Após sua confissão, o verde militar começou a se infiltrar no perfil de Lujan, que no mundo das redes sociais é conhecida como e-girl, nome usado para designar jogadores de jogos eletrônicos que fazem a transmissão de gameplays em trajes geralmente sexualizados.
No caso de Lujan, havia um ou dois posts relacionados ao Exército para cada seis que apresentavam uma típica adolescente no Instagram (cuja atividade é proibida na Rússia como extremista junto ao Facebook e WhatsApp da Meta): muitas selfies, cores, doces e festas.
A partir de meados de junho de 2022, o perfil foi totalmente convertido para conteúdo militar com vídeos de uma recruta mostrando seus pacotes de comida do Exército, interpretando uma "garota má" em roupas militares, compartilhando suas memórias de uma festa com soldados, posando com armas e até fazendo shitposting (postagens de mau gosto) com capacete colocado na pia ao lado de maços de cigarro.
Perfil do Tiktok de @haylujan
© Foto / TikTok / @haylujan
No TikTok, a mudança foi ainda mais perceptível. Os vídeos passaram a mostrá-la sempre de uniforme e realizando ações como descer em uma corda que, segundo a plataforma, são realizadas por profissionais.
Isso chamou a atenção da mídia norte-americana, que a acusou de fazer parte de uma estratégia de propaganda militar. A resposta de Lujan foi um vídeo dinâmico e irônico, com efeitos perturbadores, onde as logos da grande mídia americana são rapidamente combinadas com fotos de modelos militares, armas e selfies que terminam com uma frase poderosa: "Ninguém escapa da propaganda."
Tiktok de @haylujan. "Quando o Exército gasta US$ 100 milhões [R$ 557 milhões] em propaganda todos os anos apenas para ser ultrapassado por uma garota de 21 anos com um TikTok"
© Foto / TikTok / @haylujan
Embora ela interprete os comentários como uma zombaria (e os ostente em sua biografia), seu perfil atualiza constantemente postagens com mais de um ano, que por vezes é privado e mantém uma frase provocativa que alimenta dúvidas sobre o conteúdo de @haylujan: "Não é patrocinado pelo Departamento de Defesa."
O Exército não é mais atraente
O Departamento de Defesa dos Estados Unidos reconheceu que enfrenta um problema de recrutamento, pois nos últimos anos tem tido conflitos para cumprir o objetivo de novos jovens alistados em suas Forças Armadas.
Só em 2022, o departamento buscou recrutar 70.000 jovens. Para junho de 2022, o Exército baixou suas projeções para 60 mil, número que também não foi alcançado no final do ano fiscal, em setembro, já que apenas 45 mil se alistaram.
A este respeito, o Pentágono defende que parte da queda corresponde ao fato de, na pandemia de COVID-19, não terem sido instalados centros de recrutamento nas escolas. No entanto, a tendência de queda tem sido uma constante nos últimos cinco anos.
Segundo a The Economist, em 2022 o país atingiu os valores de recrutamento mais baixos desde 1973, quando terminou o serviço militar obrigatório. O veículo faz alusão ao fato de que a polarização política tem sido um fator que afeta a imagem das instituições militares.
Em janeiro passado, o congressista e ex-líder do Comitê Interno de Serviços Armados, Adam Smith, reconheceu que o Exército dos Estados Unidos tem tido problemas para recrutar jovens para suas fileiras. "No momento, temos um problema de contratação, temos um plano para corrigi-lo e acho que uma das coisas mais importantes a lembrar é que o principal motivo pelo qual temos um problema de contratação são os dois anos de pandemia", disse o legislador democrata.
"Podemos desenvolver todos os tipos de novos sistemas de armas de alta tecnologia, como estamos fazendo agora, mas se não tivermos indivíduos talentosos motivados a usar esses sistemas de armas, não seremos capazes de fazer o que queremos fazer", disse a secretária do Exército dos Estados Unidos, Christine Wormuth, durante uma convenção trabalhista organizada pela rede CNBC, em setembro de 2022.
Um dos desafios reconhecidos pela própria Wormuth é a imagem que o Exército tem na mídia e que varia de acordo com o atual governo.
"Acho que o maior problema é com os pais, que podem assistir ao noticiário e ver que o Exército às vezes pode se tornar um jogo de futebol político, e acho que a maneira de contornar isso é mostrar aos jovens americanos, seus pais e outros tipos de influenciadores que o Exército é apolítico e quando você entra, você faz um juramento à Constituição", disse Wormuth.
