Dada essa relação verdadeiramente curiosa e peculiar, é possível dizer que boa parte da história política do Brasil de meados dos anos 2000 refletiu – em certa medida – os passos do economista Paulo Nogueira Batista Jr.
Para efeito de contextualização, Batista Jr. atuou como diretor-executivo pelo Brasil no Fundo Monetário Internacional entre os anos de 2007 e 2015, ocupando posteriormente o cargo de vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento – também conhecido como Banco do BRICS – de 2015 a 2017.
Durante esses dez anos, o mundo testemunhou significativas transformações que tiveram efeito não somente na conjuntura internacional como na própria posição do Brasil no sistema. A princípio, quando Paulo Nogueira era diretor atuante no FMI, o Brasil, assim como os demais países do BRICS, acabou melhorando sua posição relativa na instituição depois das reformas de cotas aprovadas em 2008.
Paulo Nogueira Batista Jr, na época vice-presidente Do Novo Banco de Desenvolvimento do BRICS, em 3 de setembro de 2017
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Naquele período, o Brasil já havia consolidado um discurso em torno da redução no desequilíbrio no poder de voto dos países emergentes no FMI, em contraste com a posição privilegiada dos países do G7.
Como Batista Jr. descreve em uma de suas obras principais, "O Brasil não Cabe no Quintal de Ninguém", o principal empecilho para uma reforma abrangente no âmbito do FMI era a resistência dos países europeus à mudança, os quais continuavam agarrados "a posições e privilégios" que refletiam o peso que eles tinham no passado.
Em suma, a Europa se via como a principal defensora do status quo institucional baseado em uma realidade inexistente, dificultando assim a redistribuição do poder decisório para outros centros econômicos emergentes, como era o caso do Brasil.
Não por acaso, para Paulo Nogueira a super-representação europeia no FMI tratava-se de "um problema tão ou mais grave do que o excessivo poder dos Estados Unidos" na instituição. Custava à Europa aceitar a realidade de seu declínio econômico no sistema internacional. Com isto, a insatisfação dos Estados menos privilegiados ia apenas se acumulando.
Batista Jr., por sua vez, foi ao mesmo tempo articulista e testemunha de uma cooperação política cada vez maior entre Brasil, Rússia, China e Índia dentro do FMI, passando a atuar em conjunto para a definição de posições comuns.
Dessa cooperação surgia uma coalização de países que lutavam por uma reforma na governança financeira internacional, baseada no realinhamento de poder de voto e de cotas mais justas para as economias emergentes.
Logo, quando eclode a Crise Financeira de 2008 o próprio G7 como gestor da agenda financeira global perdeu legitimidade. Aquele era um momento de transformação sem precedentes no sistema, e o Brasil aproveitou a oportunidade para fazer com que o G20 – e não mais o G7 - se tornasse o principal foro para a governança da economia mundial.
Tal é a realidade que se faz presente até os dias de hoje. Como se não bastasse, em 2009 Brasil, Rússia, Índia e China decidiam criar o grupo BRIC, dando então seus primeiros passos na consolidação de uma entidade política que discursava em prol de um sistema internacional multipolar e mais representativo.
Tratava-se de um conjunto de Estados que, nas palavras de Batista Jr., estavam inconformados "com a atual governança internacional, que tem origem na estrutura de poder que emergiu depois da Segunda Guerra Mundial".
No limite, era uma estrutura que consagrava os privilégios das potências europeias e dos Estados Unidos e que se oporia ferrenhamente a mudanças que pudessem prejudicar sua hegemonia no sistema. Dada a importância adquirida pelo BRICS para a mudança desse quadro, em 2011, por iniciativa brasileira, os países do grupo também passaram a se reunir às margens das discussões do G20.
A intenção do BRICS, manifestada logo em suas primeiras cúpulas, era atingir uma maior "democratização" das relações internacionais. Ora, como apontava Paulo Nogueira, os organismos multilaterais do pós-guerra representados pelas Nações Unidas, o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial funcionavam de maneira verdadeiramente oligárquica.
Todas essas questões inquietavam não somente o próprio Batista Jr. como também o Brasil. Diante desse contexto, na Cúpula de 2014 em Fortaleza, os países do BRICS decidiram anunciar a criação do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), a ser sediado em Xangai (na China), voltado para o financiamento de projetos de infraestrutura e de desenvolvimento sustentável.
Apontava-se então para uma mudança no centro de gravidade da política internacional brasileira, que migrava cada vez mais seu olhar de Washington para Xangai. À época, já estava mais do que claro que a velha ordem do pós-guerra liderada pelos Estados Unidos e seus aliados dava lugar a uma configuração de poder multipolar no sistema internacional, propiciando o surgimento de novas instituições de governança financeira multilateral.
Não somente isso, era a primeira vez que o Brasil participava – desta vez como ator fundamental – da criação de um banco de desenvolvimento com potencial de alcance global. Para Batista Jr., que assumiria em 2015 o cargo de vice-presidente da instituição, o Novo Banco de Desenvolvimento representava a insatisfação do BRICS com a lentidão nas reformas dos organismos de Bretton Woods, dominados pelo Ocidente.
Tratava-se, ademais, de uma tentativa dos países emergentes de ganhar mais espaço no cenário internacional por meio de seus próprios esforços. O Brasil ganhava com isso, e ao mesmo tempo sinalizava-se para o fortalecimento do BRICS como um ator global relevante.
Entre 2007 e 2017, portanto, os desenvolvimentos da política externa brasileira, desde Washington até Xangai, mostravam que o país não estava realmente satisfeito com sua posição no sistema. Refletindo o pensamento de Paulo Nogueira Batista Jr., o Brasil era muito grande para caber no quintal de alguém. Aliás, continua sendo.
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