A possibilidade de reduzir a jornada de trabalho começa a ser pauta de vários países sul-americanos, principalmente depois que o Chile deu o primeiro passo na região em abril de 2023 ao reduzir a jornada máxima de trabalho semanal para 40 horas. A partir de então, o assunto passou a circular também em sindicatos e câmaras empresariais de países vizinhos, como Argentina ou Uruguai.
O mesmo está acontecendo no Brasil, onde um plano-piloto montado por um organismo internacional poderia lançar as bases para uma rediscussão do tema. De fato, a organização 4 Day Week (Quatro dias por semana) se propõe a iniciar um plano na maior economia da região latino-americana para testar como o novo sistema funcionaria em empresas que se registram voluntariamente.
"O piloto de quatro dias nos permite alcançar os mesmos resultados de produtividade e vários outros ganhos com menos tempo de trabalho. As empresas que fazem a transição para uma semana de trabalho de 32 horas percebem aumentos de produtividade, melhor atração e retenção de talentos, envolvimento mais profundo do cliente e melhor saúde, bem-estar e felicidade dos colaboradores", relata a organização.
O projeto, que começaria em setembro de 2023 com as empresas que aderirem, propõe para o Brasil um programa "100-80-100", denominação para "100% do salário, trabalhando 80% do tempo e mantendo 100% da produtividade".
Os promotores deste modelo já o aplicaram no Reino Unido. Lá, conforme promovem, participaram 2.900 trabalhadores de 61 empresas, dos quais 92% "continuaram com a semana de quatro dias" após o programa. A organização garante ainda que 39% dos trabalhadores se sentem menos estressados e que 51% consideram mais fácil conciliar a vida familiar com o trabalho.
Ainda assim, a experiência britânica pode não se traduzir exatamente no Brasil. Em diálogo com a Sputnik, o economista José Luis Oreiro lembrou que no país lusófono, ao contrário do território europeu e de outras nações onde esta experiência foi realizada, a jornada de trabalho não é de 40 horas semanais, mas de 44. "Você trabalha oito horas diárias de segunda a sexta-feira e quatro ao sábado de manhã", sublinhou, considerando que esta diferença deve poder adiar os efeitos positivos verificados nas experiências europeias.
O economista considerou ainda que o sucesso deste tipo de experiência pode variar de acordo com o setor da economia em que é realizada. Nesse sentido, ele alertou que, embora seja viável no setor de serviços, a redução de jornada pode se tornar mais difícil no setor industrial.
"No setor de serviços é possível porque há muito trabalho ocioso durante a jornada de trabalho. Já no setor industrial não é possível, pois para isso seria necessário aumentar a produtividade, o que exige equipar-se de máquinas e equipamentos mais novos", explicou.
Oreiro destacou que a indústria brasileira "está há 15 anos estagnada porque não são feitos investimentos em atualização tecnológica". Sem a aquisição em larga escala de maquinários de última geração, seria muito difícil alcançar o aumento de produtividade que a redução de horas exige para ser bem-sucedida, ponderou o especialista.
O economista não acredita que, apesar de o assunto ter entrado na agenda pública, a redução da jornada possa ser incorporada de forma significativa à agenda do governo de Luiz Inácio Lula da Silva.
"Não acho que seja uma agenda que o governo Lula vá ter como fundamental. Não vejo espaço hoje no Brasil para discutir seriamente uma redução das atuais 44 horas para 40 ou 38", arriscou Oreiro.
Embora a redução da jornada de trabalho não pareça ser uma das prioridades do atual governo no Brasil, Lula não se opôs ao tema.
Em entrevista ao UOL Notícias, o ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, disse: "É plenamente factível levar toda a jornada máxima para 40 horas semanais. O correto, porém, é nascer isso das lutas sociais. E não simplesmente o governo mandar o projeto de lei propondo isso. Precisa haver um processo de mobilização e por isso minha provocação para os sindicatos".
Melhorar o transporte, uma medida alternativa
Oreiro considerou que o governo do líder do Partido dos Trabalhadores (PT) poderia aplicar algumas medidas mais concretas que, na prática, funcionem como uma melhoria na produtividade e bem-estar da mão de obra do gigante sul-americano.
"Uma coisa que poderia aumentar muito a produtividade do trabalho seria um investimento do governo em transporte público, já que nas grandes cidades brasileiras o trabalhador perde muito tempo de casa para o trabalho e do trabalho para casa", arriscou.
Segundo o economista, é comum o trabalhador brasileiro perder "entre três ou quatro horas por dia" no deslocamento de ida e volta ao trabalho. Um sistema de transporte mais eficiente poderia, ele considerou, melhorar o bem-estar dos funcionários, sem maiores custos para as empresas.