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Como a regulamentação das criptomoedas impactará o setor no Brasil?

Uma nova lei brasileira promete regulamentar o setor das criptomoedas no país. A Sputnik Brasil ouviu economistas e especialistas do mercado para explicar as mudanças trazidas pela legislação e seus possíveis impactos no setor.
Sputnik
No fim de novembro, a Câmara dos Deputados aprovou a Lei 4.440/21, apelidada de "Lei das Criptomoedas". O projeto estipula diversas diretrizes para a regulamentação da prestação de serviços relacionados aos chamados ativos virtuais — as criptomoedas. A proposta irá à sanção presidencial.
O texto aprovado determina o que será considerado um ativo virtual, além de quais tipos de prestadoras de serviços serão vistas como pessoas jurídicas para a execução de serviços nesse setor. A legislação também estabelece que órgãos públicos poderão manter contas nessas corretoras.
A nova lei aponta de forma implícita que o setor terá como órgão regulador o Banco Central, que deverá dar seis meses para que as empresas existentes se adaptem à regulamentação. O texto cria ainda um novo tipo penal de estelionato relacionado ao uso indevido desses ativos, com pena prevista entre quatro e oito anos de prisão, além de multa.
Fachada do endereço do Banco Central em São Paulo, em 14 de maio de 2018
Para o advogado e economista Alessandro Azzoni, conselheiro deliberativo da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), a regulamentação tem como foco garantir as operações com criptomoedas no Brasil.

"Não acredito que possa impactar na circulação da criptomoeda como um meio de pagamento, porque a legislação brasileira só permite a circulação da moeda brasileira, ou seja, o pagamento em reais. Então o pagamento por criptomoeda ficaria fora dos meios de pagamento", afirma o economista em entrevista à Sputnik Brasil, acrescentando que essa é uma forma de o governo manter controle sobre a política monetária.

Na visão de Rodrigo Soeiro, fundador da Monnos, uma plataforma brasileira de criptomoedas, a regulamentação proposta pelos congressistas deve favorecer atores já presentes no mercado de moedas virtuais no país e aderentes às exigências.

"Havendo uma regulamentação, independentemente de ser perfeita ou não, haverá um favorecimento da circulação de criptomoedas", disse Soeiro à Sputnik Brasil. Para ele, as mudanças devem atrair pessoas que não confiam nesse tipo de investimento justamente pela falta de regulamentação.

Quem também vê um possível impulso para a entrada de pessoas interessadas nesse mercado é o economista Fernando Araújo, doutorando em contabilidade e administração pela FUCAPE Business School. Na avaliação de Araújo, a regulamentação trará mais segurança para o mercado e pode impulsionar o setor.

"Outro ponto é que, caso aconteça algum problema na plataforma de negociação — envio de ordem, por exemplo —, vai existir um órgão específico para podermos recorrer. Exemplo: quando acontece algum problema nas transações dos ativos da bolsa de valores, recorremos à CVM [Comissão de Valores Mobiliários]. Neste caso, teremos algum órgão responsável por essa fiscalização", explica em entrevista à Sputnik Brasil.

Logotipo do serviço de criptomoedas Binance e representação de moedas sobrepostos a estatísticas de mercados bolsistas (imagem referencial)

Regulamentação reduz riscos e 'favorece agentes sérios'

Na avaliação do advogado Alessandro Azzoni, os riscos envolvidos no setor de criptomoedas estão relacionados ao mercado em si, que é baseado no princípio de oferta e demanda. Para ele, a regulamentação proposta, ao estabelecer parâmetros para esse fluxo, aumenta a segurança em torno das transações.

"O que a regulamentação traz é como vai ser feita essa negociação, como vai ser ofertado ao investidor, ou seja, quais são as empresas que poderão comercializar essas operações. A legislação deixa muito claro que todos os meios de pagamento digitais, pagamentos em moedas estrangeiras deverão ser regulamentados pelo órgão responsável, que nesse caso é o Banco Central", explica Azzoni, que acredita que a CVM deverá regular o setor.

Para o economista, a certificação deve coibir golpes realizados contra investidores por empresas que agem sem fiscalização e oferecem riscos aos clientes.

"As empresas geralmente têm um capital muito pequeno que gira milhões. Em uma possível falência ou em uma possível liquidação desses ativos, essas empresas provavelmente não terão capital suficiente para arcar com os prejuízos dos seus investidores [...]. Então essa regulamentação vem trazer uma certa tranquilidade", aponta Azzoni.

Para o empresário do setor Rodrigo Soeiro, "é mais do que claro" que a existência de uma regulamentação do setor favorece "investidores e empreendedores sérios" e reduz os riscos envolvidos.
Na avaliação de Soeiro, o maior benefício da regulamentação é a "chancela de credibilidade" concedida ao setor. Já em relação aos riscos, ele salienta a necessidade de que os órgãos reguladores sejam ágeis o suficiente para garantir dinamismo ao mercado.

"É importante que o regulador seja ágil para não inibir novos entrantes e não impedir a inovação em si. Ao mesmo tempo que ele terá que ser ágil, ele terá que rever alguns processos internos para se manter veloz ou o mais rápido possível dentro da velocidade com que a inovação dentro desse ecossistema acontece", ressalta o empresário.

Logotipo do Bitcoin aparece na tela de caixa eletrônico de criptomoeda em Salem. Massachusetts, Estados Unidos, 9 de fevereiro de 2021. Foto de arquivo

'Falha': ponto da lei gera preocupação

Em meio à tramitação no Congresso Nacional, o texto final aprovado pela Câmara dos Deputados excluiu a chamada "segregação patrimonial". Esse dispositivo garante ao investidor que seus ativos não serão misturados com o patrimônio das corretoras e possivelmente usados para pagar falências em caso de quebra. A questão foi excluída por supostamente inibir o mercado, que não poderia tocar nos ativos sem autorização.

"Isso eu vejo como um risco, uma falha da lei, porque a segregação patrimonial era de extrema importância para que o dinheiro investido ficasse alocado separadamente dos ativos da empresa. Não havendo essa segregação, o dinheiro acaba se misturando com o patrimônio da empresa. Então essa retirada da pauta do texto, eu vejo isso como uma fragilidade nas operações, tendo em vista que o capital investido vai se misturar com o capital da empresa", aponta o advogado e economista Alessando Azonni.

Essa questão ficou em evidência recentemente, após a quebra de uma das maiores corretoras de criptomoedas do mundo, a FTX. Há suspeitas de que a empresa usou dinheiro de seus clientes para realizar operações financeiras. O dono da companhia, Sam Bankman-Fried, foi indiciado em oito acusações nos Estados Unidos e preso na segunda-feira (12).
O empresário do setor Rodrigo Soeiro acredita que a questão da segregação patrimonial demanda atenção e pode trazer mais segurança aos investidores, uma vez que a maioria das fraudes do mercado ocorreram devido a esse problema. Apesar disso, ele não vê a questão como "um problema central".
"Acho que o primeiro passo, que é o mais importante, foi o de existirem premissas mínimas. [...] Eu enxergo que, a partir desse passo dado, rapidamente a segregação patrimonial será implementada como uma exigência. Então, apesar de não estar na lei neste momento, eu não vejo como um ponto negativo como um primeiro passo", afirma.
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