Segundo dados do próprio governo dos Estados Unidos, 50% dos menores desconhecem a história ou o trabalho do Exército. Esse distanciamento faz com que apenas 9% dos jovens entre 18 e 24 anos tenham interesse em ingressar nas Forças Armadas.
Em entrevista à Sputnik o cientista político Jeremy Shepherd que criou o podcast Intervenciones Gringas (Intervenções Gringas), no qual relata as operações militares dos Estados Unidos ao redor do mundo, acredita que capítulos como o 11 de setembro e as guerras no Iraque e no Afeganistão são questões que já estão sendo sentidas distante para os jovens, sobretudo pelo desinteresse e pelos resultados obtidos.
"As pessoas normalmente não pensam muito nisso [no Exército] porque, como os números da porcentagem da população que está nas Forças Armadas caíram, talvez você não conheça ninguém que esteja fazendo parte dela. Talvez conheçamos alguém que tenha feito parte antes, mas agora é cada vez menos", diz Shepherd.
O youtuber lembra que a ideia de "soldado cidadão" foi um conceito que foi cunhado durante a Segunda Guerra Mundial para promover a unidade nacional. Porém, como não há guerra específica nem inimigo específico, a ideia de apoiar o Exército, nestes termos, perde o sentido.
"Existia na Segunda Guerra Mundial porque era necessário: 10% da população em alguma parte das Forças Armadas, e o resto do país dando seus pneus velhos e suas sobras de cobre [...]. Isso mudou muito especialmente depois do Vietnã, quando decidiram que não queriam mais enviar centenas de milhares de soldados. Mais tarde, decidiram fazê-lo em vários casos, mas a nova doutrina é a das 'pequenas guerras'", diz o pesquisador.
A isso se acrescenta que, nos últimos 20 anos, os Estados Unidos não se saíram bem em algumas operações, como no Afeganistão. Embora em algumas partes do país norte-americano se mantenha a imagem e o respeito pela institucionalidade do Exército, para Shepherd o fato de muitos jovens saberem como seus familiares foram tratados quando estiveram no serviço militar também é um fator que desanima as novas gerações.
O criador de conteúdo lembra a frase de Mao Zedong de que o imperialismo norte-americano é um tigre de papel: algo que parece ameaçador, mas não é.
"Parece muito forte do lado de fora, mas as pessoas dentro dele não o apoiam, não estão brigando por ideologia. O que vimos especialmente no Vietnã é que o público americano não suporta, quanto menos tem que saber, melhor. Quando você está carregando muitos caixões com bandeiras, isso parece muito ruim no noticiário", diz Shepherd.
A imagem do Exército também não é favorecida pelos problemas mentais que seus efetivos relataram nos últimos anos. Segundo relatórios do Departamento de Defesa, entre 2015 e 2020 os suicídios de membros ativos aumentaram 40%, o que desanima uma geração como a Z ou Centennials (nascida entre 1996 e 2010), que se caracteriza por priorizar sua saúde mental.
O fator influenciador
É aqui que o Exército dos EUA entra na mídia social. Dada a ineficácia das antigas técnicas de recrutamento como as chamadas telefônicas ou os centros instalados nas escolas, a opção mais viável é o marketing mais direto e focado, algo que as plataformas digitais permitem.
Michael Strobl, assistente do subcomandante de Recursos Humanos da Marinha e Assuntos da Reserva, testemunhou em um painel do Senado em setembro passado que os esforços de recrutamento são deixados na era da "lista telefônica" e devem atualizar para a mídia social.
Tiktok de @haylujan
© Foto / TikTok / @haylujan
A assistente do secretário de Defesa para militares e políticas, Stephanie Miller, concorda que, para contrabalançar a imagem midiática das Forças Armadas, é necessário "fornecer conteúdos mais personalizados e adaptados" às novas gerações.
"O que precisamos é de um instrumento de força contundente e queremos ser mais estratégicos. Queremos ser capazes de, alguma forma, empacotar nossas mensagens para que possam ressoar com grande efeito em uma geração que conta com segundos para capturar sua atenção", reconheceu Miller.
Embora o governo dos EUA não tenha reconhecido que influenciadores como @haylujan fazem parte de sua estratégia de propaganda, o Departamento de Defesa tem enfrentado polêmica por sua interferência em plataformas como Twitch, popular rede social para transmissão, principalmente de jovens jogando jogos eletrônicos e onde não faltam as chamadas e-girls.
