Economistas: turismo tem recuperação relativa no Brasil e precisará de estímulos no governo Lula

Apesar de ser conhecido por suas paisagens, praias e variedades de destinos, o turismo no Brasil é visto como um setor negligenciado diante de seu potencial. Conforme os dados mais recentes do Banco Mundial — que incluem números pré-pandemia de COVID-19 —, o país não figura nem sequer entre os 20 destinos mais visitados anualmente no mundo, sendo o 31º destino mais frequentado.

O governo do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que toma posse no domingo (1º), apontou a deputada federal Daniela do Waguinho (União-RJ) para assumir o Ministério do Turismo em 2023.

Para essa pasta e para o setor, o relatório da equipe de transição do governo aponta, entre outras coisas, a necessidade de reestruturação do Plano Nacional de Turismo (PNT) e afirma que o setor turístico foi prejudicado pela "brutal descontinuidade de políticas públicas" do governo de Jair Bolsonaro (PL).

"O legado que se recebe é de um turismo que perdeu quase todas as conquistas obtidas nas últimas duas décadas, desde a criação do Ministério do Turismo e a transformação da Embratur [Agência Brasileira de Promoção Internacional do Turismo] na instituição responsável pelo marketing, promoção e apoio à comercialização do Brasil no mercado internacional, em 2003", diz o documento, que recomenda a revisão da figura jurídica da Embratur, alterada na atual gestão.

O presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (à esquerda), ao lado do vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin (PSB), em 13 de novembro de 2022

A Secretaria Especial de Comunicação Social do Ministério das Comunicações divulgou na semana passada dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) que mostram um crescimento de 34,5% da atividade turística no Brasil, em relação ao mesmo período de 2021.

O resultado, porém, não é tão bom quanto parece e inclui a recuperação dos prejuízos da pandemia. É o que lembra o economista Fabio Bentes, da Confederação Nacional do Comércio (CNC), em entrevista à Sputnik Brasil.

"É importante contextualizar essa recuperação diante das perdas que o setor teve, especialmente em 2020. A receita do setor de turismo só nos dois primeiros meses de pandemia caiu em dois terços, e foi o setor mais atingido pela pandemia. É um setor extremamente sensível. É um setor transversal, movimenta uma cadeia relativamente grande de setores", afirma o economista.

A economista Juliana Inhasz, professora e coordenadora do curso de graduação em economia do Insper, vai na mesma direção que Bentes e aponta que o aumento na atividade do turismo era parcialmente esperado. Ela acrescenta, porém, que devido à pequena participação do setor no PIB, o impacto geral na economia será leve.

"O turismo representa parcela pequena do PIB: cerca de 7% a 8%. Portanto, apesar de auxiliar no crescimento, dificilmente teremos um grande impulso na economia brasileira advindo do turismo. Ele ajuda, sem dúvidas, o crescimento econômico, mas dificilmente pode ser entendido como o grande motor do crescimento", afirma a professora em entrevista à Sputnik Brasil, acrescentando que o turismo não necessariamente gera ganhos de produtividade, importantes para o processo de desenvolvimento sustentável em meio ao crescimento econômico.

Turismo é termômetro da economia e depende de investimento público

Bentes ressalta que o setor de turismo gera "número significativo de empregos" e que, apesar de ainda não ter havido uma normalização do número de turistas, esse patamar está próximo de ser alcançado em 2023.

"É uma atividade econômica ainda altamente sazonal, concentrada nas regiões Sudeste e Nordeste, basicamente. E, obviamente, ela é menos um motor de crescimento da economia e mais um termômetro da retomada econômica", aponta Bentes.

O economista explica que os investimentos no setor ainda ocorrem de forma "relativamente tímida", em meio a um quadro de incertezas tanto domésticas quanto internacionais. Bentes afirma que a retomada do turismo é, hoje, principalmente "uma reposição das perdas que ocorreram no passado recente".

"Há também o vetor do investimento público. E isso preocupa porque a disponibilização de infraestrutura de transportes, aeroportos, portos, terminais rodoviários depende muito do investimento público. E o quadro fiscal do Brasil nos últimos anos tem sido um quadro de deterioração. Isso obviamente compromete a retomada dos investimentos e a retomada mais vigorosa do setor. Portanto retomada de investimentos públicos passa pela correção do problema fiscal no Brasil, que infelizmente está longe ainda de ser equacionado", explica o economista.

Pessoas desfrutam da praia de Ipanema durante o surto do novo coronavírus. Rio de Janeiro, Brasil, 17 de janeiro de 2021

A professora Inhasz acrescenta que o aumento do investimento público no setor depende da renovação de estratégias fiscais e deve ser acompanhado de investimentos voltados ao desenvolvimento sustentável.

Em meio ao baixo investimento público, setor deve ter crescimento fraco em 2023

Para Bentes, devido ao quadro de baixo investimento, o setor do turismo "seguramente" terá um crescimento mais modesto ao longo de 2023. Apesar disso, o economista aponta que o potencial turístico do Brasil é "enorme" e poderia levar crescimento especialmente para o interior do país. Segundo ele, eventos como a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016 foram oportunidades perdidas para se criar uma "estrutura turística perene", visto que agora há dificuldades de investimento.

"A gente vive uma situação na qual tem cabido ao setor privado praticamente todo o esforço de investimento na infraestrutura turística do Brasil, só que isso não é suficiente. Então, geralmente, quando tem algum problema na economia, como esses que nós temos atualmente — os juros mais elevados, a inflação ainda elevada —, isso acaba fazendo com que as expectativas em relação ao desempenho do turismo no Brasil sejam frustradas", avalia o especialista.

Gilson Machado, então ministro do Turismo do governo Bolsonaro, participa do programa Brasil em Pauta, na TV Brasil, em 9 de dezembro de 2021

Já inhasz salienta que os investimentos em turismo estimulam todos os outros setores da economia de forma direta e indireta, ressaltando que eles precisam vir acompanhados de ações de médio e longo prazos para a garantia do crescimento contínuo.

"Quando investimos no desenvolvimento ou restauração de um centro urbano histórico, por exemplo, estamos envolvendo uma cadeia ampla de atividades ligadas àquela cidade. Por isso o desenvolvimento do turismo pode gerar efeitos positivos em outras tantas cadeias produtivas, com crescimento em outras áreas", conclui.