Passadas as eleições, quais são as perspectivas para a economia?
22:30, 31 de outubro 2022
Redação
Equipe da Sputnik Brasil
Em entrevista à Sputnik Brasil, o economista Fábio Sobral, professor da Universidade Federal do Ceará, listou quais serão os principais desafios a serem enfrentados pelo presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, já no início de seu mandato.
SputnikEleito presidente da República nas eleições deste ano, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assumirá o país com um grande desafio:
colocar a economia nos trilhos. Lula terá de lidar com a
alta da inflação, que vem corroendo o poder de compra da população, e fomentar a recuperação econômica.
Em entrevista ao podcast Jabuticaba Sem Caroço, da Sputnik Brasil, o economista Fábio Sobral, professor da Universidade Federal do Ceará (UFC),
ressalta que os primeiros três meses de qualquer governo tendem a ser de baixa atividade econômica.
"São meses para pagar contas, principalmente contas de colégio, impostos de automóveis, contas do Natal. Inclusive há a demissão daqueles trabalhadores do comércio que atenderam nas lojas durante o Natal. Então há uma queda natural do emprego", diz Sobral, acrescentando que "se os primeiros três meses de 2023 apontarem uma tendência diferente, com números positivos, consolidará um cenário animador".
O economista também destaca que o nome que será escolhido por Lula para comandar o Ministério da Economia também terá um grande peso nas perspectivas econômicas. Ele sublinha que a equipe que assessora Lula tem pessoas com dois tipos de visão.
"É uma assessoria também dividida, isso me preocupa um pouco. O Aloizio Mercadante tem visões atrasadas, de não compreensão do papel do Estado como indutor do desenvolvimento. Mas ele [Lula] tem também economistas da Unicamp [Universidade Estadual de Campinas], como o Guilherme Mello, que pode compreender melhor essa possibilidade", diz Sobral.
O especialista aponta que um dos desafios econômicos será a retomada da geração de empregos. Segundo ele, uma das formas de se fazer isso seria retomando obras de infraestrutura e fomentando a reconstrução da indústria nacional.
"Foram perdidos 4 milhões de empregos nos setores de indústria naval e indústria petrolífera, que têm um potencial enorme para crescer", destaca o especialista.
Questionado sobre se é possível recuperar a indústria com índices positivos, como o país já teve, uma vez que os dados recentes apontam estagnação, Sobral é categórico ao afirmar ser "extremamente possível".
"Se o país passar a encomendar plataformas de exploração do pré-sal não mais à Tailândia, à Coreia do Sul, mas encomendar de novo à indústria naval [nacional], ela se recupera. A indústria naval se recupera, a indústria petrolífera, o setor de construção civil se recupera", diz o economista.
Porém ele afirma que o país precisa tratar com mais seriedade a cultura, prestando atenção nos benefícios que ela traz à economia e ao país.
"É preciso verbas para a educação, tanto a cultura quanto ciência e tecnologia. As pessoas pensam que dá para formar um cientista sem cultura. Um cientista sem cultura, sem literatura, sem ouvir música, sem ir ao teatro, sem ver bons filmes é um cientista incompleto, incapaz de ter ideias novas."
Ele acrescenta que a cultura inclusive impacta no turismo. "O Brasil recebe menos turistas estrangeiros do que a Torre Eiffel, que recebe 89 milhões de turistas por ano. O Brasil recebe no máximo 7 milhões. Mas nós temos, talvez, uma das culturas mais ricas do mundo. E não se entende isso [no Brasil], as pessoas pensam que é só praia, 'Vamos trazer o turista para a praia'. Não entendem esse potencial renovador da produção cultural", diz o economista.
A pandemia expôs a carência do Brasil em ter um complexo industrial de saúde. O país precisou importar insumos como máscaras e seringas. Alguns cientistas apontam que não é improvável que uma nova pandemia ocorra em um futuro próximo. Questionado sobre a necessidade de se desenvolver no Brasil um complexo industrial de saúde, Sobral diz considerar a medida fundamental.
"Acho fundamental, até porque medicamentos têm 20 anos de direito de patentes. Mais de 80% dos remédios consumidos no Brasil já venceram a patente. O país poderia quebrar essas patentes legalmente, através de medicamentos genéricos, produzindo uma indústria farmacêutica, mas não só isso", diz o economista, acrescentando que também é preciso investir em pesquisas feitas por universidades.
O economista listou algumas medidas que o governo Lula poderia tomar para mitigar os impactos econômicos gerados na população pela pandemia. Segundo ele, a primeira seria o controle de preços, reduzindo os preços dos combustíveis e eliminando a política de seguir os preços internacionais, o que reduziria a inflação.
"A segunda medida seria garantir um salário mínimo mais alto, as pessoas imediatamente vão consumir. E o consumo de uma pessoa que está empregada acabará gerando empregos novos para quem está desempregado", diz Sobral.
Por fim, ele destaca que o Brasil precisa reduzir o preço da energia elétrica, investir em fontes de energia renováveis e estimular a agricultura familiar e as agroflorestas.
"Aqui no Brasil a agricultura familiar tem de ser financiada, os preços chegariam baratos ao mercado, ou seja, a inflação não cresceria, e poderia até reduzir. E a segurança alimentar aumentaria", diz Sobral.
7 de setembro 2022, 11:22
Questionado sobre os motivos que levam o país a ter uma grande resistência ao financiamento da agricultura familiar, aponta para "uma concepção que varre o Brasil em grande parte, que é a concepção neoliberal".
"Nós podemos atribuir a um domínio do Parlamento brasileiro por bancadas como a do boi, com bancadas conservadoras que impedem a destinação de verbas a esse setor", diz Sobral.
Ele acrescenta ainda que a monocultura, dominante no Brasil, é um modelo de produção que "devasta a terra".
"O monocultor devasta a terra. Tem projetos que mostram que antigas áreas produtoras de cana-de-açúcar no Nordeste têm o solo devastado. Fala-se na cimentação, no processo de endurecimento do solo do Cerrado, em desaparecimento de grandes aquíferos subterrâneos por causa dessa rigidez do solo", destaca Sobral.
O especialista finaliza ressaltando que esse modelo de produção também traz prejuízos econômicos.
"Tem de se importar os fertilizantes, as sementes, que são transgênicas, o veneno das sementes transgênicas, os tratores. Estudos energéticos dizem que, para cada unidade de energia aplicada nesta agricultura tradicional, você colhe uma unidade de energia, um resultado líquido de zero. Enquanto na agrofloresta você investe em uma unidade de energia e colhe 16. Qual é a mais lucrativa?", questiona o economista.