Tiktok de @haylujan
© Foto / TikTok / @haylujan
Em 2018, uma equipe popular de fuzileiros navais dos EUA, que transmitiu ao vivo no Twitch no canal Goats & Glory, desapareceu depois que alguns usuários ameaçaram processá-los por excluir comentários de usuários falando contra os militares. Embora o governo dos EUA tenha negado o uso da plataforma para recrutamento, meios de comunicação como o Vice tiveram acesso a um manual que supostamente descreve as estratégias com as quais os streamers militares podem cooptar a atenção de jovens jogadores, muitos fascinados por jogos acusados de propaganda militar como Call of Duty (Chamado ao dever).
Após a revelação, o canal Goats & Glory foi desativado, assim como um com membros da Guarda Nacional.
"A Twitch é a encarnação moderna do shopping, pelo menos para um recrutador. Essas são operações medidas. É a mesma razão pela qual você coloca garrafas de refrigerante nos filmes. Você não vai comprar literalmente o refrigerante só porque o viu no filme, mas permanece em sua consciência. Faz parte do processo de recrutamento, mesmo que não seja literalmente recrutando pessoas", disse o ex-recrutador e Ranger do Exército Marty Skovlund Jr. à Wired.
Essa sutileza com que o verde militar se insinua no cotidiano dos jovens gera confusão e incerteza entre o que é real e o que não é, como é o caso da influencer @haylujan, que apresenta ao dia a dia de seus seguidores os militares com postagens ruins que poderiam funcionar como propaganda.
"Há uma dúvida generalizada da realidade e um senso comum de caos e irrealidade, de acordo com a cultura da Internet que cairá e discutirá sobre isso e a perpetuará. Fazer as pessoas duvidarem de sua realidade — essa garota realmente está no Exército? As manobras são reais? Seus rostos são reais? — apenas adiciona mais a essa confusão geral, dissociação e leva à dessensibilização", disse a dra. Christiana Spens, autora de "Fear and Hipster Shooters", ao Dazed Digital.
Exército exigente e fechado
Além da propaganda e da mensagem que o Exército envia aos jovens, os Estados Unidos enfrentam outro problema, que são os seus próprios padrões para aceitar novos recrutas.
Segundo a própria secretária Christine Wormuth, apenas 23% dos jovens entre 16 e 21 anos têm os requisitos físicos para serem aceitos nas Forças Armadas.
Além disso, os militares dos EUA também têm outro problema crescente que é a legalização da maconha para fins recreativos. Apesar da abertura em 21 estados, as Forças Armadas continuam proibindo seu consumo e a entrada aos consumidores.
"Ainda é uma instituição conservadora. Vimos nos últimos anos a legalização da maconha, mas se você está no Exército, fuma uma vez e é pego, bum! É preso [...] As pessoas que querem entrar não deixam por mil e uma coisas, porque já te prenderam uma vez por fumar maconha, por isso ou por outra", diz Jeremy Shepherd.
Para Shepherd, o fator-chave é que, apesar das promessas de bons salários e benefícios, o Exército não é uma carta atrativa em um mercado de trabalho competitivo, onde o treinamento militar não é uma competência competitiva estabelecida fora das Forças Armadas, mesmo em cargos especializados em engenharia, mecânica, informática e outras áreas.
"O Exército já privatizou muitos serviços [...], é feito por autônomo. Se antes eu era sargento e ganhava US$ 40 mil [cerca de R$ 207,7 mil] por ano, agora ele faz, mas ganha US$ 200 mil [cerca de R$ 1 milhão] para fazer o mesmo trabalho, mas em particular", explica o cientista político.
A privatização também é vista no campo de batalha. Segundo um artigo da pesquisadora María Julia Arango, publicado pela Associação das Nações Unidas para a República da Argentina, desde 1990, quando se falava do "fim da história" devido ao fim da Guerra Fria, os Estados Unidos e várias potências passaram a depender cada vez mais de empresas militares privadas a ponto de se estimar que, na Guerra do Golfo, para cada 100 soldados norte-americanos, um era privado, enquanto na Bósnia, aumentou para 50, e no Iraque, um em cada 10. De fato, o artigo estima que entre 20 mil e 25 mil soldados privados estiveram presentes no país do Oriente Médio.
Essa também é uma realidade reconhecida pelo Departamento de Defesa. Para Christine Wormuth, o Exército enfrenta um grande desafio que é o de se tornar atraente como opção de carreira.
"Estamos competindo por talentos tanto quanto nossos colegas do setor, e o mercado de trabalho está aquecido no momento. Os salários cresceram muito, o que é ótimo para os americanos, mas torna mais difícil para nós do Exército competirmos", reconheceu Wormuth.