Zimbábue investe em sua soberania e sofre sanções injustificáveis, diz analista
18:46, 12 de fevereiro 2023
Redação
Equipe da Sputnik Brasil
Os Estados Unidos aplicam sanções ao Zimbábue desde 2001, alegando a intenção de impedir violações aos direitos humanos. Em entrevista ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, especialistas explicam as reais motivações por trás dos embargos e os impactos sobre a população do país africano.
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sanções do Ocidente não são exclusividade da Rússia e de países como Cuba, Venezuela e Coreia do Norte. Uma nação africana que pouco aparece no noticiário da mídia internacional, o Zimbábue também sofre com restrições econômicas estabelecidas pelos Estados Unidos.
No
190º episódio do podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, as apresentadoras Melina Saad e Thaiana de Oliveira entrevistaram especialistas para entender a situação político-econômica do país sancionado.
Os convidados do programa foram Lutina Santos, licenciado em ciência política pela Universidade Agostinho Neto (UAN), mestre e doutorando em relações interculturais pela Universidade Aberta (UAb), em Lisboa, coautor do livro "Fluxos Migratórios em Angola" e autor do livro "Competição Política — A Guerra pelo Poder"; e Luccas Gissoni, mestre em economia política mundial e doutorando pela Universidade Federal do ABC (UFABC), além de professor de história da África e formação política na União de Núcleos de Educação Popular para Negras/os e Classe Trabalhadora (UNEafro Brasil).
No episódio, os analistas explicam a reforma agrária zimbabuana e como tem funcionado a lei que transfere o direito de exploração das fazendas de brancos para negros.
País situado na África Meridional ou Austral — parte sul do continente —, com fronteira com a África do Sul, Moçambique, Zâmbia e Botsuana, o Zimbábue conquistou sua independência oficial em 18 de abril de 1980.
A partir de sua libertação do Reino Unido, o país passou a conviver com disputas internas por terras entre descendentes de ex-colonos britânicos e ex-guerrilheiros que lutaram pela independência, aponta o cientista político Lutina Santos.
O primeiro presidente do país, Robert Mugabe, foi quem iniciou o processo de reforma agrária, que desagradou a parte da sociedade beneficiada à época da colonização. A medida, diz o especialista, foi o pontapé inicial para desencadear as sanções ocidentais.
As primeiras restrições partiram da Commonwealth, organização liderada pelo Reino Unido que agrupa antigas colônias britânicas. Alegando fraude eleitoral e violação dos direitos humanos, o grupo aplicou as sanções visando penalizar e fragilizar a economia zimbabuana.
Ao aderir às sanções, os EUA visaram diversas instituições governamentais e funcionários, entre os quais Mugabe e o atual presidente, Emmerson Mnangagwa, mas as medidas resultaram em um forte impacto também na vida da população.
No eixo ocidental, além dos EUA e do Reino Unido, a União Europeia, o Canadá, a Austrália e a Nova Zelândia também têm sanções impostas ao Zimbábue.
"É um país que, no fundo, acabou enfrentando várias sanções, tendo uma economia bastante penalizada, e viu, inevitavelmente, seus cidadãos emigrarem em massa para a África do Sul", relatou Santos.
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Como as sanções afetam o Zimbábue?
De acordo com o especialista, há vários reflexos das sanções ocidentais. Ele diz que um dos principais efeitos são a redução dos investimentos no país. Como as empresas que mais investem no Zimbábue são as de países anglófonos, e estes são membros da Commonwealth — que aplica sanções —, a queda de investimentos é grande.
"Quando os investidores veem que não há suficiente segurança no país, as pessoas não investem. As empresas não investem, receiam mais o risco", explica. "Estamos falando do Zimbábue, um país de língua anglo-saxã, então é evidente que parte essencial dos investidores venham desses países e as sanções acabem por minar a possibilidade de esses empresários investirem."
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Segundo o especialista, o pano de fundo da situação zimbabuana é, de fato, a questão da reforma agrária. Santos aponta que a medida desencadeou o descontentamento generalizado na parcela que se sentiu prejudicada, afetando a agricultura e as exportações do país.
