As Marinhas de Rússia, China e África do Sul conduzirão exercícios conjuntos na costa leste africana, entre os dias 17 e 27 de fevereiro. A iniciativa estará em curso na data em que a operação militar especial russa na Ucrânia completa um ano, em 24 de fevereiro.
A Rússia anunciou a participação de gigantes da sua Marinha, como a fragata Admiral Gorshkov, que estará armada com mísseis hipersônicos Tsirkon. Esses mísseis estão entre as armas mais modernas do mundo contemporâneo, disse o especialista militar e oficial da reserva da Marinha do Brasil, comandante Robinson Farinazzo, à Sputnik Brasil.
"Esses mísseis têm velocidade muito grande, e podem ter sua trajetória modificada durante o voo, o que os difere dos outros sistemas de mísseis, em relações aos quais havia certa previsibilidade", explicou Farinazzo. "E a energia cinética de uma arma dessas é tão grande, que provavelmente o navio atingido por ela acabará no fundo do mar."
Os mísseis hipersônicos atingem velocidade até nove vezes superiores à do som, acertando alvos a um raio de até 1.000 km. Até o momento, nenhum país conseguiu desenvolver sistemas de defesa eficientes contra esses mísseis.
Fragata Admiral Gorshkov realiza disparo de míssil hipersônico Tsirkon
© Sputnik / Serviço de Imprensa do Ministério da Defesa da Rússia
/ Atualmente, Rússia e China estão na vanguarda da produção e mobilização de mísseis hipersônicos, "mas acredita-se que a Rússia tenha a vantagem em termos de plataformas", disse Farinazzo.
"Os EUA ficaram para trás na corrida tecnológica, pelo desinvestimento nessa área durante os anos da guerra do Afeganistão", relatou Farinazzo. "Mas pouca gente tem dúvidas de que os EUA chegam lá, e inclusive eles já fizeram testes bem-sucedidos com esse tipo de arma."
O especialista aponta que a dificuldade dos EUA não será necessariamente em desenvolver a tecnologia, mas sim em defender a sua frota naval dos mísseis hipersônicos em teatros de guerra como o de Taiwan, no mar do Sul da China.
Porta-aviões Shandong e seu grupo de ataque em exercícios no mar do Sul da China
© Foto / Conta WeChat da Frota do Mar do Sul da China do Exército de Libertação Popular (ELP) chinês
"O que preocupa os capitães e almirantes da Marinha dos EUA é que hoje não existe defesa da frota contra essas armas, principalmente no mar do Sul da China, importante em função da questão de Taiwan", explicou Farinazzo. "Se a frota norte-americana encostar ali, a China tem condições de fazer uma dispersão completa."
África do Sul sob pressão
A participação da África do Sul em exercícios navais de alto nível com potências hipersônicas como Rússia e China não surpreendeu o analista militar e consultor Pedro Paulo Resende.
"A África do Sul realiza muitas missões de combate à pirataria na região da costa africana e precisa de meios de dissuasão efetivos", disse Resende à Sputnik Brasil.
Segundo ele, a África do Sul "tem uma Marinha muito competente, qualificada e bem equipada para a proteção de suas zonas econômicas exclusivas, que são extremamente ricas, não só em petróleo, mas em polimetálicos".
Presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa, acompanha parada militar na Cidade do Cabo (foto de arquivo)
A decisão da África do Sul de conduzir exercícios navais com Rússia e China desagradou aos EUA. A porta-voz da Casa Branca, Karine Jean-Pierre, comentou a decisão de Joanesburgo, dizendo que "os EUA se preocupam com qualquer país que conduza exercícios com a Rússia", conforme reportou a Reuters.
De acordo com o doutor em ciência política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Diego Pautasso, "as críticas de Washington dizem respeito a todo movimento geopolítico que tensiona as estruturas hegemônicas de poder sob sua liderança".
"A África do Sul busca se afirmar no BRICS, mas também desenvolver sua expertise militar – um assunto que a Rússia domina – para se consolidar no continente como potência regional", disse Pautasso à Sputnik Brasil.
A ministra das Relações Exteriores da África do Sul, Naledi Pandor
© Sputnik / Grigory Sysoev
A ministra das Relações Exteriores da África do Sul, Naledi Pandor, defendeu a escolha de seu país, dizendo que a condução de exercícios militares segue o "curso natural do relacionamento" entre parceiros. O presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa, ainda notou que a África do Sul adotou posição de neutralidade em relação ao conflito ucraniano.
Mas e o Brasil?
Esses exercícios navais reunirão três parceiros do BRICS, deixando de fora somente Índia e Brasil. De acordo com Resende, a Índia tem dificuldades em participar de iniciativas como essa, em função de suas diferenças militares com a China.
"A cooperação bilateral em defesa entre Rússia e China, por um lado, e Rússia e Índia, por outro, é muito grande. Mas existe um contencioso entre Índia e China que atrapalha a integração de iniciativas na esfera militar", explicou Resende. "Isso é uma pena, porque o BRICS poderia se constituir como um bloco formidável do ponto de vista militar, caso Índia e China conseguissem colocar suas diferenças de lado."
A ausência do Brasil, no entanto, é mais difícil de ser justificada. Assim como a África do Sul, o Brasil também adotou posição neutra em relação ao conflito ucraniano, e tem muito interesse em desenvolver suas capacidades navais.
Jantar oferecido em homenagem aos líderes do BRICS no Itamaraty, em Brasília, em 13 de novembro de 2019
© Foto / Palácio do Planalto / CCBY 2.0 / Alan Santos
"A cooperação seria bem-vinda para a Marinha do Brasil, mas infelizmente ela está incapacitada de participar de qualquer exercício desta monta com ganhos reais", considerou Resende. "A Marinha conta somente com quatro fragatas e seus equipamentos estão completamente sucateados."
Para Farinazzo, esse problema poderia ser revertido com um planejamento integrado entre os ministérios das Relações Exteriores e da Defesa, possibilitando que a Marinha se preparasse para esse tipo de exercícios com tempo hábil.
Embarcação da Marinha do Brasil participa de evento militar em comemoração ao bicentenário da Independência do Brasil, em Copacabana, Rio de Janeiro, 7 de setembro de 2022
© Sputnik / João Werneck
"No futuro, acredito que o Brasil mandará pelo menos observadores para exercícios conduzidos pelos parceiros do BRICS, mesmo que não haja envio imediato de meios operativos navais", acredita Farinazzo.
Segundo ele, o novo governo brasileiro deve retomar projetos de cooperação no âmbito do BRICS, inclusive na área de defesa.
"O Brasil pode até chegar atrasado no BRICS, mas ele inevitavelmente chegará. O BRICS é o nosso destino natural", concluiu o especialista.
Entre os dias 17 e 27 de fevereiro, África do Sul, Rússia e China conduzirão exercícios navais conjuntos, que contarão com a participação da fragata Gorshkov, armada com mísseis hipersônicos Tsirkon. Os exercícios serão realizados nas proximidades das cidades portuárias de Duban e de Richards Bay, na costa leste da África do Sul.