Nem Ucrânia, nem Taiwan: analistas revelam qual a região mais propensa a conflito bélico em 2023

Exercícios militares chineses e extensão do serviço militar obrigatório em Taiwan não enganam os especialistas ouvidos pela Sputnik Brasil, que revelam qual é o verdadeiro barril de pólvora do ano de 2023.
Sputnik
O ano de 2022 foi marcado por significativas mudanças geopolíticas, que podem ser provas irreversíveis. Em sua última semana, notícias como a extensão do serviço militar obrigatório para os moradores da província irredenta da China, Taiwan, acenderam o alerta dos especialistas para 2023.
A China fez uma eloquente demonstração de poderio militar ao enviar aeronaves militares para sobrevoar o espaço aéreo do que Taiwan considera sua zona de defesa, demonstrando estar preparada para uma eventual escalada ainda no período do ano novo.
O secretário de Defesa para Assuntos do Indo-Pacífico, Ely Ratner, prometeu que a Casa Branca não deixará Taipé sem acesso a armamentos e recursos para um eventual conflito com a China. Segundo ele, "2023 poderá ser um ano transformador para a postura de força dos Estados Unidos na região", reportou o portal Politico.
Apesar da retórica, os esforços norte-americanos para equilibrar a correlação de forças entre Taiwan e China podem ter vindo tarde demais.
"Quando analisamos a magnitude do exercício militar que os chineses fizeram na última semana em Taiwan, vemos que Pequim deixa claro que não está intimidada pela presença da Marinha americana no mar [do Sul] da China", disse o professor de Relações Internacionais da ESPM, Leonardo Trevisan, à Sputnik Brasil.
A Marinha norte-americana realiza expedições regulares no mar do Sul da China, para garantir a "liberdade de navegação" nas águas que considera ilegitimamente contestadas por Pequim. Na última incursão norte-americana na ilha de Nansha, em 29 de novembro, houve comunicação dura entre comandantes chineses e norte-americanos, conforme reportou a CNN.
No entanto, Trevisan não acredita na iminência de um conflito de larga escala em Taiwan, que oporia China e EUA.
O presidente Joe Biden fala enquanto se encontra virtualmente com o presidente chinês Xi Jinping da Sala Roosevelt da Casa Branca em Washington, 15 de novembro de 2021
"Acho uma eclosão do conflito taiwanês pouco provável, uma vez que o Pentágono se encontra em diálogo constante com o alto comando chinês, exatamente para evitar que algo saia do controle", notou Trevisan.
O especialista lembra que a visita da presidente do Congresso dos EUA, Nancy Pelosi, à ilha, que teria sido realizada contra o desejo do Pentágono e do Departamento de Estado, "gerou a abertura de um canal de diálogo de alto nível entre militares norte-americanos e chineses".
Pessoas passam por um outdoor de boas-vindas à presidente da Câmara dos EUA, Nancy Pelosi, em Taipé, Taiwan, 3 de agosto de 2022
"Se levarmos em conta a terminologia norte-americana, podemos considerar a questão de Taiwan como de um conflito controlado, no qual ambos os Estados-Maiores conseguem ter clareza da correlação de forças", explicou o especialista.

Conflito ucraniano em 2023

Para Trevisan, o caso ucraniano também configura "conflito controlado", já que as Forças Armadas da Rússia, da Ucrânia e da OTAN teriam capacidade de analisar o potencial bélico de cada beligerante, e assim evitar uma escalada descontrolada das hostilidades.
"Há evidências de que a posição da Rússia se consolida a leste do rio Dniepre, e que uma retomada do avanço russo é real", notou Trevisan. "Estes sinais levam Biden a fazer declarações sobre a retomada das negociações."
Segundo ele, a decisão norte-americana de enviar mísseis Patriot à Ucrânia pode não atingir o efeito esperado, uma vez que "esses mísseis não podem fazer nada contra os drones, que são as armas que estão realmente fazendo a diferença no campo de batalha".
Sargento da Força Aérea dos EUA inspeciona munições de 155 mm antes delas serem enviadas à Ucrânia, em 29 de abril de 2022
"Não vejo uma tensão crescente na Ucrânia. O problema é ver quem negociará em posição de força", notou Trevisan. "Temo que a mídia ocidental tenha uma visão exageradamente otimista sobre as potencialidades militares dos ucranianos."

