A manutenção de boa articulação com o Congresso Nacional é fundamental para o funcionamento do presidencialismo de coalizão brasileiro. Por essa razão as eleições para as presidências do Legislativo, marcadas para a próxima semana, serão cruciais para as pretensões do chefe de Estado do país.
No Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) está otimista e espera obter 55 votos em 1º de fevereiro, 14 a mais que os 41 necessários para ser reeleito. Apoiado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ele também espera os votos do PDT, MDB, PSB, Rede, PSDB e União Brasil. Já o seu opositor, Rogério Marinho (PL-RN), diante da iminência de uma derrota, almeja a presidência de comissões estratégicas.
Para Mayra Goulart, cientista política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a candidatura de Rogério Marinho é uma forma de "aumentar o peso do PL nas negociações nas comissões", mas há outro aspecto mais importante: ela evidencia "a desidratação do bolsonarismo".
"Existe um fortalecimento das duas candidaturas [de Marinho e Pacheco], que apontam para um processo de desidratação do bolsonarismo, uma vez que são dois parlamentares de direita que buscam se descolar da imagem do [ex-presidente Jair] Bolsonaro [PL]", disse ela.
Com isso, destaca Goulart, os aliados declarados de Bolsonaro no Congresso, que fazem parte do chamado "núcleo duro", devem ficar isolados nas Casas legislativas, criando ainda mais problemas para os partidos de direita do país. "Esta ausência de liderança é um fator que gera crises políticas", disse a cientista política.
O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), cumprimenta o então presidente da República, Jair Bolsonaro, após reunião entre os dois e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (atrás de Bolsonaro), no Palácio do Planalto. Brasília (DF), 3 de fevereiro de 2021
© Folhapress / Pedro Ladeira
Para ela, como o PL não pode anunciar "o desembarque de sua bancada do bolsonarismo", a sigla "precisa alimentar a candidatura do Rogério", olhando principalmente para o futuro das principais comissões do Congresso, como a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) e a Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização (CMO).
Vagas na Mesa Diretora
Após a definição dos presidentes das Casas, o Congresso formará a Mesa Diretora, responsável pela direção dos trabalhos legislativos e dos serviços administrativos. Formam a Mesa Diretora o presidente e dois vice-presidentes, além de quatro secretários e quatro suplentes. Os blocos partidários determinam a composição da Mesa.
Quanto maior o bloco, maior o número de cargos. Na Câmara, onde Arthur Lira (PP-AL) deve ser reeleito em uma votação cujo único adversário é Chico Alencar (Psol-RJ), que não conseguiu apoio de nenhuma sigla, o PL tem a maior bancada, com 99 deputados. Na sequência vem a federação partidária liderada pelo PT, que tem 81 parlamentares.
O PT já sinalizou que quer ocupar um lugar na Mesa Diretora. A vaga está sendo negociada, embora o nome da deputada Maria do Rosário (RS) já esteja definido para representar a legenda. O PL terá direito à primeira escolha, e a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania deve ser alvo do partido. É a principal comissão da Câmara, por onde passam todos os projetos.
O PL deverá ter um cargo de destaque na Mesa Diretora. Segundo parlamentares, o partido briga pela vice-presidência da Casa. Um nome que está bem encaminhado até o momento é o de Sóstenes Cavalcante (RJ), aliado de Bolsonaro e presidente da bancada evangélica. O partido deve bater o martelo quanto à escolha em reunião na próxima segunda-feira (30).
Vitória para Lula?
Rogério Marinho, do PL, com o apoio recente do PP, deve chegar a 20 votos na eleição para presidente do Senado. Em princípio, ao lado do Republicanos, são os partidos que devem formar a base principal de oposição a Lula no Senado.
Reunião ordinária na Câmara para discussão e votação do parecer do relator Rogério Marinho, então deputado do PSDB, sobre a reforma trabalhista
© Alex Ferreira / Câmara dos Deputados
Apesar de o PP tender a apoiar um adversário de Lula no Senado, o partido conta com Arthur Lira, cada vez mais próximo do presidente da República. Lira inclusive conta com o apoio do PT e do PL ao mesmo tempo na Câmara.
A colcha de retalhos que compõe a política brasileira, no entendimento de Mayra Goulart, "replica um padrão que já foi utilizado em outros governos do PT", principalmente nas gestões de Lula, e, portanto, deve ser entendida como um ponto positivo para o atual presidente da República.
"Esta frente ampla, de diferentes vertentes ideológicas, será necessária para a agenda do governo federal tramitar com celeridade", disse ela.
Doutor em ciências sociais pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), Vinicius Aleixo Gerbasi explicou que apesar de Lira e Pacheco terem feito uma aliança com o governo Lula, "eles são candidatos que representam agendas impopulares", defendendo pautas como "o teto de gastos e o arrocho fiscal".
O entendimento do analista político parte da premissa de que a aliança do PT com setores ligados à direita liberal pode atrapalhar os planos de Lula para expandir gastos públicos e políticas voltadas para a população.
"Essa agenda econômica que eles [Lira e Pacheco] defendem é oposta a uma agenda mais popular, mais progressista, que vá ao encontro da necessidade da população, que é a recuperação de sua renda", disse ele.
Bolsonaristas invadem o Congresso Nacional, na capital federal. Brasília, 8 de janeiro de 2023
Vinicius Aleixo Gerbasi explicou que "a articulação com esses partidos e seus líderes pode enfraquecer, a curto e médio prazo, a base de eleitores do PT que elegeu diversos parlamentares do partido" com a expectativa de um governo progressista.
Segundo ele, "se essa agenda de crescimento não for retomada, se o crescimento brasileiro não for retomado", o governo Lula terá grandes dificuldades para a aprovação de medidas que foram prometidas durante a sua campanha, como uma reforma tributária que obrigue os mais ricos a contribuírem com mais dinheiro.
"O desafio e o dilema que o governo federal tem é fazer com que muitas propostas e projetos de lei passem pela Câmara e pelo Senado, apesar dessa correlação de forças que não é muito favorável para um governo de esquerda", cujo foco, ao menos nas promessas de campanha, sempre foi social.