Seu atual presidente desde julho de 2020, o brasileiro Marcos Troyjo, deixará o cargo até 24 de março, dando espaço à indicação de um novo nome pelo Brasil, que deverá assumir a posição até o ano de 2025.
Durante o mandato de Troyjo, o NBD atingiu alguns marcos políticos importantes. Nesse quesito, pode-se citar por exemplo a primeira expansão oficial de seu quadro de membros, que passou a incluir Bangladesh, Uruguai, Egito e Emirados Árabes Unidos, ampliando o alcance global da instituição na América Latina, Oriente Médio, África e Ásia. Também em 2021 ocorreu a abertura do escritório regional do NBD na Índia.
Contudo, a era Marcos Troyjo chega ao fim e já vêm ocorrendo movimentações para a sua substituição na instituição, que poderá ser chefiada pela ex-presidente brasileira Dilma Rousseff. No começo do mês, Dilma – nome endossado pelo governo Lula – chegou a se reunir virtualmente com os ministros das Finanças dos países do BRICS no intuito justamente de movimentar sua candidatura à presidência da instituição.
Muito embora Dilma precise aguardar pela aprovação do Conselho de Governadores (composto pelos ministros das Finanças do BRICS) para assumir o cargo, seu nome já tem sido praticamente dado como certo para a presidência do NBD em função de alguns fatores.
Mídia: 'Corrida' de bolsonaristas para Banco do BRICS pode dificultar chefia de Dilma na instituição
14 de fevereiro 2023, 10:34
Primeiro, porque a representação brasileira no Conselho de Governadores do Banco do BRICS é do atual ministro da Fazenda Fernando Haddad, também indicado pelo atual governo Lula.
Segundo, porque Dilma deverá fazer parte da comitiva que acompanhará Lula em sua visita à China (principal potência do BRICS) programada para este mês, angariando o apoio dos chineses ao nome da ex-presidente que, em assumindo a função, deverá se mudar para Xangai, onde fica a sede do Banco.
Lula também deverá contar com os apoios de Rússia, África do Sul e Índia para a indicação de Dilma ao NBD, sobretudo por seu histórico de cooperação política com estes países no âmbito de seus dois primeiros mandatos.
Dado esse contexto, o que podemos esperar de uma eventual presidência de Dilma Rousseff no Novo Banco de Desenvolvimento? A princípio, a resposta a essa pergunta pode ser divida em termos práticos e em termos político-simbólicos.
Do ponto de vista prático, não compete esperar grandes mudanças no funcionamento do Banco sob a presidência de Dilma. Primeiro, porque ela deverá assumir o cargo praticamente na metade do mandato brasileiro, com término previsto para 2025 e sem possibilidade de renovação.
Aqui vale lembrar que a presidência do NBD é alternada a cada cinco anos entre os representantes dos países do BRICS. O primeiro presidente do NBD foi Vaman Kamath da Índia, que esteve à frente da instituição entre os anos de 2015 e 2020.
Segundo, porque dentro da estrutura organizacional do NBD o presidente possui uma atuação relativamente limitada à condução de atividades mais rotineiras da instituição, além da organização de seus negócios por meio de atuação conjunta com o Conselho de Diretores.
Ademais, a maior parte dos poderes do Banco reside no Conselho de Governadores, órgão responsável por elaborar as principais estratégias de alocação de recursos e de investimento da instituição. Hoje, cabe ressaltar, o NBD conta com quase 100 projetos nos cinco países-membros dos BRICS – em setores como energia limpa, infraestrutura de transporte, irrigação, gestão de recursos hídricos e saneamento, desenvolvimento urbano, infraestrutura social, eficiência ambiental, entre outros.
Outro fator que pode limitar mudanças práticas na administração do Banco sob a presidência de Dilma diz respeito à já aprovada Estratégia Geral do NBD para os anos de 2022-2026, documento que determina as principais diretrizes de atuação do Banco para os próximos anos e que não deverá sofrer modificações até o final do período.
Contudo, se em termos práticos a escolha de Dilma para a presidência do NBD – em tese – não deve trazer grandes alterações, é no campo político e dos "símbolos" que a presença da ex-presidente brasileira à frente da instituição pode desempenhar papel de importância.
Compete ressaltar que foi justamente na Cúpula do BRICS de 2014 em Fortaleza, sob a presidência de Dilma Rousseff, que a criação do NBD foi anunciada, o que por si só a investe de um capital simbólico significativo para a história da instituição.
O presidente Vladimir Putin, o primeiro-ministro indiano Narendra Modi, a então presidente brasileira Dilma Rousseff, o então presidente chinês Xi Jinping e o então presidente sul-africano Jacob Zuma posam para uma foto de grupo no Centro de Congressos de Fortaleza na 6ª Cúpula do BRICS em 15 de julho de 2014
© Sputnik / Mikhail Klimentyev
Em verdade, a iniciativa de criação do Banco representou um movimento político único no aprimoramento da cooperação entre os países do BRICS, fornecendo uma estrutura alternativa – liderada por economias de mercado emergentes – dentro da governança financeira mundial.
Não sem razão, a primeira estratégia geral do NBD já mencionava que o Banco era uma expressão do crescente papel do BRICS e dos países em desenvolvimento na economia global, representando sua maior disposição em agir de forma independente dos tradicionais grandes centros de poder do sistema (leia-se aqui o G7).
Por sua vez, apesar de não pretender substituir propriamente os organismos de Bretton Woods, uma vez que cumpre funções distintas das do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional, o NBD é um símbolo da insatisfação do BRICS com a lentidão nas reformas destas instituições e com o fato de que a tomada de decisão econômica internacional continua nas mãos de um grupo seleto de potências ocidentais.
Em discurso na ONU no ano de 2014, por exemplo, a então presidente Dilma Rousseff já chamava a atenção para o imperativo de eliminar “a disparidade entre a crescente importância dos países em desenvolvimento na economia global e sua insuficiente representação e participação nos processos decisórios das instituições financeiras internacionais”.
Tal posicionamento era reflexo de uma era da política externa brasileira em que o país, juntamente dos demais países do BRICS, empreendeu esforços no sentido de melhorar sua posição no FMI e no Banco Mundial, indicando a intenção do Brasil em desempenhar papel mais ativo no mundo.
Presidente Lula abraça a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) noo Dia Internacional da Mulher, no salão nobre do Palácio do Planalto, em Brasília, 8 de março de 2023
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Sim, por mais que sob um olhar imediato a mudança de Marcos Troyjo por Dilma manifeste o simples desejo do governo Lula de se desfazer dos quadros políticos anteriores da administração Jair Bolsonaro e por mais que ela não venha a trazer grandes consequências para o funcionamento do NBD, há que se admitir que ela possui um significado político e simbólico não negligenciável.
Significado esse que tem relação com a personagem de uma época em que o Brasil e o BRICS moviam-se em uníssono no sentido de ganhar cada vez mais voz dentro do sistema.
Se olharmos para o passado recente, portanto, seria possível dizer que a principal nuance política por trás da indicação de Dilma à presidência do NBD representa justamente isso: o símbolo da posição anti-hegemônica do Brasil nas relações internacionais e, por que não dizer, do próprio BRICS.
As opiniões expressas neste artigo podem não coincidir com as da redação