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Entre o 'acabou, Bolsonaro' e o 'Lula lá', como funciona e para que serve a transição de governo?

Com o fim das eleições presidenciais deste ano, a política brasileira entrou em uma nova etapa: o processo de mudança do governo do atual presidente, Jair Bolsonaro (PL), para o governo do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Com a ajuda de especialistas, a Sputnik Brasil explica para que serve e como funciona essa transição.
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A transição de governo é um rito democrático e republicano instituído pela Lei 10.609/2002, promulgada durante a transição do governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) para o governo Lula, eleito presidente pela primeira vez no pleito de 2002. Posteriormente, a lei foi complementada pelo Decreto 7.221/2010, assinado na transição do governo Lula para o governo Dilma Rousseff (PT), em 2010.
Pela lei, é determinado que:
O processo de transição governamental tem início com a proclamação do resultado da eleição presidencial e se encerra com a posse do novo presidente da República;
Ao presidente eleito, é facultado o direito de instituir uma equipe de transição;
Essa equipe de transição terá acesso a todas as informações necessárias, o que inclui dados das contas públicas, para que o novo governo possa preparar atos de iniciativa a serem editados imediatamente após a posse;
O presidente eleito é responsável por indicar um coordenador para a equipe de transição, que recebe o posto de Ministro Extraordinário;
São criados 50 cargos em comissão, denominados Cargos Especiais de Transição Governamental, cujos titulares atuarão na transição;
Os trabalhos da equipe de transição são encerrados com a posse do presidente eleito, em 1º de janeiro, e os nomeados para cargos em comissão devem ser exonerados até dez dias após a posse.
Na última terça-feira (1º), Lula anunciou o vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin (PSB), como coordenador da equipe de transição. Em paralelo, o ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP), afirmou ter sido autorizado por Bolsonaro para iniciar o processo de transição.
Para entender para que serve e como funciona uma equipe de transição, a Sputnik Brasil conversou com o jurista Alexandre Rollo, especialista em direito eleitoral, e com o senador Humberto Costa (PT-PE), que integrou a equipe de transição de Lula em 2002.
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Humberto Costa explica que os trabalhos de uma equipe de transição funcionam "como uma radiografia da administração pública federal". "É uma determinação legal que haja um quadro real de toda a situação. Nossa equipe de transição está pronta para começar a receber os detalhes de cada área e começar a trabalhar", disse o senador.
Porém o cenário indica que a transição não será fácil desta vez. Segundo Costa, a demora do presidente Jair Bolsonaro em reconhecer a derrota no pleito atrasou o início dos trabalhos, que em sua natureza já têm um prazo curto. Além disso, o parlamentar afirma que há a suspeita de que a gestão do presidente dificulte o repasse dos dados necessários.
"Estamos em tempos atípicos, diante de um presidente autoritário, que não respeita o Estado democrático de direito. Por isso tudo está mais atrasado, ainda mais com tão pouco tempo até a posse", destaca o senador.
Porém ele ressalta que o governo do presidente eleito "conseguiu, de toda forma, abrir um canal de diálogo com algumas pessoas republicanas do governo". "Estamos esperando que haja sinalização com a nomeação daqueles que indicaremos para o processo", afirma.
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O jurista Alexandre Rollo ressalta que a criação de uma equipe de transição é "uma conduta desejável, mas não impositiva".
"Em nenhum momento está escrito nessa lei que há necessidade, que é obrigatória a constituição dessa equipe de transição. Mas é claro que isso seria uma conduta desejável de qualquer presidente da República que esteja saindo do seu cargo", diz Rollo.
Ele explica que, por ser facultativa, não há na Lei 10.609/2002 uma punição prevista para casos em que o atual governo se recuse a fornecer dados à equipe de transição. Porém destaca que o ideal é que esses dados sejam repassados no tempo previsto.

"É claro que isso seria algo desejável e bom para a própria população brasileira, para o próprio país. Seria de todo desejável que isso acontecesse, para que o novo governo já vá se inteirando de todos os assuntos e comece a já administrar bem o país a partir do dia 1º de janeiro de 2023", diz o jurista.

A declaração de Rollo vai ao encontro do que prevê o artigo 2º do Decreto 7.221/2010, que, entre outros pontos, lista como princípios da transição governamental "a transparência da gestão pública", "a supremacia do interesse público" e a "boa-fé e executoriedade dos atos administrativos".

Em medida inédita, TCU vai supervisionar a transição

Para evitar atrasos e problemas maiores, neste ano, pela primeira vez, o Tribunal de Contas da União (TCU) criou um comitê para supervisionar a transição e garantir que a legislação disposta na Lei 10.609/2002 e no Decreto 7.221/2010 seja rigorosamente cumprida.
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O comitê será composto por ministros do TCU e coordenado pelo presidente em exercício do tribunal, Bruno Dantas. Na nota sobre a criação do comitê, divulgada pela assessoria do TCU na terça-feira (1°), Dantas destacou que "nações civilizadas precisam ter ritos civilizados em questões que são naturais em democracias, e a alternância de poder é algo absolutamente natural e salutar".
"A administração pública se rege por um princípio de continuidade da gestão pública. Não é possível que todas as vezes em que há alternância de poder haja uma paralisação da prestação de serviços públicos. É exatamente para isso que nações maduras possuem processos sólidos de transição de governos", afirmou Dantas.
Citando a decisão do TCU, Costa destaca que a medida abre margem para punição, caso o governo atual se recuse a fornecer os dados solicitados.
"Se houver negativa, os responsáveis responderão administrativamente e criminalmente. O próprio Tribunal de Contas da União já avisou que criará um grupo especial para acompanhar o processo e responsabilizar todos aqueles que criarem obstáculos à transição. Essa é uma determinação legal que transcende partidos e governos. É um respeito ao Estado brasileiro, que não pode, sob qualquer hipótese, ser negligenciado", conclui o senador.
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