Panorama internacional

Ampliação de gasoduto e moeda em comum, acordos entre Brasil e Argentina valerão a pena?

No evento que reuniu diversos chefes de Estado na Argentina durante essa semana, os dois países firmaram vários acordos, com o Brasil pretendendo financiar diversas inciativas. Mas essas iniciativas serão benéficas na prática? A Sputnik conversou com especialistas para saber.
Sputnik
A VII Cúpula da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC) que aconteceu nesta semana na Argentina foi marcada pelo retorno do Brasil ao bloco após a posse presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva.
O encontro revelou o interesse do presidente brasileiro e de seu homólogo e amigo, Alberto Fernández, de aprofundar o histórico vínculo comercial que une Brasília e Buenos Aires e fortalecer a união das lideranças de países sul-americanos.
Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, e diversos chefes de Estado da América do Sul posam para foto juntos durante a CELAC, 23 de janeiro de 2023
Como comentou à Sputnik o embaixador da Argentina no Brasil, Daniel Scioli, o objetivo é consolidar a CELAC e relançar a União das Nações Sul-Americanas (UNASUL). Entretanto, no que diz respeito aos acordos firmados na CELAC, três anúncios centrais para o desenvolvimento da relação bilateral Brasil-Argentina foram abordados durante o evento:
O projeto de estabelecer uma moeda comum
O financiamento brasileiro para a construção da segunda etapa do gasoduto argentino Néstor Kirchner – cujo objetivo é aumentar a vazão de gás do campo de Vaca Muerta para exportação ao Brasil;
Financiamento à importação, que consiste na ampliação de uma linha de crédito do Banco da Nação Argentina que beneficia as empresas do país fornecendo-lhes os dólares necessários para importar do país vizinho;
Em relação à última medida, o prazo de pagamento da moeda da Argentina é antecipado para 366 dias, graças ao financiamento em reais oferecido pelo Banco do Brasil.
Mas será que essas medidas na prática serão benéficas? Sobre o gasoduto argentino, para engenheira, pesquisadora e consultora de energia, Cecilia Graschinsky, entrevistada pela Sputnik, "o financiamento do Brasil para a construção do gasoduto é o mais importante, porque hoje a Argentina não tem dólares para realizar a segunda etapa".
"O potencial de Vaca Muerta é muito alto. Sabemos que o principal obstáculo que dificulta a extração de todo o gás potencialmente extraível é a limitada capacidade de transporte, e o anúncio visa esse ponto central", afirmou Graschinsky.
A especialista refere-se à ampliação da obra que agora busca conectar a jazida Vaca Muerta com a província de Buenos Aires.
Se a segunda fase do gasoduto for concluída, a construção de mais 467 quilômetros chegaria à província de Santa Fé, e possibilitaria o abastecimento de grandes eixos urbanos e indústrias do centro e norte do país, bem como a oportunidade de exportar os excedentes para o Chile e Brasil. Para esta instância, o Brasil está disposto a financiar com US$ 689 milhões (R$ 3,4 bilhões).
Vista aérea de uma usina de gás perto de uma área rural em Allen, província de Rio Negro, Argentina, na formação Vaca Muerta. Vaca Muerta é um enorme depósito não convencional de petróleo e gás aninhado em uma formação geológica na Argentina
A conclusão de Cecilia Graschinsky é compartilhada entre outros analistas.
Segundo o economista e diretor do Centro de Economia Política (CEPA), Hernán Letcher, a construção "no futuro renderá muito mais dólares do que custa fazê-la. Mas a verdade é que hoje se precisa de moeda estrangeira, e o fato de ser financiado pelo Brasil resolve um capítulo central para nós: não afeta as reservas do Banco Central. É absolutamente transcendental para a economia argentina", sublinhou Letcher.
"O efeito central seria na questão cambial. Se a primeira etapa da obra for concluída em junho deste ano, a Argentina economizaria US$ 3 bilhões (R$ 15,2 bilhões), dependendo do valor da energia, porque esse trecho seria suficiente para abastecer o mercado interno de consumo de gás", diz o diretor.
O impacto que a conclusão do gasoduto geraria para traduzir a exploração de Vaca Muerta em exportações — a segunda maior reserva de gás e a quarta maior reserva de petróleo do mundo — é crucial para a macroeconomia argentina, que vive uma situação premente ligada à escassez de divisas.
"Além da quantidade de divisas, em Vaca Muerta há reservas para abastecer a Argentina por 130 anos: há muitos dólares disponíveis que potencialmente poderiam entrar, e essa é a chave da economia. Depende de onde o gás pode ser colocado e a que preço. Se houver outro conflito como o da Rússia e Ucrânia, a quantidade de divisas estrangeiras seria francamente substancial", acrescenta.
Outro dos eixos centrais do acordo reside no estabelecimento de uma moeda comum para as trocas comerciais entre Brasil e Argentina. Como destacou o chanceler hondurenho, Eduardo Reina García, com exclusividade para a Sputnik, a proposta busca reduzir a dependência de moedas estrangeiras como o euro ou o dólar.
Presidente Luiz Inácio Lula da Silva discursa durante a cúpula da CELAC, 23 de janeiro de 2023
No entanto, Letcher destaca que o caso não seguiria o exemplo da moeda da União Europeia: "Vejo essa possibilidade bem longe. Além disso, o euro funcionou bem para Alemanha e França, mas mal para a Grécia: não vai ser que qualquer acordo nesse sentido acabe fazendo os países pagarem o custo", pondera.
Entretanto, o especialista diz que independentemente do formato da moeda de convergência, a vontade de aprofundar o intercâmbio bilateral é incontornável.
"O objetivo é recuperar a relação comercial entre Argentina e Brasil, que chegou a atingir um volume de US$ 40 bilhões (R$ 202 bilhões), enquanto hoje está em US$ 28 milhões [R$ 142 milhões]", alerta o economista, acrescentando que a "Argentina é o país mais demandado em termos de divisas. Para o Brasil pode ser menos significativo, embora possa ter como prioridade a recuperação da relação comercial, visto que já foi a 6ª maior economia do mundo e hoje é a 13ª", conclui Letcher.
Além de questões econômicas, o setor da Defesa também foi conversado entre os dois países durante a CELAC.
Veículo blindado de combate sobre rodas VBTP-MR Guarani (imagem de arquivo)
Mauro Vieira e Jorge Taiana, ministros das Relações Exteriores do Brasil e da Defesa da Argentina, respectivamente, assinaram uma carta de intenções para a aquisição por Buenos Aires de 156 veículos blindados de combate sobre rodas (VCBR) Guarani 6x6, de produção brasileira.
A compra dos veículos blindados brasileiros "melhorará a interoperabilidade entre os exércitos da Argentina e do Brasil, já que eles operarão com o mesmo veículo em ambos os lados da fronteira", escreveu na segunda-feira (23) o portal argentino Zona Militar.
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