Panorama internacional

Brasil pode passar de potência militar regional para potência global?

Rússia, China e Índia são praticamente unanimidades entre especialistas em defesa quando questionados sobre as maiores potências militares do planeta. As três potências nucleares integram o BRICS e se tornaram referências com investimentos de longa data. O Brasil pode alcançar o patamar dos seus parceiros de grupo?
Sputnik
Não é surpresa para ninguém que o grupo BRICS, cobiçado por cada vez mais países pelo seu potencial econômico e diplomático, também esbanja um enorme potencial em termos militares, sendo formado por três potências nucleares, que figuram entre os principais destaques em qualquer ranking de defesa. Com menos destaque, mas com grande força, Brasil e África do Sul também chamam atenção pelo seu poder militar, principalmente dentro de suas regiões.
Com o crescente fortalecimento do BRICS, analistas têm apontado que o grupo já incomoda potências tradicionais do Ocidente e que sua expansão deve enfrentar obstáculos impostos por esses velhos polos de poder, obstáculos de diferentes ordens.
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Se países como Rússia e China conseguem resistir com eficiência a fortes investidas ocidentais contra seus interesses, grande parte disso se deve, sem dúvidas, ao fato de terem um poder militar tão significativo quanto o de seus adversários — Estados Unidos e seus aliados na Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). E quanto às capacidades de defesa do Brasil? Como a maior potência da América Latina poderia se equiparar a seus pares globais?
A Sputnik Brasil buscou especialistas para explicar quais os pontos fortes de cada um dos países — os três com capacidade nuclear — e comentar quais passos o Brasil deve seguir se quiser se tornar uma potência internacional no setor e se esses países, por intermédio do BRICS, poderiam ajudar.
A professora Isabela Gama, especialista em segurança e teoria das relações internacionais e BRICS e pesquisadora pós-doutoranda da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME), argumenta que a posição alcançada por países como Rússia, Índia e China não se dá por acaso.

"Não é à toa que esses países aparecem nos primeiros lugares. São grandes potências nucleares, e, por mais que muitos analistas discutam os números de ogivas nucleares, esses Estados não precisam de muitas ogivas. Não são necessárias muitas ogivas para se destruir o planeta."

A especialista acredita que o poderio russo está relacionado com a herança soviética.

"A Rússia foi a grande herdeira da União Soviética, o que fez com que ela herdasse sistemas de defesa, muitos ornamentos, tanques, aviões e a tecnologia para continuar produzindo e vendendo. A Rússia conta com o capital que vem do petróleo e do gás e é uma das maiores exportadoras de armamentos do mundo."

Gama destaca que a potência da China se deve ao fato de o país ter destinado muito capital para pesquisa e desenvolvimento, além de sua enorme população, de mais de 1,4 bilhão de habitantes.

"O número de pessoas que a China tem, o potencial de um exército gigantesco faz muita diferença, sim. Obviamente, para manter um exército muito grande, há necessidade de muito capital, o que a China tem de sobra", aponta Gama.

A especialista faz a mesma ponderação sobre a Índia, que tem uma população de mais de 1 bilhão de habitantes.

"A Índia é um dos maiores exportadores e importadores de armas da Rússia, por exemplo, e também é um grande parceiro comercial dos Estados Unidos. A Índia também possui esse potencial de pessoas, isso ainda é muito importante, mesmo em cenários [...] de guerra cibernética ou de conflitos em que na verdade as pessoas não estão presentes, com o uso de drones e tecnologias similares."

Hugo Alburquerque, editor da Autonomia Literária e diretor do Instituto Humanidade, Direitos e Democracia (Ihudd), também entende que o tamanho da população é o grande trunfo desses países, mas pondera que os rankings militares são limitados e falhos.

"Existem muitas variáveis que podem implicar na força de cada país. O que se pode dizer como constante é o potencial militar deste momento, o qual deriva do tamanho da população e capacidade industrial", diz Albuquerque.

Os dois especialistas ouvidos pela Sputnik acreditam que há potencial de cooperação desses países com o Brasil em termos de defesa em razão das relações estabelecidas no BRICS, mas veem dificuldades para o estabelecimento de uma aliança militar. "Seria interessante inclusive para o Brasil dar prosseguimento na questão de desenvolvimento de submarinos nucleares", aponta Gama.

"Ainda temos um claro déficit na área militar, especialmente de blindados e aviões. Não à toa existem muitas áreas de fronteiras, especialmente na Amazônia, que são muito difíceis de serem controladas e das quais o Brasil realmente não dá conta", avalia a analista.

Para a pesquisadora do ECEME, as Forças Armadas do Brasil são "bastante bem treinadas, especialmente para o que nós precisamos, afinal vivemos em um subcontinente pacífico. E acredito que o Brasil possui bastante know-how no que tange a segurança de fronteiras". "Acho que esse ponto é bem interessante e que o Brasil tem, inclusive, muito para ensinar", aponta.
Gama, no entanto, enxerga que há limites para o desenvolvimento militar do Brasil.

"Acredito que a modernização de algumas áreas da capacidade militar deve ser realizada, sim, mas acredito que haja um limite para isso. Afinal, não vejo por que nós nos armarmos demais e acabar sendo vistos pelos nossos vizinhos como um potencial inimigo. Então acredito que o Brasil possa melhorar a capacidade militar, sim, mas para fins de defesa onde é extremamente necessário. Afinal de contas, não há necessidade também de aumentarmos muito nossos gastos militares quando nós temos tantos outros problemas para serem resolvidos."

Albuquerque vê de outra forma. Para ele, o Brasil precisa reformar as Forças Armadas, inclusive com uma mudança de doutrina.

"O país tem se desindustrializado e falta tecnologia e treinamento das tropas. E o Brasil precisa reformar suas Forças Armadas. Antes de ter o armamento necessário, é preciso organização e uma mudança no plano estratégico, que ainda acredita na doutrina do inimigo interno, o que na prática coloca o Exército em conflito com o próprio povo."

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