Em discurso perante o Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU) na terça-feira (30), Rafael Grossi delineou medidas que devem ser tomadas para evitar um incidente catastrófico na ZNPP – a principal delas é a suspensão imediata de ataques de qualquer tipo contra a instalação.
Ainda de acordo com ele, outras medidas necessárias incluem o compromisso de que a usina não vai ser usada para armazenar armas pesadas ou como base de lançamento de ataques, a preservação da segurança dos sistemas de refrigeração de backup no local e conexões de energia externas e garantias de que nenhuma ação seja tomada que possa minar esses princípios.
A situação na usina é "extremamente frágil e perigosa", afirmou Grossi pedindo que as medidas fossem implementadas imediatamente, embora não tenha atribuído responsabilidade pela deterioração da segurança em torno da usina, que é controlada pela Rússia desde março de 2022 e regularmente bombardeada por forças ucranianas desde então.
O representante permanente ucraniano na ONU, Sergei Kislitsa, assegurou ao Conselho de Segurança que Kiev "nunca recorreu e nunca recorrerá a quaisquer medidas que possam levar a um incidente nuclear" na ZNPP.
O representante permanente da Rússia, Vasily Nebenzya, disse ao órgão que o lado russo já está cumprindo as recomendações de Grossi, tendo-as implementado de forma independente "de acordo com as decisões tomadas em nível nacional".
O diretor-geral da agência nuclear estatal russa Rosatom, Aleksei Likhachev, à margem da conferência de Independência Digital da Rússia Industrial, disse que aprecia o trabalho de Grossi e acrescentou que a Rússia "já cumpre" os princípios delineados por ele e que vai fazer tudo para "minimizar" os riscos.
O chefe da Rosatom adicionou ainda que a Ucrânia "de fato" falhou em apoiar completamente "as propostas de Grossi no Conselho de Segurança da ONU".
'Absolutamente certo em estar pirando'
O chefe da AIEA "está totalmente ciente" dos perigos associados à deterioração da situação de segurança na ZNPP, está "compreensivelmente em pânico" e está "absolutamente certo em estar pirando", diz o doutor em física química, Chris Busby, que atualmente atua como secretário científico do Comitê Europeu de Risco de Radiação.
Falando à Sputnik e comentando as recomendações de Grossi, Busby disse que as propostas de "bom senso" são realmente apenas "uma lista de coisas que todos devem estar cientes desde o início" da crise na Ucrânia, mas que bombardeios regulares e ataques de mísseis e a possibilidade de a ZNPP se tornar um campo de batalha direto em uma possível contraofensiva ucraniana os torna ainda mais urgentes.
"O embaixador ucraniano nas Nações Unidas, sr. Kislitsa, aparentemente declarou [que] 'nunca recorremos e nunca recorreremos a medidas que possam levar a um incidente nuclear'. Bem, um problema que tenho com isso é o pronome 'nós'. Sou um cientista, não um comentarista político, mas me parece que existem muitos grupos diferentes lutando nesta guerra, e todos os tipos de ataques ocorrem em todos os lugares, pessoas são assassinadas, pontes são explodidas, oleodutos submarinos são destruídos, e ninguém parece culpar o governo ucraniano. Talvez haja muitos grupos nacionalistas independentes — terroristas? Assassinos? — que resolvem os problemas com as próprias mãos e elaboram estratégias independentes", brincou Busby.
'Bomba Nuclear controlada'
"A energia nuclear é uma tecnologia muito perigosa", enfatizou o cientista, apontando que, em seu núcleo, as usinas nucleares são "efetivamente uma bomba nuclear controlada".
"A enorme energia liberada quando uma bomba nuclear é detonada — e vimos as fotos de Hiroshima — é liberada de uma só vez. Bang! Mas a reação em cadeia no urânio que nivelou Hiroshima e matou todas aquelas pessoas é a mesma reação controlada por nêutrons que ocorre nas usinas nucleares, só que a reação é controlada com materiais que moderam a taxa de produção de nêutrons, de forma que o combustível de urânio permaneça em uma temperatura em que possa transformar a água de resfriamento em vapor que, por sua vez, aciona as turbinas que fazem a eletricidade", explicou o dr. Busby.
Ainda de acordo com o cientista, o sistema de resfriamento da usina precisa estar em plenas condições de funcionamento para evitar o superaquecimento dos materiais que produzem energia e que "uma reação em cadeia" aconteça fazendo com que o "reator vire uma bomba e exploda", como aconteceu em Fukushima e em Chernobyl.
Além das preocupações com o reator, o combustível usado na usina também pode vir a explodir, disse o cientista — que estima que existam cerca de 20.000 toneladas de barras de combustível na usina —, com esses elementos continuando a conter todos os produtos de fissão do urânio e continuarão sendo radioativos por milhares de anos.
"Se um componente subir, todos subirão, porque os níveis de radiação vão, tal como aconteceu com Fukushima e Chernobyl, impedir que alguém se aproxime da central", sublinhou, lembrando que isso inclui até os robôs – cujos circuitos eletrônicos seriam "apagados" pela radiação.
A precipitação radioativa de um desastre na ZNPP "tornaria a Europa praticamente inabitável", na estimativa do dr. Busby, elevando as taxas de mortes prematuras por câncer, perda de fertilidade, defeitos congênitos e uma série de outras doenças. De acordo com o cientista, as forças ucranianas que bombardeiam a usina provavelmente não "têm a menor ideia" do que estão fazendo e "do que Grossi chamou de 'jogar os dados'".
O que pode ser feito?
O dr. Busby acredita que a melhor coisa que pode ser feita para garantir a segurança da ZNPP é acabar com a crise na Ucrânia. "Caso contrário, a integridade do lago [da usina] deve ser assegurada", o que significa proteger a barragem que o alimenta.
"É a água do lago que está na base do sistema de resfriamento. Deve-se organizar uma zona tampão capaz de proteger a usina de ataques, e isso deve constituir uma área de exclusão aérea para ataques de mísseis ou incursões de pessoal. O que mais? Oração. É tão ruim quanto você pode imaginar", resumiu Busby.
A usina nuclear de Zaporozhie é a maior usina nuclear da Europa, com seus seis reatores capazes de gerar até seis gigawatts de energia – o suficiente para abastecer mais de 1,8 milhão de lares europeus médios.