A maioria dos países do mundo depende de apenas alguns países para obter os fertilizantes necessários para garantir a produção agrícola e escapar da insegurança alimentar. E os principais fornecedores são: Rússia, Belarus e China.
Um artigo publicado recentemente na Bloomberg jogou luz sobre a corrida para garantir fertilizantes após o início do conflito entre Rússia e Ucrânia.
O texto compara os fertilizantes aos semicondutores, cuja dependência, especialmente no que diz respeito aos EUA, se tornou um ponto nevrálgico para a geopolítica global. Assim como os semicondutores são cruciais para empresas de tecnologia, os fertilizantes são essenciais para a agricultura.
Essa importância foi exposta em novembro do ano passado, quando a Organização das Nações Unidas (ONU) interveio para mediar a liberação de uma carga de fertilizantes russos que estava retida no porto de Roterdã, nos Países Baixos, por conta das sanções ocidentais aplicadas à Rússia. Após uma negociação, um navio fretado pelo Programa Mundial de Alimentos (PMA), da ONU, transportou o carregamento até Moçambique. De caminhão, a remessa atravessou o país até seu destino, o vizinho Malawi, onde estima-se que 20% da população enfrenta insegurança alimentar aguda durante o chamado período de escassez, em março, que compreende as semanas de esgotamento dos estoques agrícolas até a colheita seguinte.
Segundo o artigo, casos como esse colocam os fertilizantes (e aqueles que os controlam) no topo da agenda política em todo o mundo.
"O Departamento de Estado dos EUA está aprimorando sua experiência em fertilizantes, os presidentes estão tuitando sobre eles, estão aparecendo em campanhas eleitorais e se tornando o foco de tensões entre países, bem como uma moeda improvável de diplomacia", diz o texto.
Segundo Udai Shanker Awasthi, diretor-executivo da cooperativa Indian Farmers Fertiliser, os fertilizantes estão diretamente ligados à segurança nacional de um país. "Se seu estômago está cheio, você pode defender seu país, pode defender suas fronteiras, sua economia", explica Awasthi.
A cifra de US$ 250 milhões (cerca de R$ 1,3 bilhão) que precisou ser desembolsada pelo Departamento de Agricultura dos EUA em 2022 para suprir a demanda por fertilizantes destacou o papel da Rússia e de Belarus como exportadores de quase um quarto dos fertilizantes agrícolas usados no mundo. Embora os fertilizantes não estejam sob sanção, sua exportação está reduzida devido a uma combinação de fatores.
Segundo Andrey Melnichenko, magnata russo do setor de fertilizantes e fundador do EuroChem Group AG, o regime de sanções liderado pelos EUA e seus aliados europeus restringiu o comércio a tal ponto que levou a uma redução nos embarques de fertilizantes em portos estimada em 13 milhões de toneladas.
Essa perturbação no mercado global levou a um salto nos preços dos fertilizantes, e aqueles que podem pagar passaram a acumular os estoques. Em contraponto, os suprimentos ficaram escassos em regiões mais pobres. Como resultado, os agricultores do Sudeste Asiático e da África ficaram em desvantagem em relação a seus equivalentes na América do Norte, China e Índia. Uma projeção do Banco Africano de Desenvolvimento aponta que a redução no uso de fertilizantes levará a uma queda de 20% na produção de alimentos.
Essa crise pode chegar à América Latina. Segundo dados do International Food Policy, instituto de pesquisa com sede em Washington, EUA, 83% da região depende da importação de fertilizantes da Rússia, China e Belarus.
Isso seria um problema em especial para a indústria agrícola do Peru, país convulsionado por uma crise política, mas que experimentou um aumento nas vendas de frutas e vegetais nos últimos anos. O Peru é agora o maior exportador mundial de mirtilos e um importante fornecedor de abacates, aspargos, alcachofras e mangas, em uma indústria que deve movimentar cerca de US$ 10 bilhões (cerca de R$ 51 bilhões) para sua economia neste ano.
Porém o crescimento e os esforços para integrar os pequenos proprietários em práticas industriais modernizadas foram postos em dúvida, já que o Peru vem tendo problemas para ter acesso a fertilizantes. Segundo Gabriel Amaro, diretor da AGAP, uma associação de exportação agrícola do Peru, essa falta de acesso significa perda de produtividade e até danos às plantações.
"O pequeno agricultor não necessariamente tem conseguido aplicar fertilizante, ou tem aplicado muito pouco."