Panorama internacional

Risco de embate nuclear entre Rússia e EUA é o maior das últimas décadas, diz vice-chanceler russo

Vice-chanceler russo Sergei Ryabkov não nutre ilusões quanto ao futuro das negociações nucleares entre EUA e Rússia durante encontro com especialistas em Moscou: "Não, caros colegas dos EUA. Poderíamos ter conversado antes. Agora já não é mais possível".
Sputnik
Nesta quarta-feira (22), o vice-ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Ryabkov, se reuniu com especialistas do Clube Valdai de Discussões Internacionais para debater o futuro da segurança internacional após a suspensão da Rússia do acordo Novo START.
"As ações destrutivas e hostis dos EUA fizeram a decisão da Rússia de suspender sua participação no acordo Novo START necessária e praticamente inevitável", disse Ryabkov. "Esse é um resultado lógico da crescente degradação das relações entre EUA e Rússia, por culpa de Washington."
O acordo Novo START regula o número de mísseis balísticos intercontinentais nucleares que Washington e Moscou podem manter em seus arsenais, através de inspeções mútuas e troca de informações entre as partes.
Após a retirada unilateral dos EUA do Tratado sobre Mísseis Antibalísticos (Tratado ABM) e Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermediário (Acordo INF), o Novo START era o último mecanismo que estabelecia limitações aos arsenais de Moscou e Washington. Em 21 de fevereiro, o presidente russo Vladimir Putin anunciou a suspensão da participação russa do acordo Novo START.
Em 21 de fevereiro, o presidente russo, Vladimir Putin, fez um discurso à Assembleia Federal russa
Para o vice-chanceler Ryabkov, o objetivo norte-americano de "escalar de forma irresponsável" o conflito na Ucrânia levou a mudanças fundamentais na realidade internacional, que impactaram a permanência da Rússia no acordo.
"O acordo foi suspenso em função das mudanças fundamentais das circunstâncias internacionais em relação àquelas do momento da assinatura do acordo. Isso não é uma figura de linguagem, mas uma referência às leis internacionais, mais especificamente à Convenção de Viena dos Direitos dos Tratados de 1969", notou o ministro.
A Convenção de Viena regula assuntos como a suspensão da vigência de tratados, assinatura, ratificação e retirada de países de acordos internacionais.
O vice-ministro declarou que o nível de hostilidade de Washington em relação à Moscou atingiu níveis sem precedentes, inclusive com a "condução de uma guerra híbrida total e pervertida contra a Rússia".
Sargento da Força Aérea dos EUA inspeciona munições de 155 mm antes delas serem enviadas à Ucrânia, em 29 de abril de 2022
"Os americanos gostam de dar a entender que seria fácil atender às preocupações que a Rússia tem vocalizado há anos sobre a retirada de um número significativo de armas estratégicas do escopo do acordo [Novo START] de forma ilegal", disse Ryabkov. "Se é tão fácil, por que não fizeram antes? Por que durante todos esses anos não conseguíamos convencer Washington a agir em relação a isso?"
Vice-chanceler russo, Sergei Ryabkov, discursa durante encontro do Clube de Discussão de Valdai, Moscou, Rússia, 22 de março de 2023
Para o vice-ministro, "agora é muito conveniente sair em público dizendo que a Rússia bateu a porta nas negociações, quando ainda havia como conversar".
"Não, caros colegas dos EUA. Poderíamos ter conversado antes. Agora já não é mais possível", declarou Ryabkov.

Países não nucleares

Neste quadro de falta de diálogo nuclear entre Washington e Moscou, a Sputnik Brasil perguntou ao vice-chanceler russo qual o papel que países não nuclearmente armados, como o Brasil, poderiam exercer para garantir a segurança mundial. Afinal, países não nuclearmente armados também sofreriam as consequências de um eventual conflito nuclear.
"Eu não vou entrar no debate sobre qual o risco de um conflito nuclear atualmente, mas posso dizer que ele é maior do que em qualquer momento das últimas décadas", disse Ryabkov à Sputnik Brasil.
Ele lembrou que nesta terça-feira (21), durante visita de estado do presidente chinês Xi Jinping à Rússia, as partes assinaram declarações que reafirmam o postulado de que "o uso de armas nucleares é inaceitável e não existem vencedores em uma guerra nuclear".
"Quero dizer que a Rússia mantém sua adesão às posições-chaves, doutrinárias e políticas, em favor da manutenção da segurança mundial e livre da ameaça nuclear", disse Rybakov à Sputnik Brasil.
No entanto, o vice-chanceler acredita que países que não possuem armas nucleares e não tem "a tendência a concordar com Washington sobre quaisquer assuntos" poderiam exercer papel mais firme na defesa da segurança mundial.
Uma reunião entre o presidente russo, Vladimir Putin, e seu homólogo chinês, Xi Jinping, em Moscou, 21 de março de 2023
"Países não nuclearmente armados, principalmente aqueles que não estão nos grupos liderados pelos EUA [...] poderiam declarar de forma mais incisiva as suas posições sobre a irrazoabilidade e desconexão com a realidade das políticas conduzidas pelas capitais ocidentais, inclusive por Washington."

Confronto direto entre Rússia e EUA?

O futuro dos acordos de controle de armamentos entre EUA e Rússia é bastante incerto, de acordo com os demais especialistas reunidos no Clube Valdai de Discussões Internacionais.
Para o professor emérito da Universidade de Columbia, Robert Levgold, esses acordos só sobreviverão se "a Rússia e os EUA saírem da armadilha geopolítica em que se encontram".
Projéteis de obuseiro M777 fornecidos pelos EUA no chão para disparar contra posições russas na região leste de Donbass. Ucrânia, 18 de junho de 2022
Já o general russo e diretor do think tank sobre política nuclear Pir Center, Yevgeny Buzhinsky, se mostrou bastante preocupado com um eventual confronto direto entre Washington e Moscou.
"Podem chamar de guerra híbrida, informacional, diplomática ou econômica - chamem do que quiserem. Mas o fato é que estamos praticamente em guerra com os EUA. Estamos a um passo de um confronto real", lamentou Buzhinsky.
Para o general, o último passo rumo a um confronto direto seria o fornecimento de caças e demais aeronaves de combate ocidentais à Kiev, no contexto do conflito ucraniano.
General Yevgeny Buzhinsky durante debate no Clube de Discussão de Valdai, Moscou, Rússia, 22 de março de 2023
"Podem ser F-16, Rafales, Eurofighters, Mirage, Griepens, não importa quais aeronaves. O que importa é que a Ucrânia não tem bases para operar esses caças. Então eles deverão ser operados de outros países, como Polônia, Romênia ou Eslováquia. E a Rússia será obrigada a realizar ataques contra essas bases", explicou o general Buzhinsky. "Vamos ver como Biden vai calcular o risco e defender cada polegada do território de seus aliados."
Nesta quarta-feira (22), o vice-ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Ryabkov, se reuniu com especialistas em Relações Internacionais e Defesa do Clube Valdai de Discussões Internacionais, em Moscou. A reunião foi dedicada ao futuro do regime de controle de armas nucleares, após a decisão russa de suspender sua participação no acordo Novo START.
Comentar