"Gerou prejuízos enormes à economia do Zimbábue. Isso acabou por tornar o país muito dependente da importação. Portanto quase tudo vinha do mercado internacional. O Zimbábue era um celeiro muito forte em termos de agricultura na África e acabou por ficar bastante penalizado, e isso, claro, afetou diretamente a economia. Acabou por criar dificuldades enormes aos agregados familiares, e navegou-se nessa situação da crise econômica em que os níveis de inflação foram incalculáveis", avaliou.
Reformas provocadas por 'convulsão social'
Segundo o professor de história da África Luccas Gissoni, há uma "coincidência", na região da África Austral, entre a descolonização e o avanço do neoliberalismo como modelo econômico. Nesse cenário, no Zimbábue especificamente, os colonos brancos apresentaram uma condição para a transição de poder, para garantir a dominação econômica por parte do segmento.
Em meio à disputa política, houve um progressivo fim dos privilégios políticos dos brancos, mas também a manutenção da propriedade fundiária e do privilégio racial, impedindo a emergência de uma nova classe média negra, segundo o especialista.
Em sua avaliação, a reforma estrutural de poder no país "foi provocada por uma convulsão social", em meio a dificuldades econômicas do povo negro.
"O processo de descolonização do Zimbábue serviu como modelo para outros países da região da África Austral. Mas, ao contrário da África do Sul, verifica-se no Zimbábue uma africanização, uma transição de poder, nas forças armadas e no Estado. Os antigos guerrilheiros acabaram assumindo postos de oficiais do Exército", indica Gissoni.
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O especialista aponta que, na transição de poder no Zimbábue, a partir de 1980, há três fases da reforma agrária. Entre 1980 a 1985, houve uma redistribuição "razoavelmente substancial" das terras, "embora abaixo das metas". Esta se dá pelo mercado de terras, com o Estado adquirindo e redistribuindo terras.
Já de 1986 a 1999, na segunda fase, há uma desaceleração da distribuição, tanto com mecanismos de mercado como de expropriação, mas com uma distribuição tímida, "gerando uma convulsão social cada vez maior".
"Na década de 1990, vimos o avanço dos movimentos de ocupação de terra, com caráter descentralizado e antiburocrático, em um processo liderado pelos veteranos de guerra. Não os que estavam na administração pública, mas os veteranos da guerra de libertação nacional. Esses movimentos se intensificam em meados da década de 1990", explica.
Sanções internacionais 'não se justificam'
Segundo Gissoni, as sanções internacionais "não se justificam" pelo fato de um país estar investindo em sua soberania, ao fazer a reforma agrária.
Ele diz que a reorganização das posses das terras ocorreu "de forma muito justificada historicamente, por se levantar contra os privilégios de uma minoria branca que se colocou na região".
O especialista não descarta o levantamento das sanções ocidentais no futuro, mas avalia que o país terá grandes dificuldades em revogar as medidas.
Ele afirma que, em países como o Reino Unido e o Canadá, já se debate uma eventual volta do Zimbábue à Commonwealth. Segundo Gissoni, as discussões poderão trazer à tona o
debate sobre as sanções.
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Contudo ele pondera que o contexto atual das relações internacionais, com "uma polarização grande", será essencial para definir os rumos dos bloqueios ao país africano.
Ele separa o mundo em dois blocos de interesses: um liderado pelos EUA, com a presença do Reino Unido e da União Europeia; e um outro multipolar, com China, Rússia e outros países do Sul Global, "com uma visão de revisão da estrutura de poder do sistema internacional".
"Como o Zimbábue vai ficar diante dessa discussão em torno das sanções? Será que o Zimbábue vai conseguir jogar essas rivalidades internacionais a seu favor para levar a sua agenda? Ou será que o imperialismo dos EUA e do Reino Unido vai se intensificar nesse contexto e apertar as sanções? Acho que as duas possibilidades existem", concluiu.
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