O retorno do Oriente Médio

Considerando a capacidade de controle militar dos conflitos na Ucrânia e Taiwan, Trevisan sugere que os conflitos mais sensíveis nesta virada do ano estão no Oriente Médio.
"Ao contrário do que parece, quadros como o de Taiwan e da Ucrânia estão muito mais controlados do ponto de vista estratégico-militar, do que quadros como o do Iêmen e da questão iraniana no Oriente Médio, que são mais imprevisíveis."
Segundo ele, "existe a possibilidade de aumento das tensões no Oriente Médio e Norte da África", com destaque para conflitos que envolvam potências regionais como a Arábia Saudita e o Irã.
"Não sejamos inocentes: qualquer armamento bélico do Irã, o inimigo preferencial não será Israel, mas sim os sauditas, e isso está escrito nas estrelas."
O líder supremo do Irã, aiatolá Ali Khamenei, fala em reunião com grupo de estudantes, em Teerã, no Irã, em 19 de outubro de 2022 (foto divulgada pelo site oficial do escritório do líder supremo iraniano)
Para a cientista política e professora da ESPM, Denilde Holzhacker, o Irã segue como "grande preocupação na área de segurança e estratégica dos Estados Unidos".
"Os EUA mantêm preocupação não só com questões da política interna [iraniana], como a evolução das manifestações e da oposição doméstica, mas também em relação ao seu avanço nuclear", disse Holzhacker à Sputnik Brasil.
Trevisan nota, no entanto, que o aumento de tensões na região é fruto sobretudo de "um desequilíbrio de poder, no contexto da escalada de preços, sobretudo na questão dos alimentos".
"Acho que estamos prestando pouca atenção para esse fato, principalmente no impacto do preço do trigo em regiões como Oriente Médio e Norte da África", notou Trevisan. "Tensões internas em função da fome, têm o potencial de gerar conflitos geopolíticos muito tensos."
Colheitadeira descarrega trigo colhido em um caminhão no distrito de Dzhankoi, Crimeia, 12 de julho de 2022
A possibilidade de conflito na região representaria um desafio aos EUA, que diminuíram sua participação nessas regiões para focar-se nos teatros asiáticos e europeu.
"A crise alimentar que se avizinha [...] gerará uma instabilidade muito grande, o que pressionará os Estados Unidos a agir para contê-la", notou Holzhacker. "Mas isso ainda não parece estar dentre as prioridades estratégicas para os EUA no próximo ano."
Para Holzhacker, a agenda de segurança internacional norte-americana está focada na competição com grandes potências militares, como Rússia e China.
"A grande agenda americana é a competição econômica e geopolítica com a China. Em seguida, vemos as disputas que geram instabilidade em sua aliança europeia – e por isso a importância da Rússia", disse Holzhacker.
Secretário-geral da OTAN, Jens Stoltenberg, mostra documentos da solicitação da Suécia e Finlândia para aderirem à Aliança Atlântica, Bruxelas, Bélgica, 18 de maio de 2022
A prolongada negligência da Casa Branca com assuntos internos, como economia e redução da desigualdade social, leva o governo Biden a precisar equilibrar a atuação militar externa com a atenção às necessidades básicas de sua população.
"Do ponto de vista político, os EUA seguem muito centrados na sua agenda interna. As divisões entre democratas e republicanos e a erosão que isso tem gerado em suas instituições continua sendo o foco do governo Biden", declarou Holzhacker. "Nesse sentido, a agenda econômica ganha muito espaço."
Trevisan concorda, e relata que especialistas em segurança e relações internacionais dos EUA reconhecem, ainda que tacitamente, a importância de fortalecer suas capacidades de poder internas antes de almejar novos voos militares internacionais.
"Os EUA estão mais focados em sua realidade econômica, do que em sua posição geopolítica. Me parece que eles se preparam para um 2023 com cenário mais similar ao da guerra do petróleo dos anos 70, do que ao Plano Marshall da década de 40", concluiu Trevisan.
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