Crescimento comercial Rússia–Brasil continuará em 2023: Putin se articulará com Lula, diz analista
19:24, 7 de dezembro 2022
Apesar da pressão dos EUA e da União Europeia (UE) para que o governo brasileiro se junte às sanções ocidentais de supressão à economia russa, ao fim deste ano a Rússia quase dobrou suas exportações para o Brasil. Em análise para a Sputnik Brasil, especialista projeta crescimento da relação e vantagens para o setor militar brasileiro.
SputnikEmbora enfrente um dos maiores pacotes de sanções da história, a Rússia registrou um aumento de 95% nas exportações para o Brasil entre janeiro e julho de 2022. A importação brasileira de produtos russos fez a Rússia saltar do 12º para o 5º principal exportador do Brasil.
Dados do governo da Rússia atestam que o
faturamento comercial com o Brasil teve crescimento de 47% se comparado com o do mesmo período de 2021, totalizando US$ 6 bilhões (cerca de R$ 30 bilhões).
As exportações e importações aumentaram em 68% e as importações originárias do Brasil cresceram 11%.
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Jair Bolsonaro (à esquerda), presidente do Brasil, e Vladimir Putin, presidente da Rússia, durante encontro oficial no Kremlin. Rússia, 16 de fevereiro de 2022
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Vladimir Putin e a então presidente do Brasil, Dilma Rousseff, durante reunião no âmbito da cúpula do BRICS em Ufa, na Rússia
Conforme explicou a pesquisadora Nathana Garcez Portugal, doutoranda em relações internacionais pelo Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas, Moscou e Brasília estão debatendo há meses o estreitamento desses laços econômicos, "considerados estratégicos pelos dois países".
Segundo ela, o aumento do comércio entre os países deverá continuar em 2023, indicando uma tendência geopolítica que deve se fortalecer nas próximas décadas: a independência da política externa brasileira com relação aos EUA e uma aproximação das economias emergentes, como a Rússia, sobretudo com foco nos setores de defesa e de energia.
Ela relembrou algumas declarações conjuntas assinadas pelos países e por empresários brasileiros e russos ao longo deste ano, com "bons projetos para estreitar essa cooperação". Como exemplo, ela citou acordos feitos nos setores de agricultura, meio ambiente, defesa, cultura e tecnologia e enfatizou os benefícios garantidos pelo governo do Brasil a partir da compra de fertilizantes russos.
"A perspectiva é buscar o estreitamento, o reforço da cooperação, mesmo a partir do governo [Luiz Inácio] Lula [da Silva, presidente eleito do Brasil], dado que [Vladimir] Putin [presidente da Rússia] sempre mostrou capacidade de se articular tanto com [Jair] Bolsonaro [atual presidente do Brasil] quanto com Lula", comentou.
Fertilizantes russos nas plantações brasileiras
A Rússia é um dos maiores fornecedores globais de adubos e fertilizantes, que são dois dos principais produtos importados pelo Brasil. Neste primeiro quadrimestre, adubos e fertilizantes russos corresponderam a 70% das operações brasileiras. Com isso, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) estimou que o maior nível de produção do país foi atingido durante o mês de julho, com a safra brasileira de 2022 atingindo recordes históricos.
Enquanto isso, as exportações brasileiras para a Rússia tiveram alta de 81,3% apenas no primeiro quadrimestre do ano. Produtos agrícolas foram os principais destaques, sendo 32% equivalentes a soja, 20% a açúcares e melaços e 7,6% a café não torrado.
O próprio presidente brasileiro, em maio, fez uma série de publicações em suas redes para celebrar a continuidade do abastecimento de fertilizantes russos ao Brasil. Jair Bolsonaro chegou a dizer que o setor agrícola brasileiro "
temia não conseguir fertilizantes suficientes por causa das sanções" contra Moscou, mas que, graças a sua ida à Rússia em fevereiro, o país recebeu quantidade do produto a tempo para a "
próxima safra da soja".
