros setores.
Militares brasileiros posam na frente do avião KC-390
Apesar disso, em comparação a países com populações e territórios grandes de outras regiões, o pesquisador acredita que a Força Aérea Brasileira está "muito aquém" do necessário. Para Barbieri, essa força ainda precisa de mais investimentos diante do desafio de defender uma extensa área e riquezas como a Amazônia.

"Se nós formos comparar com países que também têm populações grandes, dimensões continentais, amplos recursos naturais, que têm uma posição geopolítica mais destacada, como o Brasil, [...] vamos verificar que a nossa Força Aérea Brasileira, apesar dos avanços e da modernização, tem uma quantidade de meios muito aquém das nossas necessidades, muito aquém de países equivalentes a nós", aponta.

Para Barbieri, em relação aos seus equivalentes em termos de posição geopolítica e dimensões territoriais e de recursos, o Brasil ainda precisa de equipamentos, sistemas, armas e treinamento de pessoal no âmbito da FAB em uma quantidade "muito maior".

"Há necessidade de se priorizar os investimentos em defesa, [eles] são fundamentais tanto para a soberania do país quanto para o nosso desenvolvimento tecnológico", conclui.

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