Nesta sexta-feira (17), a instauração da Operação Lava Jato completa nove anos. Criada para investigar irregularidades na Petrobras, seus processos deixaram legado controverso não só na política, mas também na economia brasileira.
Após diversos arquivamentos e vazamento de mensagens comprometedoras entre juízes e procuradores, a nova polêmica da Operação Lava Jato gira em torno do atual juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba, Eduardo Fernando Appio, empossado em fevereiro deste ano.
Grupo de políticos associados à direita apresentaram solicitação ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), para afastar o juiz da chefia da relatoria dos processos da Operação Lava Jato.
Liderados pelo ex-procurador e agora deputado federal Deltan Dallagnol (Podemos-PR), o grupo alega que Appio é lulista e, portanto, não deveria estar a cargo do que restou da operação em Curitiba.
Sergio Moro e Deltan Dallagnol, procurador federal e coordenador da Lava Jato no MPF, participam do Fórum Mãos Limpas & Lava Jato (foto de arquivo)
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Para o advogado e autor do livro "Geopolítica da Intervenção", sobre a participação dos EUA na Operação Lava Jato, Fernando Augusto Fernandes, a petição de Dallagnol é "tragicômica".
"Dallagnol só não foi punido pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) após vazamentos que comprovam o abuso de seu cargo de procurador, porque ele se aposentou", disse Fernandes à Sputnik Brasil.
Para o advogado, Dallagnol deve sua eleição a deputado federal ao uso político que fez de seu cargo de procurador, o que é vedado pela lei nacional.
A solicitação de Dallagnol cita uma doação de campanha feita pelo juiz Appio à campanha de Lula no valor de R$ 13 e sua opção por usar a assinatura eletrônica "LUL22" em sistema processual eletrônico da Justiça Federal.
Procurador da República, Deltan Dallagnol durante coletiva da força-tarefa da Operação Lava Jato, em 2016
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Além disso, em entrevista ao portal UOL concedida em fevereiro, o juiz Appio afirmou que Lula é inocente das acusações de corrupções feitas contra ele durante a operação Lava Jato.
"O juiz [Appio] se manifestou sobre a inocência de Lula após esta inocência estar declarada e transitada em julgado por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF)", considerou Fernandes. "Portanto, não se trata de uma manifestação política, mas uma referência a uma decisão da Suprema Corte brasileira."
Além de Dallagnol, outros políticos da direita assinam a petição, como Kim Kataguiri (União-SP), Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL-SP), Adriana Ventura (Novo-SP) e Mauricio Marcon (Podemos-RS).
Eduardo Cunha (esquerda) recebe no seu escritório do Congresso Nacional, em Brasília, o coordenador nacional do MBL, Kim Kataguiri (direita).
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"O pedido tem caráter exclusivamente político, sem nenhuma condição jurídica do afastamento do juiz. Qualquer petição precisa de uma análise de viabilidade jurídica, assim pode ser prontamente arquivada", considerou Fernandes. "A tendência absoluta é o arquivamento."
O CNJ ainda recebeu pedido de instauração de processo disciplinar contra Appio, apresentado no início de março pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-SP). Logo depois, a procuradora do Ministério Público Federal do Paraná, Carolina Bonfadini de Sá, entrou com pedido de suspeição do juiz.
O presidente Jair Bolsonaro, ao lado de seu filho, o senador Flávio Bolsonaro, fala com a imprensa ao sair do Ministério da Economia, após reunião com o ministro Paulo Guedes (foto de arquivo)
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Ataques a Appio também estão ganhando as redes sociais. O ex-deputado Eduardo Cunha atacou o juiz, após este determinar a devolução de seis de seus carros de luxo, incluindo dois Porches Cayenne. Anteriormente, decisão do então juiz Sergio Moro havia permitido que a família Cunha ficasse com os veículos, conforme reportou a Carta Capital.
"O desembargador Marcelo Malucelli do TRF 4 deferiu liminar revogando a decisão absurda do juiz Lul22, que quis me criar constrangimento público, com a história de entrega de carros. Agora meus advogados vão entrar pedindo a suspeição dele em tudo com relação a mim", escreveu Eduardo Cunha em rede social, no dia 14 de março.
A investida contra Appio está sendo acompanhada de uma mobilização de grupos de advogados que saem em sua defesa. O influente grupo de juristas Prerrogativas publicou carta no dia 10 de março manifestando "perplexidade" com as solicitações realizadas contra novo juiz de Curitiba.
"Sem nenhum processo julgado até o momento [...] o juiz Eduardo Appio já é vítima de lawfare, com a representação, junto ao CNJ, de pedido de afastamento, impedimento e suspeição", versa a carta do Prerrogativas.
Muitos ainda se perguntam se a Operação Lava Jato ainda existe de fato, uma vez que o então presidente Jair Bolsonaro encerrou as investigações em 2020, declarando que "eu acabei com a Lava Jato, porque não tem mais corrupção no governo".
Jair Bolsonaro e Sergio Moro, 2019
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"A operação Lava Jato acabou. O grupo especial do Ministério Público já foi dissolvido pelo Procurador Geral, quando ele não renovou a força tarefa", esclarece Fernandes. "O que ainda existe é a vara na qual os processos tramitaram [...]. Em razão da mídia, ainda chamam vulgarmente [os processos que tramitam na vara] de 'Lava Jato'."
Considerando a medida do ex-presidente, a comemoração dos nove anos da Lava Jato é, na verdade, uma celebração póstuma. No entanto, ainda que enterrada por Bolsonaro, a Operação Lava Jato segue assombrando os guardiões das fronteiras entre as esferas política e jurídica no Brasil.
Nesta sexta-feira (17), a instalação da Operação Lava Jato completa nove anos, com dois de seus principais atores, Sergio Moro e Deltan Dallagnol, com cadeiras no Congresso brasileiro. Os nove anos também são marcados pelos pedidos de afastamento e suspeição do atual juiz responsável pelos processos da Operação, Eduardo Appio.