O novo contexto geopolítico acelerou a determinação da Rússia de diminuir a dependência internacional do país e substituir importações, principalmente em setores-chave, como a agricultura. A Universidade Agrária Timiryazev quer ir à raiz do problema e garantir que as sementes plantadas na Rússia sejam produzidas nacionalmente.
A diretriz estatal de Segurança Alimentar prevê que até 2030 o país deve utilizar cerca de 75% de sementes produzidas e selecionadas nacionalmente. Em 2022, este nível atingiu 60%, graças ao alto índice de uso de sementes nacionais no cultivo do trigo. Já culturas como beterraba e batata contaram com somente 3% e 9% de sementes nacionais, respectivamente, informou o jornal russo Kommersant.
Uma das principais armas que a Rússia dispõe para garantir a substituição de importações e sua segurança alimentar é a Universidade Agrária Estatal Russa, a Academia Agrícola de Moscou. K. A. Timiryazev.
Pesquisador manipula mudas na Universidade Agrária Estatal Russa "Academia Agrícola de Moscou K.A. Timiryazev", Moscou, Rússia, 04 de julho de 2023.
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A universidade está na linha de frente do esforço para substituir as importações russas de soja pelo cultivo nacional do tremoço branco, uma leguminosa de alto valor proteico.
"A segurança proteica estatal está no topo da agenda. Uma das maneiras de lidar com ela é desenvolvendo uma alternativa russa à soja", disse a chefe do departamento de produção agrícola e ecossistemas de pastagens, Aleksandra Shitikova, à Sputnik Brasil.
Segundo ela, o tremoço branco desenvolvido na Rússia "tem quantidades significativas de aminoácidos, óleos e proteínas, alta produtividade e nenhuma alteração genética". Além de ter custos de produção inferiores, o tremoço branco é duas vezes mais produtivo do que a soja.
A Universidade Agrária Timiryazev é pioneira no desenvolvimento do tremoço branco em escala industrial – dos 14 tipos da leguminosa registrados na Rússia, oito foram desenvolvidos pela universidade.
"Países da Europa, América e Oceania pesquisam o uso do tremoço branco para produtos alimentícios, como massas e biscoitos. Mas nós queremos garantir o papel dessa cultura como substituto da soja em ração animal", disse Shitikova.
A produção de proteína animal cresce de forma acelerada na Rússia, com destaque para as carnes de aves e suína. O aumento do rebanho local, porém, aumenta a demanda por soja, um dos principais componentes da ração animal.
Chefe do departamento de produção agrícola e ecossistemas de pastagens da Universidade Agrária Estatal Russa "Academia Agrícola de Moscou K.A. Timiryazev", Aleksandra Shitikova, em Moscou, Rússia, 4 de julho de 2023.
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"Já experienciamos um aumento na demanda pelo tremoço branco, mas muitos produtores ainda não sabem dos benefícios dessa cultura como ração animal para produção de carnes", notou Shitikova. "A adição de tremoço branco na ração de aves aumenta a produção de carnes e de ovos. Isto já está comprovado."
A universidade prevê "um aumento de três vezes da área plantada de tremoço branco na Rússia nos próximos três anos".
Um dos principais obstáculos para o cultivo do tremoço branco são os lobbies de grandes empresas transnacionais como BASF, Bayern e Monsanto, interessadas que suas sementes de soja continuem alimentando o agronegócio mundial.
"Os produtores internacionais de sementes de soja têm interesse de manter os campos russos todos ocupados com os seus próprios produtos", disse Shitikova. "Já os tipos de tremoço branco registrados na Rússia são todos nacionais."
O emprenho russo pode soar alarmes em produtores brasileiros, que venderam US$ 239 milhões (cerca de R$ 1,15 bilhão) do produto para o mercado russo no primeiro trimestre de 2023, de acordo com dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC).
Tratores operam em campo de soja em Mato Grosso, em 27 de março de 2022
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A pesquisadora Shitikova, no entanto, acredita que o desenvolvimento do tremoço branco também possa vir a beneficiar o Brasil no longo prazo.
"O tremoço branco pode ser cultivado em países tropicais [...] por isso o Brasil também pode ter interesse nessa cultura. Talvez o tremoço branco esteja na pauta de exportações brasileiras no futuro", concluiu Shitikova.
Nesta terça-feira (4), a Universidade Agrária Estatal Russa, a Academia Agrícola de Moscou. K. A. Timiryazev, recebeu jornalistas para apresentar suas principais pesquisas e avanços acadêmicos. Dentre eles, o cultivo de bens alimentícios sob condições climáticas adversas para garantir a segurança alimentar do Ártico e a disseminação do tremoço branco como alternativa viável à soja.