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'Viva a dança!': eterna bailarina, Tatiana Leskova comemora 100 anos e trajetória brilhante

Hoje (6) a renomada bailarina Tatiana Leskova completa 100 anos. Ícone do balé e reconhecida pela influência na dança artística no Brasil, a ex-diretora do Theatro Municipal do Rio segue apaixonada pela vida e pela arte. A Sputnik Brasil foi à casa de Leskova para ouvir a centenária história de dedicação da bailarina e coreógrafa aos palcos.
Sputnik
Nascida na França, filha de pais russos e bisneta do escritor russo Nikolai Leskov, a artista é radicada no Brasil e vive no Rio de Janeiro (RJ) desde 1944. Na Cidade Maravilhosa, Leskova dirigiu o corpo de baile do Theatro Municipal, com idas e vindas, ao longo de quatro décadas, com grande influência no desenvolvimento do balé no Brasil.
Em janeiro, Leskova recebeu do Itamaraty a Medalha da Ordem do Rio Branco em reconhecimento por sua vasta contribuição ao balé e à cultura nacional. À época, o cônsul-geral da Rússia no Rio de Janeiro, Vladimir Tokmakov, em entrevista à mídia russa, classificou Leskova de uma "guardiã da tradição clássica da escola de balé russa".

Rica experiência internacional e atividade no Brasil

Com passagens pela Opéra Comique de Paris, Ballet de la Jeunesse e Original Ballet Russe, Leskova passou boa parte da juventude se apresentando em diversos países antes de se estabelecer no Rio de Janeiro. Entre eles Estados Unidos, França, Canadá, México, Cuba e Austrália, conforme cita o verbete do São Paulo Companhia de Dança (SPCD).
Em 1942, ainda como uma jovem bailarina em turnê internacional, conheceu o Brasil pela primeira vez. Dois anos depois, após turnê pela América do Sul, se estabeleceu no país.
Entre 1948 e 1949, a bailarina fundou o que viria a ser a tradicional Academia de Ballet Tatiana Leskova — que funcionou como importante casa de formação de dança até 2002, quando a coreógrafa completou 80 anos.
Ainda em 1950, Leskova se tornou diretora do Corpo de Baile do Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Dois anos depois, a bailarina se tornou cidadã brasileira. A relação com o Theatro Municipal se encerrou definitivamente apenas em 1990, após diversas passagens marcantes pela instituição.
A bailarina Tatiana Leskova, aos 99 anos, em sua casa durante entrevista à Sputnik Brasil. Rio de Janeiro, 1º de dezembro de 2022
A lendária bailarina se despediu dos palcos apenas em 1964, aos 43 anos, após uma cirurgia no menisco. Apesar disso, a coreógrafa não se afastou da dança.
Mundialmente respeitada, ao longo dos anos 1980 Leskova deu aulas nos EUA e na Alemanha, além de realizar atividades no Reino Unido e na Rússia. Nesse período, a coreógrafa foi homenageada em Cuba e no Peru, além de ser condecorada na França com a Ordem das Artes e Letras do Ministério da Cultura e da Comunicação francês. Em 1984, Leskova também recebeu o título de cidadã carioca.

Um século de dedicação à dança

As jornalistas Bárbara Pereira e Francini Augusto, do Jabuticaba Sem Caroço, podcast diário da Sputnik Brasil, foram à casa de Tatiana Leskova, no Rio de Janeiro, às vésperas do centenário da eterna bailarina, que tem recebido diversas homenagens devido ao marco de sua longevidade e contribuição. Com a fala altiva e confiante, a ex-diretora do Theatro Municipal do Rio afirma que o pedaço mais importante desses 100 anos foi sua dedicação à dança.

"Passou rápido, mas houve muitas histórias. Foram muitos esforços, algumas lágrimas, amores, e, bom, o máximo para mim na vida foi o meu trabalho", conta Leskova em entrevista à equipe do podcast Jabuticaba Sem Caroço, da Sputnik Brasil.

A coreógrafa ressaltou a convicção que manteve ao longo da carreira de que a atividade da dança exige uma vida de compromisso com a atividade, sem espaço para distrações. Segundo ela, mesmo as praias do Rio de Janeiro não devem tirar o foco de uma bailarina.

"Porque ser bailarina não é fácil, não é fácil do ponto de vista físico e também você tem que ter disciplina. Não tem 'Ah, estou com dor de cabeça e não vou ensaiar' ou 'Vou almoçar não sei com quem e não vou trabalhar'. Não tem. O teatro é em primeiro lugar", salienta.

Quadros na casa da bailarina Tatiana Leskova, 99 anos, no Rio de Janeiro, em 1º de dezembro de 2022
Leskova diz saber que não aparenta ter 100 anos de idade e pondera que talvez tivesse tido uma vida mais rica "do ponto de vista artístico" se não tivesse escolhido o Brasil. Apesar disso, ressalta que aqui teve coisas que não encontraria em outro lugar.

"Eu teria dançado mais tempo para maiores papeis, mas aconteceu também de no Brasil eu ter encontrado o meu amor — que foi um amor muito difícil, mas foram 40 anos de relação. Então isso me marcou muito. Em Nova York, Paris ou outras cidades eu não teria encontrado esse amor", afirma.

Nem russa, nem francesa, nem brasileira: 'Sou bailarina'

Ainda apaixonada pelo trabalho, Leskova afirma que a única coisa que lhe faz falta atualmente é não poder trabalhar.
"Quando eu parei de trabalhar, para mim foi um problema muito grande. Mas eu passei por cima e agora estou bem. Lamento só que não tem nada de interessante nos palcos do Theatro Municipal para eu voltar agora a aplaudir da plateia em vez de trabalhar", conta.
Ao lembrar de sua extensa atividade como dançarina, Leskova evidencia a exigência pessoal como característica de sua carreira, assim como o sentimento de satisfação com a trajetória.
"Como professora, eu era muito séria, muito rígida, mas era comigo também. Se um espetáculo não saía bem, eu sofria muito. Mas vale a pena. Valeu, valeu, valeu. Valeu a pena. Viva a dança! Viva a dança!", diz.
A bailarina Tatiana Leskova, aos 99 anos, em sua casa durante entrevista à Sputnik Brasil. Rio de Janeiro, 1º de dezembro de 2022
Quando questionada sobre a nacionalidade com a qual se identifica, Leskova, novamente, coloca a dança em primeiro lugar.

"Eu sou duas coisas ou três: de caráter, sou francesa; de alma, sou russa. Não vou dizer que sou brasileira de cachaça — não gosto de cachaça. Então alguém vai perguntar 'Qual é sua nacionalidade?' Sou bailarina e pronto!", exclama.

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