Nos últimos dias, por ocasião da sua visita à China, Macron alertou que o principal desafio da Europa neste momento é "não ficar preso em crises que não são as suas, o que a impede de construir a sua autonomia estratégica".
Nesse sentido, o líder francês convidou a questionar se o papel dos países europeus nas tensões entre a China e Taiwan é uma decisão autônoma ou uma prossecução cega da estratégia da Casa Branca.
"O paradoxo seria que, em pânico, acreditamos que somos apenas torcedores dos Estados Unidos. A pergunta que se deve fazer a nós, europeus, é esta: estamos interessados na solução forçada para a questão de Taiwan? Não. O pior seria pensar que nós, europeus, deveríamos seguir este exemplo e nos ajustar ao ritmo americano ou à reação exagerada chinesa", disse o presidente francês em entrevista exclusiva ao Politico.
Balde de água fria para a Europa
Embora a voz de Macron não represente toda a Europa, a verdade é que a França tem um dos maiores líderes da União Europeia (UE) e da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Por isso, suas palavras poderiam, por um lado, ecoar em outras nações e, por outro, estabelecer um padrão na forma como Washington se relaciona com seus principais aliados, explica o acadêmico mexicano Carlos Manuel López Alvarado à Sputnik.
Segundo o especialista em relações internacionais, a nova e inesperada postura do presidente francês revela que o modelo multipolar está ganhando espaço e que, para a Europa, para o pesar de Washington, a China é um parceiro essencial.
"Acho que [as declarações de Macron] são um balde de água fria para todos os parceiros europeus. A realidade é que a voz de Macron é a voz de um grande número de indivíduos, de atores e de pessoas que estão apenas entendendo esse cenário [como]: uma dependência maior do mercado chinês e menor dependência do mercado norte-americano", disse o internacionalista da Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM).
A acadêmica e pesquisadora da Faculdade de Ciências Políticas e Sociais da UNAM, Ana Luisa Trujillo, concorda com ele, e aponta que a posição do presidente francês "marca distância dos Estados Unidos", embora tenha lembrado que, historicamente, a França tem sido um país que busca autonomia e busca se definir como uma grande potência.
"Essas declarações devem ser lidas como se a França estivesse tentando equilibrar um pouco a política internacional, para definir a agenda em termos de não confrontação. Acho que esse é um elemento essencial pensando que a Europa estaria em uma encruzilhada muito mais séria, se, além desse confronto com a Rússia, os Estados Unidos decidissem agir e enfrentar diretamente a China", afirmou Trujillo.
'Um animal ferido é perigoso'
Reagindo aos comentários do presidente francês, o senador norte-americano Marco Rubio disse que era um bom momento para perguntar se Macron fala por toda a Europa e se ele é agora o líder mais poderoso da União Europeia (UE).
"Se Macron fala por toda a Europa e sua posição agora é que eles não vão tomar partido entre os EUA e a China em Taiwan, então talvez nós também não devêssemos. Talvez devêssemos nos concentrar em Taiwan e nas ameaças representadas por Pequim, e vocês, meninos, cuidem da Ucrânia e da União Europeia", disse Rubio em um vídeo publicado em sua conta no Twitter.
López Alvarado considera que as declarações de Rubio podem ser entendidas como um discurso que reflete a visão que Washington tem de seus parceiros, aos quais, segundo o especialista, trata "de maneira irresponsável" e "muito autoritária". Para ele, os Estados Unidos são "um animal ferido" e que, contra isso, deve-se agir com cautela. O mundo deve estar preparado para a reação da Casa Branca à ameaça à sua hegemonia.
"Os Estados Unidos podem começar a optar por políticas cada vez mais autoritárias [em relação aos que ameaçam seus interesses], desde sanções econômicas até pressões diplomáticas, ou envios cada vez mais frequentes de armas para zonas de conflito; ou seja, começar a tomar decisões em matéria de política externa cada vez mais erráticas", observa o especialista.
Posição de Macron terá impacto?
Os dois especialistas ouvidos pela Sputnik apontam que Paris faz bem em se distanciar das tensões entre Washington e Pequim, pois isso pode fazer com que Bruxelas priorize seus interesses acima dos do país norte-americano, que não consegue se distanciar de Rússia e China desde o início do conflito na Ucrânia, em 24 de fevereiro de 2022.
Para López Alvarado, a posição de Macron pode ser replicada em outros países da UE talvez por vias mais diplomáticas, argumento também considerado por Trujillo que destaca, em termos econômicos e políticos, que a França pode ser considerada a segunda nação mais importante da UE, portanto a voz de Emmanuel Macron pode ter um eco regional, já que a Alemanha também teve aproximações com Pequim.
No domingo (10), como reflexo das falas de Macron, o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Wang Wenbin, disse em entrevista coletiva que Pequim espera que todos os países "adotem o princípio de Uma Só China e se oponham resolutamente a qualquer forma de independência taiwanesa e atividades independentistas".
O alto funcionário enfatizou que a maior ameaça à paz no estreito de Taiwan atualmente são as atividades dos independentistas taiwaneses com a cumplicidade e o apoio de Washington.