Durante sua visita a
Moscou, de 15 a 17 de fevereiro, Bolsonaro classificou a relação do Brasil com o Estado russo de um "
casamento perfeito" e elogiou Vladimir Putin, dizendo que ele "busca a paz". Além disso, o mandatário brasileiro afirmou que a neutralidade do Brasil com relação à operação militar russa na Ucrânia garantiria o
abastecimento de fertilizantes ao país.
Nathana Garcez Portugal aponta que além de questões envolvendo a agricultura e o plantio, ambos os países "são grandes produtores energéticos e consumidores" e que o desenvolvimento de novos acordos no âmbito de energia devem ganhar força nos próximos anos.
"É importante contextualizar que o Brasil importou cerca de 15% a mais de diesel da Rússia, e isso é um aumento expressivo, não só pelo valor, mas pelas condições impostas pelos russos, com valores de compra mais baratos, o que solidificou a relação entre os países", disse ela.
Com isso, no entendimento da pesquisadora, ocorreu a abertura de uma janela de oportunidade para Brasil e Rússia: o governo brasileiro "acaba aproveitando desse momento, de diversificação dos parceiros econômicos da Rússia, que também é importante para Moscou, para conseguir diesel a valores mais interessantes".
Tecnologia nuclear russa no Brasil
Enquanto a Rússia se tornou o quinto maior exportador do Brasil, assumindo protagonismo comercial na venda de fertilizantes e diesel, a Ucrânia ocupa apenas a posição 64 no ranking de importações brasileiras em 2021, e 76 dos destinos das exportações brasileiras. Com o início do conflito com a Rússia, o governo ucraniano viu o desmoronamento de suas trocas com a maior economia da América Latina.
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Nathana Garcez Portugal avalia que "o Brasil tem uma postura neutra, e é possível dizer que o estabelecimento de sanções mais rigorosas por parte da UE e dos EUA já passou, ainda que existam tentativas de emplacar um teto para o petróleo russo".
Por outro lado, para a analista, justamente pelo fato de o Itamaraty ter adotado uma postura mais neutra, também não deveria haver muitos entraves para o comércio com a Ucrânia, embora o cenário atual seja apenas de tratativas.
Nesse sentido, ela aponta que as relações econômicas bilaterais entre Moscou e Brasília são "sustentadas por uma cooperação bem-sucedida a partir do BRICS", que conta ainda com a possibilidade de nova guinada com a entrada de novos membros. Por essa razão, também estão ocorrendo diversas conversas entre os dois governos para fortalecer o setor energético.
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Ela explica que, ao longo do governo de Jair Bolsonaro, empresas brasileiras e russas assinaram uma série de tratados e memorandos de entendimento para alavancar a pesquisa nuclear no Brasil. Ela relembrou o memorando firmado entre a Empresa Brasileira de Participações em Energia Nuclear e Binacional S.A. (Enbpar, empresa dirigente da estatal Eletrobras Eletronuclear) e a Rosatom, a estatal nuclear russa, para facilitar ações de transferência tecnológica, como reparos e modernização de usinas nucleares e até mesmo hidrelétricas.
"Ela [essa parceria] acaba atingindo diversos setores do parque energético do Brasil, e isso foi um fator para promover essa aproximação comercial entre os dois países", comentou.
Além disso, disse ela, "é importante frisar que já existem parcerias nas áreas de tecnologia e conhecimento científico", principalmente "dentro do setor de defesa e tecnologia militar". Para Nathana Garcez, "são áreas correlatas, que podem ser desenvolvidas sem depender do Ocidente e nas quais a Rússia tem experiência".
"Cabe destacar que o Brasil enviou um nanossatélite brasileiro a partir de um foguete russo da Roscosmos [a agência espacial russa], que será fundamental para o conhecimento tecnológico do Brasil, em segmentos como geografia, engenharia e outras ciências espaciais", concluiu.
6 de dezembro 2022, 12:09